As relações em eixo franco-alemãs e as relações em eixo argentino-brasileiras: génese dos processos de integração | Raquel Cristina de Caria Patrício

O livro ora apresentado é resultado da tese de doutoramento da autora apresentada ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília no ano de 2005, cujo reconhecimento a equivalência da tese pela Universidade Técnica de Lisboa já fora realizado. Obra de fôlego, trás em seu bojo a tarefa de reescrever o velho e apresentar um novo olhar, a partir da teoria das relações internacionais, sobre os processos de integração europeu e sul-americano.

O ponto de partida é o biênio 1870-1871, período que corresponde a um rearranjo de forças, tanto para as relações entre França e Alemanha, quanto para Argentina e Brasil. Por um lado, a unificação alemã após a guerra franco-prussiana marca o surgimento de um Estado centralizado e forte economicamente a fazer frente aos interesses hegemônicos da França, por outro, a Guerra do Paraguai consolida o fortalecimento político argentino – antes fragmentado – e a reestruturação da órbita de influências na Bacia do Prata. A partir deste contexto, busca-se reconstruir o longo caminho pelo qual estes países realizaram seus processos de aproximação e dessa forma, avaliar: primeiro a possibilidade de se equiparar o papel das relações bilaterais entre os casos de Argentina- Brasil e Alemanha-França em relação aos respectivos processos de integração; segundo, considerar em ambos os casos as relações bilaterais como relações em eixo; por fim, saber se é possível creditar aos dois eixos, a função de elemento determinante da gênese dos processos de integração.

No primeiro capítulo é apresentado um panorama sobre o movimento evolutivo da Teoria das Relações Internacionais com a apresentação dos principais paradigmas e especial atenção aos teóricos dedicados às analises sobre processos de integração. Não por acaso, a autora busca examinar o fôlego explicativo de tais teorias e preparar o campo para a apresentação do que considera um novo paradigma para a Teoria das Relações Internacionais – as relações em eixo. No entanto, como salienta Raquel Patrício, o termo eixo já foi utilizado para a compreensão das relações entre os países da América do Sul – Moniz Bandeira, Amado Cervo, Mario Rapoport, entre outros – e também para as relações entre os países europeus com uma lista ainda mais vasta de autores. Entretanto, seria possível dissolver tal parte no decorrer dos capítulos que tratam da reconstrução histórica das relações bilaterais da Europa e América do Sul, de modo a fornecer substrato empírico às formulações teóricas.

Em seguida, por meio da utilização do conceito de forças profundas, inicia-se a análise da construção do processo integracionista europeu. As condições demográficas, econômicas e a psicologia coletiva são levadas em consideração para explicar o surgimento do Reich alemão após o conflito franco- prussiano. Conflito este que trouxe para o centro das relações internacionais européias a rivalidade franco-alemã, sobretudo, a partir da vitória germânica e a anexação dos territórios da Alsácia e Lorena. Com os nacionalismos de ambos os atores exacerbados inaugura-se uma fase de construção de alianças com o objetivo de neutralizar a margem de manobra do outro hegemon.

Terminado os dois conflitos mundiais, a traumatizante experiência social contribuiu para que os países buscassem outras formas de relacionamento e enterrassem seus nacionalismos. A alternativa da guerra era banida na política externa dos Estados europeus da mesma forma que adotaram a conjugação de esforços para o enfrentamento dos problemas comuns. Com isso, a integração européia ganha movimento a partir de dois fatores relevantes: por um lado, o Plano Marshall que exige a criação da Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), por outro, a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), que tinha por objetivo envolver a Alemanha em projetos de unidade européia acerca dos recursos estratégicos para indústria bélica a fim de evitar nova militarização e expansionismo alemão. Dessa forma, as relações entre estes países tornaram-se o motor da integração européia.

Interessante a apresentação da expressão criada por Estevão Martins – os casais vinte – que ilustram as parcerias entre os homens de estado da França e Alemanha. O bom entendimento entre estes seria fator essencial para a coordenação política e conseqüente evolução ou estagnação no processo de integração. Dessa forma, o processo avança, ainda para Estevão Martins, por meio da prudência, paciência, perseverança, persistência e partidarismo, rumo a uma agregação territorial sem precedentes históricos e que desafia a noção Westphaliana de Estado-nação.

Na América do Sul, a conclusão da Guerra do Paraguai marca o início das rivalidades entre Argentina e Brasil pela hegemonia na Bacia do Prata. Passados os primeiros embates pelas questões de fronteira no território de Palmas (Misiones), a economia tornou-se o elemento pelo qual as relações em eixo foram estruturadas ao longo da história destes dois países. Além disso, a região foi palco para o exercício dos antagonismos de interesses entre Europa e Estados Unidos, situação esta que gerava reflexos diretos nas relações argentino-brasileiras.

Semelhante a experiência européia, os casais vinte da Argentina e Brasil também exerceram importante papel para o bom entendimento nas relações em eixo, embora, o movimento pendular de aproximação e distanciamento sobre a coordenação política sul-americana fosse mais intenso neste caso. As relações Perón-Vargas, evidenciam o caráter pendular das relações em eixo, pois, o viés nacionalista de ambos – fator de simpatia mútua – que proporcionou movimentos de aproximação, não foi suficiente quando as políticas externas de ambos os países, sobretudo, representadas na celebração do TIAR e na construção da OEA, começaram a divergir.

O casal Frondizi-Kubitschek estabeleceu um ambiente de grande entendimento, haja vista o apoio portenho a OPA e ALALC. Posteriormente, o advento dos regimes militares na Argentina e Brasil gerou novos constrangimentos às relações em eixo, evidenciado pela crise gerada entorno da construção de Itaipu, e a volta dos receios sobre políticas de hegemonia por parte de ambos os países.

Os problemas econômicos comuns derivados da década de 1980 tornaram-se um fator determinante para a consecução da cooperação e integração política que está na gênese do MERCOSUL. Alfonsín-Sarney deram os passos decisivos para a integração com a assinatura, em 1988, de atos bilaterais na esfera econômica e a assinatura do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, no qual comprometiam-se em suprimir gradualmente, num prazo de dez anos, as barreiras a livre circulação de bens. Este foi o primeiro passo a construção efetiva do MERCOSUL em março de 1991.

Após a reconstrução histórica dos processos de integração europeu e sul-americano, é possível retomar as indagações iniciais da autora e concluir. Em primeiro lugar, tanto as relações bilaterais entre Alemanha e França quanto as de Argentina e Brasil são semelhantes em relação aos seus respectivos processos de integração. Estas relações são confirmadas como relações em eixo, pois são potências regionais que interferem de modo decisivo na atuação de seus vizinhos. Por fim, as relações em eixo na Europa e na América do Sul são responsáveis, em grande medida, pela criação e desenvolvimento da União Européia e do Mercosul.

Assim, o livro de Raquel Patrício traz um novo olhar ao tema da integração e propõe a construção de um paradigma para a Teoria das Relações Internacionais. O esmero com que trata a reconstituição dos processos históricos da União Européia e do MERCOSUL faz de sua obra peça essencial para quem se aventura aos estudos das integrações regionais.


Resenhista

Danilo Vergani Machado – Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail:  [email protected]


Referências desta Resenha

PATRÍCIO, Raquel Cristina de Caria. As relações em eixo franco-alemãs e as relações em eixo argentino-brasileiras: génese dos processos de integração. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2007. Resenha de: MACHADO, Danilo Vergani. Meridiano 47, v.9, n.91, p.18-20, fev. 2008. Acessar publicação original [DR]

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