Celtas e Germanos – encontros e desencontros / Brathair / 2017

A construção da Europa foi o resultado de um complexo processo de entrechoques e intercâmbios, étnicos, culturais, religiosos e políticos, muitos deles conflituosos, outros de colaboração guerreira e intelectual, e de fusão étnica, outros de empréstimos e adoções. Esse conjunto, que começou a se fazer durante o Império Romano, e se estabilizou por volta do ano mil, quando grande parte dos escandinavos e eslavos aderiu ao cristianismo como religião, ao direito romano como base política e ao latim como língua franca. Nesse momento, formava-se a Cristandade, e criada a Europa, o “adolescente” da civilização ocidental. Dentre todos esses inúmeros embates de e pelo poder, além de permutas culturais, avultam as relações entre os povos germânicos e os celtas. De fato, quando os germanos começaram a se infiltrar no mundo greco-romano, já os celtas estavam em sua maioria romanizados (com exceção de alguns, como os irlandeses e escoceses, e os celtas balcânicos). Entre as muitas confluências e miscigenações podemos lembrar a dos suevos com os galegos, a dos francos com os gauleses, e a dos boios com os germanos, origem dos bávaros. Quando o Grupo de Estudos Celtas e Germânicos Brathair nasceu em 1999 a nossa intenção, ainda pouco explícita, mas em fase de definição, era aprofundar essas relações entre celtas e germanos. O presente número temático da revista obedece a esta intenção histórica de dezoito anos atrás, mas os colaboradores passaram além das pretensões dos editores. Três artigos tratam de questões medievais das Ilhas Britânicas: o de Isabela Albuquerque sobre a Era Viking, o de Maria Nazareth C.A. Lobato sobre as florestas reais, e o de João P. Charrone sobre a missão de Agostinho de Cantuária. Neles descreve-se e interpreta-se o encontro de três povos: anglo-saxões, bretões e escandinavos, e em todos eles descortinamos os procedimentos legais, religiosos e guerreiros pelos quais uns dominaram os outros. O artigo de Edmar C. de Freitas e Tomás A. Pessoa sobre a realeza merovíngia, e o de Ana Paula T. Magalhães sobre a ciência do século XIII permanecem no âmbito medieval, mas enquanto um discute a realeza germânica, o outro trata dos intelectuais franciscanos, dois tipos de poder, político e científico, que, para além de questões étnicas, demonstram a existência de uma cultura medieval de âmbito europeu. O artigo de Margarida G. Ventura sobre o Velho do Restelo, o de Andréia Cristina L. F. da Silva sobre o filme do Conclave, e o de Maria Izabel B.M. Oliveira sobre Bossuet prolongam a cultura medieval para além dos seus limites cronológicos. O filme O Conclave, refere-se a 1458, data da eleição do sucessor de Calixto III (Afonso Borgia), e coloca as questões do poder civil dentro da Igreja hierárquica; o episódio d´Os Lusíadas sobre o Velho do Restelo discute as várias interpretações sobre o sentido das viagens e comércio de Portugal com a Índia depois de 1498; e o de Oliveira mostra como Bossuet (1691) aborda a História Universal: uma Teologia da história, ao modo agostiniano, em que a Providência é o motor das ações coletivas, das monarquias e das nações. Nestes três últimos artigos já estamos plenamente numa Europa definida e construída, em que os povos formadores já se fundiram, e criaram novos problemas de conflitos de poder: a Europa projeta-se sobre o mundo, sua História confundindo-se com a História Universal, e a religião que aglutinou os povos formadores é motivo de discórdia, e necessita de discursos justificativos. Já não se distinguem mais celtas, germanos e eslavos… ou será que eles estão apenas recobertos por um véu ideológico, e vão reaparecer? Tais questões e possíveis respostas, suscitadas pelos artigos ora arrolados, ficam a cargo dos pesquisadores, a fim de que novas reflexões sobre celtas e germanos continuem a demonstrar a perenidade dos estudos acadêmicos da Brathair!

João Eduardo P. B. Lupi – Professor adjunto de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]

Álvaro A. Bragança Júnior – Professor Associado III da Universidade Federal do Rio de Janeiro do Setor de Alemão e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História, UFRJ. E-mail: [email protected]

Os Editores


LUPI, João Eduardo P. B.; BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro A. Editorial. Brathair, São Luís, v.17, n.2, 2017. Acessar publicação original [DR]

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