A Parceria Africana: as relações Brasil-África do Sul | Pio Penna Filho

As obras de Pio Penna Filho sobre as relações internacionais entre Brasil e os países do continente africano são, sem dúvida, trabalhos de referência. Historiador de formação, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), nos últimos quatro anos tem refinado suas pesquisas, em especial, relacionadas à África do Sul, adensando o trabalho realizado desde seu doutoramento e ampliando o escopo de sua análise. É neste contexto que nasce o livre que avaliamos: A Parceria Africana: as relações Brasil-África do Sul.

O volume é fruto do projeto Parcerias Estratégicas do Brasil: a Construção do Conceito e as Experiências em Curso, coordenado pelo Prof. Antônio Carlos Lessa (UnB) e financiado com recursos do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Destarte, é interessante alocá-lo no debate proposto.

Parceira estratégica, tal qual inserção internacional, converteu-se em ferramenta analítica da política externa brasileira contemporânea sem muito pudor por parte da comunidade acadêmica do país e do mundo. A expansão a ser limitada nasce da necessidade das chancelarias etiquetarem como prioritárias as relações com determinados parceiros acabou por fazer com que apresentassem seus interesses-alvo como revestidos de densa interação e de alta relevância política e econômica. Disto, os organizadores da coleção propõem a “qualificar como mais importante um ou uns poucos relacionamentos bilaterais, definidos como prioritários em um rol de muitos, configurado em bases mundiais” (LESSA; OLIVEIRA, 2013:10; FARIAS, 2013).

Para isso, é preciso que sejam investigadas as interfaces existentes entre políticas externas e os sistemas políticos, o processo decisório, o peso do sistema econômico, a atuação regional e o manejo das prioridades internacionais em nível bilateral. O foco recai, pois, sobre o sistema de relações internacionais contemporâneas do Brasil tendo em conta que neste coabitam os sentidos das experiências históricas (reconstruindo a relevância que determinados relacionamentos bilaterais adquiriram ao longo do século XX), e da política propriamente dita (a partir do governo de Lula da Silva, em 2003, empenhado em retomar a vocação universalista do Brasil no cenário internacional (LESSA; OLIVEIRA, 2013)).

O livro de Pio Penna Filho nutre a dimensão histórica da parceria estratégica com o continente africano, aqui representado pelo seu maior expoente no radar de relações internacionais do Brasil com aquele continente, a África do Sul. De modo esquemático, o livro se estruturada em três partes. A primeira dá conta dos primeiros contatos, de maneira incipientes, no início do século XX. A segunda trata das oscilações no trato diplomáticos dos dois países, eclipsados pela Segunda Guerra Mundial, pelo apartheid na África do Sul e pelo governo militar no Brasil. Por fim, captura o robustecimento e a definição estratégica da parceria, sob o signo da redemocratização no Brasil e do fim do segregacionismo e do isolamento sul-africano, chegando à criação do Fórum de Diálogo IBAS e do BRICS.

Cabe capturar o argumento do texto ao invés de enumerar as minúcias de cada capítulo. Penna Filho é acurado ao demonstrar que a política externa do Brasil em direção à África já é antiga, mesmo que uma aproximação mais assertiva do Brasil com a África tenha se iniciado apenas em finais dos 1950 e início dos 1960. Foi durante a década de 1970 que país formulou claramente suas diretrizes àquele continente e não mais deixou-a sair de seu rol de parceiros.

De acordo com o autor, a construção da parceria estratégica se dá num cenário de crescimento continuado, no qual desde a década de 1990 as taxas que variam entre 5 e 6% a.a., credenciando a África como uma nova área econômica em franca expansão e repleta de oportunidades que podem e devem ser exploradas. Mais, a África do Sul passou a ser vista pelo governo brasileiro como aliada no plano multilateral e parceira importante no plano do comércio bilateral2 (PENNA FILHO, 2013:146).

Isto é, o argumento econômico, desde o início, é o conformador e garantidor da parceria estratégica Brasil-África do Sul, que em momentos tensos do século XX, se não assistiu ao rompimento no relacionamento bilateral, viu este ser congelado por conta da implementação da política de segregação racial implementada na África do Sul. O contraste fica claro:

Países com perfil econômico semelhante, com estrutura social complexa e formação histórico-cultural diferenciada, os dois Estados mais importantes dos seus respectivos continentes fizeram, ao longo do seu processo de desenvolvimento, opções políticas diferentes. Assim, com a complexidade crescente das relações internacionais, a inserção internacional de ambos se deu de maneira diversa. (PENNA FILHO, 2013:162).

Atualmente, de acordo com o autor “[o] estágio atual das relações entre Brasil e África do Sul apresenta um quadro de convergência jamais visto em outro momento da história das relações bilaterais”. Estaríamos vivendo “um momento promissor, que pode ajudar a consolidar uma parceria que tem tudo para trazer benefícios mútuos em vários campos e de longo prazo” (PENNA FILHO, 2013:05).

Há que se ver que os vários campos promissores seriam as articulações em nível multilateral a serem realizadas no âmbito do IBAS e do BRICS, que até hoje não passam de promessas. Ademais, parece contrassenso que um parceria seja estratégica quando sofreu ignorância por uma das partes – a África do Sul – durante boa parte de sua história. Seria o argumento calcado em dados reais de economia e possibilidades políticas ou uma opção monopolizada? De outro modo, o Brasil escolheu a África do Sul por ser opção única à entrada naquele continente -por motivos auto-evidentes- ou pela percepção dos ganhos vindouros?

Como disse no início, a obra é fundamental para que se possa entender o caminho percorrido pelas relações entre o Brasil e seu mais importante parceiro na África. É estratégica uma leitura crítica do passado para que se possa compreender as possibilidades do futuro, e neste ponto, Pio Penna Filho mais uma vez acerta.

Nota

2 Segundo Penna Filho, o fluxo comercial com a África do Sul atingiu, em 2009, a cifra de US$1.6 bilhão, valor inferior ao dos anos anteriores (considerando-se 2005 em diante), cuja explicação se dá pelos efeitos da crise de 2008/2009 (PENNA FILHO, 2013:154).

Referências

FARIAS, Rogério de Souza. Parcerias estratégicas: marco conceitual. In: LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, Henrique Altemani de (eds.). Parcerias estratégicas do Brasil: os significados e as experiências tradicionais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. v.1. p. 15-36.

LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, Henrique Altemani de (eds.). Parcerias estratégicas do Brasil: os significados e as experiências tradicionais. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. v.1.

PENNA FILHO, Pio. A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais. Brasília, DF: Hinterlândia, 2010.

PENNA FILHO, Pio. A Parceria Africana: as relações Brasil-África do Sul. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.

PENNA FILHO, Pio. O Brasil e a África do Sul – O Arco Atlântico da Política Externa Brasileira (1918-2000). Brasília, DF: FUNAG/MRE, 2008.


Resenhista

Fabrício H. Chagas Bastos – Professor de Relações Internacionais Contemporâneas da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD e Doutorando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

PENNA FILHO, Pio. A Parceria Africana: as relações Brasil-África do Sul. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. Resenha de: BASTOS, Fabrício H. Chagas. Meridiano 47, v.15, n.143, p.47-48, maio/jun. 2014. Acessar publicação original [DR]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.