As cruzadas: uma história | Jonathan Riley-Smith

Ecce quam bonum et quam incundum

Habitare frates in unum!

[Oh! Quão bom e quão agradável habitarem os irmãos em união!]

(Salmo 133,1)

O autor Jonathan Riley-Smith (1938-2016) foi um destacado medievalista inglês. Formou-se em Cambridge, lecionou em St. Andrews, foi diretor de estudos no Queen’s College, professor de História Medieval no Royal Holloway College de Londres e por fim, de volta em Cambridge, catedrático de História Eclesiástica. Foi membro fundador e, posteriormente, presidente da Sociedade para a História das Cruzadas e do Oriente Médio e suas obras figuram entre as contribuições mais relevantes para o estudo das cruzadas no século XX. Como consequência de seu trabalho nas funções de autor e editor, resultaram 17 livros, inúmeros capítulos e artigos em publicações diversificadas, conferências para especialistas e leigos. Riley-Smith foi também Cavaleiro da Ordem de Malta e Bailio Grã-Cruz da Venerável Ordem do Hospital de São João de Jerusalém (RILEY-SMITH, 2019).

De início é importante sublinhar que o livro de Jonathan Riley-Smith (2019), com o título original The Cruzades: A History possui três edições na língua inglesa. A primeira edição foi lançada no ano de 1987 na cidade de Londres pela editora Continuum International Publishing Group Ltd. A segunda edição foi relançada pela mesma companhia editorial no ano de 2005. E a terceira edição saiu em Londres no ano de 2014 pelo grupo Bloomsbury Publishing, editora que comprou os direitos da empresa Continuum International Publishing Group Ltd no ano de 2005.

No Brasil, a obra As Cruzadas: uma história foi lançada em língua portuguesa pela Editora Ecclesiae situada na cidade de Campinas, pertencente ao estado de São Paulo. Sendo assim, o trabalho de tradução dessa obra para a Língua Portuguesa é importante para inserir o leitor brasileiro, ou o leitor de língua portuguesa em geral na discussão do tema das cruzadas.

Há que se ressaltar aqui um aspecto fundamental, para o autor a obra é uma tentativa de satisfazer as escolas e universidades que concentram seus ensinamentos nas cruzadas para o oriente nos dois primeiros séculos do movimento, e ainda dar espaço para os conflitos que aconteceram entre os séculos XVI, XVII e XVIII, que segundo o autor, são pouco explorados. Para ele, pouco se sabe acerca das cruzadas na região báltica e na Península Ibérica. Afirma “Apenas uma parte irrisória das evidências fornecidas pela arte e pela literatura vernácula foi absorvida pela historiografia” e ainda “Sobre as questões referentes a estudos econômicos adequados do movimento das Cruzadas, existe uma fenda, poucos materiais foram produzidos até o presente momento”.

Ademais, o livro conta com 546 páginas, compondo no primeiro momento um sumário indicando a estrutura e as principais divisões da obra como: Caixas de texto, mapas, ilustrações, prefácio e introdução. Logo em seguida podemos observar que o conteúdo do livro é divido em 11 capítulos que narram aspectos característicos do evento Cruzadas seguindo uma cronologia. Na introdução, o autor descreve o debate historiográfico da década de 1950, no qual os historiadores consideravam cruzadas autênticas, apenas os eventos que partiram da Europa Ocidental com a finalidade de recuperar e defender Jerusalém. Considerava-se que as cruzadas haviam terminado com a queda das últimas cabeças nas praias da Palestina e na Síria para o Islã em 1291. Campanhas em outros teatros de operações como a Península Ibérica ou a região báltica, ou contra inimigos internos da Igreja, como hereges, podiam ser chamadas imprecisamente de cruzadas, mas por serem de outra ordem, raramente se prestava atenção a elas.

Ainda apontado no item da introdução, Riley-Smith (2019) descreve algumas reflexões resultantes em questionamentos com relação as motivações que ocasionaram as cruzadas, cujo o autor vai se preocupar em esclarecer no decorrer dos próximos capítulos do livro:

O que motivou milhares de leigos franceses, ingleses, alemães e italianos abastados a abandonar suas existências diárias e arriscar tudo, inclusive a própria vida, do outro lado do mundo conhecido? Como o papado justificou uma inovação tão radical, subversiva, em termos de teologia cristã? Como essa extraordinária concatenação de ideias e eventos foi moldada em uma estrutura institucional para sustentar as consequências territoriais dessa transformação na geopolítica? Como foi então implantado para legitimar a violência cristã em outro lugar? (RILEY-SMITH, 2019, p. 44).

Com efeito, no primeiro capítulo, Riley-Smith (2019) faz uma definição do que era Guerra sacra e Guerra penitencial para a mentalidade do período do século XII e XIII. A Guerra sacra é descrita tomando como exemplo as pregações de Jacques de Vitry1, que fez sermões aos Cavaleiros Templários na cidade de Acre no século XIII. Para Jacques de Vitry os soldados cristãos tinham o dever de combater as ameaças que vinham do demônio e seus agentes: idólatras, pagãos e hereges, ou seja, ele justificava a violência cristã com argumentos teológicos retirados do Decretum2 de Graciano, texto padrão de lei canônica e de algumas passagens do Antigo e Novo testamento da Bíblia. Já a Guerra penitencial é definida como um ato de “remissão dos pecados” e foi propagada a partir do ano de 1080 pelo Papa Gregório VII 3. Era uma pregação que exigia dos cristãos o serviço a Deus pelas suas armas da parte de um soldado devoto que respondia a um comando divino.

Desta forma, no segundo capítulo o autor descreve os motivos que levaram a Primeira Cruzada, indicando que em março de 1095 a embaixada do imperador bizantino Aleixo I apareceu em um concílio da Igreja de Piacenza, presidido pelo Papa Urbano II. A embaixada pedia ajuda contra os turcos, cujo avanço pela Ásia Menor os trouxera perto de Constantinopla, a uma distância que lhes permitia atacar facilmente a cidade, além de detalhar o surgimento das ordens militares como os Hospitalários e Templários.

Na sequência, no terceiro e quarto capítulo da obra vai se preocupar em detalhar a primeira expedição para o Oriente Médio, descrevendo as inúmeras dificuldades em percorrer uma enorme distância com um grupo numeroso de pessoas. Os saques a reinos que ficavam no caminho na região, fizeram parte da trajetória dos exércitos cristãos. Também podemos mencionar os locais sagrados e o estabelecimento da Igreja Latina nas cidades de Antioquia e Jerusalém. Por outro lado, no quinto e sexto capítulo, a narrativa do autor descreve a Segunda Cruzada, mencionando os assentamentos latinos no Oriente Médio, as administrações, a economia, os peregrinos, as edificações que surgiram com os reis Balduíno I ao Balduíno V, a Batalha de Hattin e a perda de Jerusalém.

Dentro dessa perspectiva, no sétimo e oitavo capítulo o livro foca a Terceira, a Quarta Cruzada, as cruzadas bálticas, a Cruzada Albigense, a Cruzada das Crianças, a pregação e o curso da Quinta Cruzada, a Cruzada de Frederico II, A Cruzada dos Barões, a primeira e a segunda Cruzada de São Luís, Cruzadas na Prússia e na Livônia, as primeiras contra os mongóis, Cruzadas contra os hereges e Cruzadas na Ibéria. Já o nono e o décimo capítulo vão relatar como permaneceram os colonos latinos que ficaram sob o domínio das políticas muçulmanas nos territórios da região da Palestina. É importante ressaltar a descrição da conquista de Granada na Península Ibérica e a invasão da África setentrional.

Por fim, no décimo primeiro parágrafo Riley-Smith (2019) faz um breve comentário sobre a morte do movimento das cruzadas entre os anos de 1523-1892, como terminaram as ordens militares e os problemas modernos com o Islã dividindo em tópicos pontuais como: a Reforma, Ordens religiosas-militares, África setentrional, Os Hospitalários de São João e Malta, Paracruzadas e pseudocruzadas na era do Imperialismo e A contracruzada islâmica moderna.

No decorrer da obra, o autor colocou mapas das localidades importantes dos contextos descritos como a cidade de Jerusalém, corredores marítimos do Mediterrâneo, Grécia, Ásia Menor Ocidental, Palestina, Síria, Chipre, Egito, França e a Península Ibérica. Os mapas identificam as rotas seguidas pelos peregrinos e cavaleiros para conquistar Jerusalém. Também é anexado ao livro, fotos atuais dos cenários históricos, como a Igreja do Santo Sepulcro, Crac des Chevaliers, Mesquita Al-Aqsa, Castelos da Ordem dos Templários, instalações da Ordem dos Hospitalários e os campos arqueológicos que revelam que os assentamentos Latinos tinham plantações de cana de açúcar na costa da Palestina. Nota-se uma descrição detalhada de alguns personagens históricos como: Bernardo de Claraval, Saladino, Guy de Lusignan, Sibila de Jerusalém, Renaud de Châtillon, Balduíno IV o jovem rei leproso, Guilherme Arcebispo de Tiro, Jacques de Vitry, Hugo de Chaumont-Sur-Loire, João de Joinville, Felipe Daubeny, papa Urbano II etc.

Seu interesse principal sempre foi o que as pessoas pensavam, se o fervor espiritual incipiente dos cruzados leigos analfabetos ou as contorções teológicas e jurídicas elaboradas dos papas e seus conselheiros, ou versões popularizadas deste último, criadas pelos pregadores da cruzada, que despertaram com sucesso o primeiro. Sua fé católica devota, deu-lhe uma visão clara da mentalidade, mas não o fez, de forma alguma, um apologista.

Em suma, a obra do estimado autor, pode auxiliar os leitores iniciantes no assunto das Cruzadas, como também fazer contribuições para pesquisas avançadas de especialistas na temática. A linguagem empregada na narrativa é muito compreensível, facilitando o processo de interpretação das motivações que impulsionaram os conflitos. Possui notas explicativas, e na parte final conta com inúmeras indicações de bibliografias específicas dentro de cada contexto e evento abordado no livro.

Notas

1 Foi um teólogo, cronista e cardeal da França. Nasceu em Reims no ano de 1170 e faleceu em Roma, 1240.

2 É uma obra de direito canônico que compila a totalidade das normas canónicas existentes desde os séculos anteriores, muitas delas contraditórias entre si. O seu autor foi o monge e jurista Graciano, que a redigiu entre 1140 e 1142.

3 O Papa São Gregório VII, nascido Hildebrando, (nasceu em Sovana, Itália 1025 – falecimento em Salerno, 25 de maio de 1085) foi o 157º papa da Igreja Católica de 22 de abril de 1073.

Referências

MCBRIEN, Richard P.; LAMBERT, Barbara Theoto. Os papas: de São Pedro a João Paulo II. São Paulo: Editora Loyola, 2000.

RILEY-SMITH, Jonathan. As cruzadas: uma história. Tradução de Jonathas Castro. Campinas, SP: Ecclesiae, 2019


Resenhista

Andrei Roberto da Silva – Graduado em Teologia pela Católica de Santa Catarina – Joinville. Com especialização em Ciências da Religião pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras – FACEL e especialização em História da Igreja pela Católica de Santa Catarina – Joinville. Participante do LABEAM – Laboratório Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais vinculado a Universidade Regional de Blumenau – FURB. Mestrando na área de Educação, vinculada à linha de pesquisa de Educação, Cultura e Dinâmicas Sociais da Universidade Regional de Blumenau FURB. Atualmente é professor da disciplina de Ensino Religioso da Secretaria Municipal de Educação de Itajaí e professor do curso de pós-graduação latu sensu em História da Igreja da Católica de Santa Catarina em Joinville. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

RILEY-SMITH, Jonathan. As cruzadas: uma história. Trad. Jonathas Castro. Campinas, SP: Ecclesiae, 2019. Resenha de: SILVA, Andrei Roberto da. Guerra sacra, guerra penitencial e as disputas religiosas pelos espaços sagrados. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v. 18, n. 1, p. 560- 564, Jan./Jun. 2021. Acessar publicação original [DR]

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