História das Doenças e das Artes de Cura | Ponta de Lança | 2021

Dispensario do Hospital Candelaria História das Doenças

Vista Interna do Dispensário do Hospital Candelária – 752 | Imagem: Museu Paulista da USP

O dossiê História das Doenças e das Artes de Cura reúne textos baseados em pesquisas em torno da história das doenças, das epidemias e práticas de curar, em diversas abordagens, espaços geográficos e temporalidades. O resultado demonstra a consolidação do nosso campo historiográfico no Brasil. Podemos identificar um crescente surgimento de estudos, que destacam a historicidade das experiências de adoecimento, das artes de curar e das instituições de cura brasileiras há cerca de trinta anos, e, para refletir sobretudo a respeito do campo da história das doenças, integramos ao dossiê uma entrevista com Dilene Raimundo do Nascimento, professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Fiocruz. A historiadora se dedicou a projetos de pesquisa sobre diversos temas relacionados à história das doenças e construiu redes e parcerias com historiadores e instituições do Brasil e de países da América Latina e Europa, o que se concretizou em diversas publicações e eventos. A trajetória de Dilene Nascimento se confunde, portanto, com a consolidação e expansão do campo.

Abrimos o dossiê com o artigo Negação e Negacionismo no Brasil: vacinas antivariólica e antiCovid-19, produzido por Tania Maria Fernandes, que traz importantes questões ao analisar em raias paralelas a epidemia de varíola de 1904, no Rio de Janeiro, e a pandemia de Covid-19, em 2020, no Brasil. Busca-se perceber divergências e aproximações, considerando as narrativas construídas que destacam a vacina como centro dos eventos. A perspectiva de análise pela negação e pelo negacionismo científico foi adotada no estudo em razão das marcantes diferenças entre os dois momentos, nos quais as doenças e as ações que as envolvem, como fenômenos sociais estruturantes, expressam cenários ideológicos, políticos e institucionais específicos.

O segundo artigo, pensando a epidemia de febre amarela (1850) à luz de uma pequena querela: debates sobre a origem da moléstia e do tráfico transatlântico, de Gabriela Monteiro da Silva coloca em tela a relação entre a epidemia de febre amarela de 1849-1850 e o tráfico atlântico de escravizados, estabelecida por alguns esculápios. A partir de uma discussão entre médicos, a autora mobiliza a historiografia sobre o tema e destaca a questão da racial em sua análise.

Na sequência, o artigo Breves reflexões acerca da história da saúde e escravidão na América Latina, de Gutiele Gonçalves dos Santos, Jacques Ferreira Pinto, analisa como investigações sobre a história da saúde e escravidão, na América Latina, podem contribuir para o desenvolvimento de agendas de pesquisa no campo dos estudos afro-latino-americanos. Busca-se também apontar para possibilidades de recuperar as histórias de africanos que resistiram ao tráfico utilizando seus conhecimentos das práticas de cura.

No texto O exercício das artes de curar no Recife (1828-1845): algumas considerações, Ana Lúcia do Nascimento Oliveira, Jonas Clevison Pereira de Melo Júnior e Suely Cristina Albuquerque de Luna examina as particularidades no controle do exercício das artes de curar no Recife durante a primeira metade do século XIX. A partir do Código de Posturas da Câmara Municipal (1831) e de publicações do Diário de Pernambuco (1828-1845), o estudo analisa a regulamentação das artes de curar, a permanência de práticas populares de cura e a fiscalização de tais práticas. Os autores mostram que parte dos terapeutas populares, mesmo impedidos de atuarem, continuavam agindo na ilegalidade, impondo desafios a normatização das artes de curar em curso nesse período.

Outro artigo sobre sujeitos das práticas de curar é o Os Boticários da Província do Rio de Janeiro (1850 – 1880), de Ticiana Santa Rita. A autora buscou investigar a inserção e a atuação dos boticários e farmacêuticos nos municípios da província do Rio de Janeiro, entre os anos de 1850 e 1880, a partir do levantamento realizado no Almanak Laemmert. Ticiana Santa Rita identifica e analisa a atuação destes personagens nos municípios do interior da província, atentando para a construção de redes de sociabilidade e para a formação de uma elite farmacêutica em suas respectivas regiões.

O sexto artigo, Notas sobre as práticas terapêuticas e assistência médica da população escravizada na província da Parahyba do Norte (1850-1888): condições físicas, doenças, saberes e práticas de cura de Elainne Cristina Jorge Dias, analisa as condições físicas, de saúde e morte dos escravizados a partir, sobretudo, das notícias e anúncios de jornais. Ademais, investigando os discursos e saberes científicos da época, a autora conclui que estes estavam articulados ao projeto de controle do espaço social e foram determinantes para a criação de normatizações sobre as condições de higiene, estabelecendo formas de combate aos males que poderiam acarretar doenças.

O texto O impaludismo/malária no Piauí: medidas profiláticas e ações terapêuticas para o tratamento entre a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, de Ana Karoline de Freitas Nery, Elizangela Barbosa Cardoso, analisa estas enfermidades e as medidas para o tratamento, que envolviam saberes e terapêuticas dos recursos da flora local, assim como o conhecimento médico-farmacêutico propagandeado em anúncios de remédios. Conforme os autores concluem, ao longo da primeira metade do século XX, a instalação de instituições de saúde intensificou medidas de educação sanitária e o uso de medicamentos diversos para o tratamento da doença.

Maria de Fátima Oliveira e Leicy Francisca da Silva, em seu artigo Condições sociossanitárias nas margens do Rio Tocantins: contrapondo olhares, analisa a situação das populações ribeirinhas do Tocantins na primeira metade do século XX, no que se refere às questões de saúde e doenças. Os ribeirinhos viviam carentes de assistência por parte do governo e alijados do acesso aos avanços da medicina. As autoras mostram a importância de se mapear os médicos locais e identificar a contribuição para as pesquisas e obras dos intérpretes da nação.

O dossiê também apresenta o artigo História da obesidade no Cinema Mudo (1895-1927) de Cezar Barbosa Santolin, Luiz Carlos Rigo, que investiga a representação da obesidade no cinema mudo através de 806 filmes. Apresentando de forma minuciosa a metodologia utilizada, a investigação encontrou raízes da propaganda da inversão valorativa da obesidade, mas não tanto o processo histórico de patologização.

O artigo A puericultura em busca da sanidade infantil: a atuação filantrópica em ParnaíbaPI (1937-1945), escrito por Joseanne Zingleara Soares Marinho, analisa como a atuação filantrópica adquiriu notoriedade diante dos poderes públicos na constituição do ideário, das técnicas e das iniciativas de puericultura. A autora conclui que, em Parnaíba, a atuação da iniciativa particular por meio das associações filantrópicas adquiriu particular notoriedade, considerando-se os serviços de puericultura destinados à preservação da saúde infantil entre os anos de 1937 e 1945.

A vida se transforma em morte: a pandemia de Covid-19 no cotidiano dos moradores e moradoras da cidade de Pelotas (RS), de Lorena Gill, Ana Paula Chiarelli, Milena da Silva Langhanz, baseia-se em pesquisa realizada entre os meses de abril e julho de 2020 pelo PET Diversidade e Tolerância, da UFPel. O artigo busca verificar as mudanças que o distanciamento social ocasionou na vida dos habitantes da cidade, no tocante aos aspectos econômicos, sociais, de saúde, entre outros. O estudo fornece dados para importantes reflexões sobre o impacto da pandemia de acordo com gênero, raça, renda, nível de escolaridade, entre outras variáveis. Além disso, analisa também pequenas narrativas sobre o medo da doença, a solidão e o receio que a morte inesperada poderia proporcionar.

No texto A loucura entre a paranoia querelante e o alcoolismo crônico: dois casos de interdição civil em Sergipe (1941-1942), João Paulo Pinto Cruz e Lina Maria Brandão de Aras buscou iluminar experiências de interdição civil em Sergipe, na década de 1940. Para tanto, destacou dois casos presentes na documentação analisada e colhida no acervo do Arquivo Geral do Judiciário de Sergipe, em que as narrativas estampadas nos processos expõem vivências dramáticas em torno da intervenção civil. Fica claro, na análise, o entrelaçamento da medicina psiquiátrica, da justiça e da família.

O dossiê História das Doenças e das Artes de Cura apresenta, portanto, textos que contemplam diversas regiões do país, elaborados por pesquisadores consolidados no campo e por aqueles que se encontram mais no início de sua trajetória acadêmica. Desse modo, o próprio dossiê exemplifica a abrangência e o dinamismo dos estudos sobre a história das doenças e das artes de cura no Brasil. Desejamos, assim, que os leitores possam confirmar a nossa avaliação e constatar as valiosas colaborações dos artigos para o campo da história das doenças e das artes curar.


Organizadores

Tânia Salgado Pimenta – Professora do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz E-mail: [email protected]

Barbara Barbosa dos Santos – Doutoranda do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

PIMENTA, Tânia Salgado; SANTOS, Barbara Barbosa dos. Apresentação. Ponta de Lança- Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v. 15, n. 29, p.10-13, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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