A finança mundializada: raízes sociais e políticas/configuração/ conseqüências | François Chesnais

Livro-chave para a compreensão da economia internacional – e em particular do sistema financeiro internacional – a obra compõe-se de uma coletânea organizada pelo professor François Chesnais. Ela dá seguimento ao pensamento do autor, cujas obras lançadas no Brasil foram: A mundialização financeira – gênese, custos e riscos, pela Xamã, e Tobin or not Tobin? Uma taxa internacional sobre o capital, pela Universidade Estadual de São Paulo.

O livro conta com o prefácio do professor Luiz Gonzaga Belluzzo que expõe a face real da globalização neoliberal: uma intrincada rede de interesses construída pelos mercados financeiros internacionais, sob a necessidade voraz de reprodução do capital que gera ilusões de riqueza. Outrossim, ele expõe o contraponto na economia brasileira, em decorrência das remessas de lucros por empresas de serviços públicos como telefonia, eletricidade, etc., as quais agora necessitam de investimentos governamentais, ou seja, dos contribuintes para atender as chamadas áreas “não rentáveis”.

Chesnais, na versão brasileira da obra, escreveu uma apresentação específica, na qual argumenta que o Brasil faz parte do grupo de países que apresenta um aumento de suas reservas cambiais não para o pagamento da dívida externa, mas para seguir o conjunto de elementos que desenham concretamente a capacidade efetiva do capital para assegurar sua reprodução.

Doze autores estudam as conseqüências impostas pelos poderes do mercado financeiro e dissecam as relações entre ele e a hegemonia dos Estados Unidos, tanto no campo militar, quanto no política, no mercado de câmbio etc., bem como os riscos da combinação entre a dependência externa da superpotência e uma doutrina de segurança.

No primeiro capítulo, o próprio Chesnais discorre sobre a mundialização do mercado financeiro e do capital portador de juros, bem como a natureza e os efeitos de sua interpenetração no capital industrial. Ele disserta sobre as etapas da acumulação financeira e o ritmo acelerado sobre o desempenho da economia mundial e questiona o que ele mesmo chama de “insaciabilidade” das finanças. Mais adiante, Brunhoff, conectada com o texto anterior, analisa as causas da instabilidade monetária internacional que se manifesta com as flutuações nos mercados de câmbio.

Duménil e Lévy estudam a configuração das relações econômicas e financeiras internacionais com a hegemonia americana. Dela, os autores comparam as taxas de lucros e o lucro retido das empresas e suas respectivas taxas de investimento entre os Estados Unidos e a Europa. Sauviat concentra-se nos fundos de pensão e nos fundos coletivos (mutual funds) americanos e discorre sobre como esses investimentos que, por sua natureza deveriam ser socialmente responsáveis, são ambíguos nos direitos de seus cotistas, ou seja, passam para o mercado financeiro os recursos e a responsabilidade das aposentadorias dos trabalhadores.

Plihon, no capitulo seguinte, debruça-se sobre as conseqüências das empresas francesas em aceitar investidores institucionais, ao mostrar que a estagnação econômica e a elevada taxa de desemprego durante os anos de 2002 e 2003 são vulnerabilidades abertas por investidores do mercado financeiro tanto na França como nos demais países industrializados.

Jeffers, por sua vez, apresenta a argumentação da disputa político-econômica mundial, sendo que a Europa representa também uma “alternativa” e um ponto de apoio para o capital financeiro nos investimentos na própria região, na América Latina e na Europa Oriental. Uma disputa não de modelo, mas apenas de concorrência entre as praças financeiras de Frankfurt, Paris e Londres. Não se pode esquecer de que a mundialização financeira teve inicio com o eurodólar emanado da City londrina e posteriormente seguindo a trajetória das demais praças financeiras da Europa continental.

Em seguida, há o estudo sobre como a liberalização financeira em 1990 no Japão resultou na amplitude do colapso do preço dos ativos bursáteis e imobiliários. Além do mais, a demora do governo em intervir conduziu a um acúmulo particularmente elevado de dívida e de crédito irrecuperáveis por bancos e sociedades seguradoras do país, a qual não deve ser confundida com a crise mais profunda do modelo japonês, atingindo em cheio por problemas estruturais como coloca Rubinstein.

Em sua oitava parte, mostra-se como o capital financeiro é insaciável em sua busca de super-lucros e de vantagens na concorrência com outros setores e proporciona-se a relação estreita entre ele e o capital industrial. Camara e Salama propõem uma análise diferenciada da inserção dos países em desenvolvimento na globalização, assim como dos efeitos contraditórios ou “paradoxais” dessa inserção, principalmente por meio do investimento direto estrangeiro (IDE).

No último capítulo, Mampey e Serfati examinam as perspectivas sombrias do entrelaçamento entre mercado financeiro e o complexo militar-industrial nos Estados Unidos, ao ofertar ainda a evolução das relações entre as tecnologias militares e as civis – em particular, as de informação e de comunicação – e o comprometimento entre as instituições políticas – sobretudo as que compõem o Executivo – e os grupos financeiros do complexo industrial-militar, particularmente depois da eleição de George W. Bush e do atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001.

Os autores se perguntam se os mercados financeiros não estariam em vias de colocar a inevitabilidade de novas guerras e de novas operações militares em seu horizonte de cálculos. Chamam eles a atenção para a seguinte reflexão: se os rendimentos do mercado financeiro não estariam fundados sobre a frágil base da especulação, mas sim sobre o cálculo de que somente a supremacia militar pode permitir aos Estados Unidos se protegerem dos contragolpes sociais e políticos que um modo de produção e de consumo “insustentável” gera para o planeta.

Por fim, a leitura do livro é uma tarefa encorajadora e prazerosa, pois se trata de uma coletânea com a qual se depara com uma quantidade de informações e análises instigantes, o que faz que a reflexão sobre o capital financeiro constitua-se em uma condição essencial para quem deseja entender a economia internacional do alvorecer do século XXI. Para o organizador do presente trabalho, não há respostas fáceis, nem respostas únicas válidas para entender a finança mundializada.


Resenhista

Ricardo da Silva – Mestre em economia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRR e em Administração pela Universidade de Brasília – UnB e Professor do Departamento de Economia e Administração da Universidade Católica de Brasília – UCB. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, conseqüências. São Paulo: Boitempo, 2005. Resenha de: SILVA, Ricardo da. Meridiano 47, v.8, n.78, p.19-21, jan. 2007. Acessar publicação original [DR]

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