Cinema e história: políticas de representação | História – Questões & Debates | 2022

O dossiê “Cinema e História: políticas de representação” integra o volume 70 da revista História: Questões e Debates, reunindo artigos de renomados pesquisadores nacionais e internacionais, situados num campo interdisciplinar de estudos já consolidado e pautados pela abordagem da relação entre o cinema e a história em pesquisas que entrelaçam diversas metodologias e problemáticas.

Entre as várias possibilidades de pensar essa relação, o presente dossiê propõe considerar o cinema como um espaço de construção política e social por meio da reafirmação e reconfiguração de identidades e diversidades. Os filmes constantemente se relacionam, em suas mais variadas apresentações, com o fomento de narrativas sobre nação, região ou territórios; representações de gênero, de raça, de pertencimento, de geração ou comunidade. Nesse sentido, o cinema se torna objeto da História Cultural, Política e Social ao promover ou questionar imaginários, participar da memória coletiva e propagar discursos. Tal amplitude o torna também um lugar de narrativas confluentes ou dissonantes, um espaço de monumentalização e desmonumentalização da história, de engajamento e de resistência política.

Portanto, no intuito de dar visibilidade à pluralidade de métodos e canteiros de trabalho, os artigos aqui apresentados organizam-se em quatro blocos temáticos. O primeiro é centrado na representação do passado e na noção de filme-histórico, o segundo dedica-se às estratégias de representação no cinema documental, o terceiro privilegia o documentário político e sua potência de intervenção e, por fim, o quarto dedica-se à cultura cinematográfica.

O primeiro bloco inicia com o artigo de Marcos Napolitano (USP), que propõe uma revisão sobre o conceito de filme histórico tendo como foco o debate sobre os gêneros ficcionais e sobre a questão da “escrita fílmica da história”. Argumenta que os filmes históricos ficcionais consistem em “intervenções estético-ideológicas” e que formam um “saber histórico de base” de natureza audiovisual, interagindo com a matéria histórica de uma sociedade, bem como com o conhecimento historiográfico especializado. Em seguida, o artigo de Silvana Flores (UBA-Argentina) discute os mecanismos de representação que o cinema mexicano utilizou para representar a história antiga do país, assim como suas tradições culturais, numa trilogia ficcional sobre a “múmia asteca”. Já o texto de Janaina Martins Cordeiro (UFF) analisa o filme Os Inconfidentes (Joaquim Pedro de Andrade, 1972), discutindo as formas a partir das quais o cineasta retoma um evento histórico do XVIII para compreender o seu próprio tempo, e observando os diálogos entre o filme e a ditadura militar no contexto das comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil.

Abrindo o segundo bloco, o artigo assinado por Ignacio del ValleDávila (Unila), Claudio Salinas (UCH-Chile) e Hans Stange (UCH-Chile) baseia-se na análise de 32 documentários chilenos produzidos entre 1970 e 2020, para avaliar as principais estratégias formais no trabalho de elaboração de narrativas sobre o passado nacional, e a sua articulação com os regimes discursivos da história e da memória. Na sequência, o artigo de Agnès Pellerin, pesquisadora da Casa de Velázquez (Espanha), traz um estudo do filme Fantasmas do Império (2020), de Ariel de Bigault, atentando às construções do passado colonial Português, particularmente por meio da análise de sua dimensão musical. Para tanto, são articulados debates em torno das relações entre cinema, história, estudos pós-coloniais e análise fílmica voltada à banda sonora, com particular ênfase às músicas.

O terceiro bloco, que privilegia a potência de intervenção do documentário político, tem a pauta do cinema latino-americano recente como linha temática comum, com abordagens de fenômenos cinematográficos específicos em determinados países. Em seu artigo, Pablo Alvira (UdelaR-Uruguai) nos apresenta um estudo sobre o documentário A Rosca, realizado em 1971 pelo grupo America Nueva, no Uruguai. O filme integra o contexto amplo do Nuevo Cine Latinoamericano que, no caso do Uruguai, foi marcado pela profusão de grupos de cinema militante. Em sua análise, Alvira identifica os conteúdos discursivos do filme e as estratégias audiovisuais utilizadas pelo grupo para comunicar sua mensagem política às classes menos favorecidas. O artigo de Paola Margulis (UBA-CONICET) é o exame atento das contribuições de Jorge Denti para um olhar e uma escuta da mobilização social na dita transição democrática argentina. As contradições do processo histórico-social são correlacionadas com a prática do documentarismo político. Já Mariana Martins Villaça (Unifesp) elabora um cruzamento muito produtivo e original entre conhecidas iniciativas do sanitarismo cubano e o cinejornal Noticiero Icaic Latinoamericano. Interessa à renomada pesquisadora brasileira o estudo da difusão ideológica do modelo de médico de família, dos complexos hospitalares e dos avanços da medicina soviética em apoio à saúde pública local.

O quarto e último bloco, dedicado à cultura cinematográfica, organiza-se a partir da circulação de imagens, incluindo as revistas de cinema, e da ação dos cineclubes na constituição de públicos e de repertórios. O artigo de Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior (UFRN) discute a formação das referências de paisagem no cinema italiano na passagem dos anos 1930 aos 1940, destacando, nesse processo, o papel das fotografias publicadas na revista Cinema. O texto de Mariana Amieva (UNLP-Uruguai), por sua vez, trata do trajeto institucional do Departamento Cine Arte do SODRE, a partir de uma abordagem que une o debate historiográfico acerca da instituição, sua natureza, bem como suas ações relacionadas à formação de público durante a década de 1950. Sua pesquisa insere-se num debate de grande importância, acerca das origens das cinematecas latino-americanas.

Por fim, o dossiê conta também com a tradução inédita de um artigo do pesquisador mexicano Álvaro Vázquez Mantecón (UAM-Azcapotzalco-México), gentilmente cedido para esta publicação. Está alocado na seção de “traduções” da revista, e relaciona-se fortemente com o segundo e o terceiro blocos de artigos do dossiê. O texto, traduzido por Arthur Aroha Kaminski da Silva, trata do documentário Él es Dios, realizado em 1965 pelo Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH) do México, e aborda grupos de dança tradicionais, conhecidos como concheros. Segundo Mantecón, o filme em questão teve um caráter fundacional, ao romper com o modelo etnográfico anterior e estabelecer uma relação mais empática e respeitosa com as pessoas estudadas e representadas no filme, colocando-se “contra uma posição onisciente e colonial” e expressando visualmente conceitos históricos e antropológicos inovadores no contexto de sua realização.


Organizadores

Carolina Amaral de Aguiar – Universidade Estadual de Londrina.

Fábio Uchôa – Universidade Anhembi Morumbi.

Pedro Plaza Pinto – Universidade Federal do Paraná.

Rosane Kaminski – Universidade Federal do Paraná.


Referências desta apresentação

AGUIAR, Carolina Amaral de; UCHÔA, Fábio; PINTO, Pedro Plaza; KAMINSKI Rosane. Apresentação. História- Questões & Debates. Curitiba, v. 70, n. 1, p. 8-11, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

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