A Economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo | John Kenneth Galbraith

John Kenneth Galbraith pertence a uma geração de economistas que marcou o século XX. Intelectual controverso, escreveu uma vasta obra na qual constam O Novo Estado Industrial e A Era da Incerteza, entre outros. Quase centenário, Galbraith encontra alento para mais um livro: A Economia das fraudes inocentes.

A princípio, o livro parece leve. São apenas 84 páginas, na edição brasileira. Onze capítulos, uma introdução e uma conclusão. Nem um gráfico. Nem uma tabela. Nem um fluxograma. Nenhuma nota de referÍncia [1]. A leitura é fácil, didática, quase sequencial. Parece-se com um livro mais despretensioso da obra de Galbraith (como Economia, Paz e Humor), mas, a certa altura, alto lá! Deparamos com o seguinte trecho:

“O sistema econômico praticado por todos os países economicamente adiantados do mundo e, em formas mais difusas, pelos demais- com exceção da Coréia do Norte, de Cuba e, formalmente, mas não de fato da China- confere o mais alto poder econômico àqueles que dominam as indústrias, os equipamentos e as terras de maior importância (p. 18). ”

Trata-se de pensamento econômico em estado puro, para o uso contemporâneo. Logo em seguida:

“Nas empresas modernas, quem detém o poder real não são os donos do capital, mas- como enfatizaremos mais tarde-os administradores”.

Para quem conhece O Novo Estado Industrial, reconhece-se acima um passo adiante na concepção de Galbraith da “Tecnoestrutura”. Agora são as corporações, e o seu poder de fato, delegado pela pulverizada estrutura de “sócios anônimos”, que legitimam um sistema ao qual Galbraith não poupa o nome: Capitalismo, apesar dos eufemismos do mainstream teórico, este prático, segundo o autor, da fraude inocente.

A “fraude inocente” é definida logo no primeiro capítulo. Trata-se de uma visão de mundo dada por uma classe social, munida de seus interesses e anseios, que resulta em seu forte amparo e mesmo na transformação de seus princípios em conhecimento “comum” (p. 16). Nela residiriam as concepções da teoria econômica do mainstream sobre o mundo do trabalho, o papel das empresas, as relações de poder e decisão na estrutura burocrática das corporações, a crença no poder de instituições como os bancos centrais, e mesmo no papel do Estado num “sistema de mercado”. Lá estão a Enron e o Fed; as ficções da “soberania” do consumidor e do produto “nacional”.

A “fraude inocente” englobaria a concepção do sistema capitalista (capítulos 2 e 3), as relações sociais de produção (capítulos 4, 5 e 6), o papel do Estado (capítulo 7), a ficção monetária e financeira (capítulo 8); o papel das políticas do governo (capítulo 9), e o resultado em ˙última instância da acumulação de capital: o negócio da guerra (capítulos 10 e 11).

Mas ninguém diga que J. K. Galbraith é um marxista… Trata-se de uma influência institucionalista [2] característica de um Thorstein Veblen da Teoria da Empresa Industrial ou da Teoria da Classe Ociosa. Termos muito mais aceitáveis para alguém que passou vários anos participando do governo da principal potência capitalista após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos. Nem mesmo a aceitação do caráter contraditório (dialético?) da fraude inocente, logo nas primeiras linhas, nos faria pensar tal despropósito.

Despida a aparência despretensiosa, percebe-se que em A Economia das fraudes inocentes há um resumo das idéias principais do autor, como uma espécie de pout-pourri, só que mais focado. Como que liberto do ônus de provas empíricas e demonstrações matemáticas, Galbraith preocupa-se apenas em apresentar pensamento econômico. E o faz brilhantemente.

Assim, A Economia das fraudes inocentes é uma síntese melhorada da obra de John Kenneth Galbraith. Somada a ela, há um libelo humanista do autor, bastante claro no ˙último parágrafo do livro, em que este sugere que os problemas econômicos e sociais decorrentes do capitalismo das fraudes inocentes já estariam sendo resolvidos, restando a “guerra, como fracasso humano supremo” (p. 84). Trata-se tanto de excelente síntese quanto de introdução ao pensamento de um grande economista do século XX. Um livro que pode ser lido antes e depois de se conhecer o restante da obra de Galbraith.

Notas

1. Há notas da tradução brasileira no livro.

2. Um institucionalismo que reconhece a força institucional da corporação, mas descreve o Fed como “um edifício agradável, discreto” que “pertence ao universo da esperança e da imaginação, e não ao mundo real” (p. 68).


Resenhista

Luiz Eduardo Simões de Souza – Mestre em História Econômica. Doutorando em História Econômica. Universidade de São Paulo.


Referências desta Resenha

GALBRAITH, John Kenneth. A Economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Resenha de: SOUZA, Luiz Eduardo Simões de. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 02, n. 04, p.98-100, dezembro, 2005. Acessar publicação original [DR]

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