Diásporas / Projeto História / 2012

Deixando de lado temáticas sobre africanos enquanto escravos, pés e braços de senhores, novas perspectivas acenam para estudos em torno de circuitos Europa / África / Brasil, privilegiando mediações culturais da diáspora negra. Sugerem memórias e heranças, saberes e fazeres no Atlântico, como narrativas deslocadas da História Universal. Estudos tangidos pelas teorias da independência e descolonização (afrocentrismo, nativismo, negritude, pan-africanismo), hoje em superação, cedem espaço a reflexões permeadas por epistemologias da decolonialidade de saberes e poderes, pelo post-colonialismo e descentramentos identitários. As práticas sociais e culturais de escravos, ex-escravos, colonizados e ex-colonizados apontam para a demolição de discursos que glorificaram a expansão e a imagem de progresso e civilização euro-ocidental.

Do lado de lá do Atlântico Sul, as Áfricas e suas múltiplas historicidades nos legam uma usina de saber-fazeres e filosofias que se prolongam em litorais, matas, pantanais e florestas, fábricas e asfaltos brasileiros. Do lado de cá da margem, impossível pensar o Brasil sem esses prolongamentos. Impossível sim, pois, quando tratamos de artes, poesia, música, culinária, religião, mundo afetivo e sensível, a presença do negro africano em torno dessas questões se faz sentir de modo explícito e vigoroso.

Não seria exagero afirmar que as culturas brasileiras guardam forte pertença de valores negro-mestiços. Além das pesquisas sobre Colônia, Império e República, nosso cotidiano atual escancara, aos olhos dos vivos, seja no espaço público, quanto no privado, esse legado inegável – uma arqueologia na contra-corrente do instituído. Mas nada de pureza africana – muito pelo contrário-, o negro enlaçou-se de modo plástico por todos os poros da vida brasileira; suportou e ainda suporta racismos, segregações à moda tropical, mas resiste a extermínios físico e cultural pelas bordas, periferias, margens e subúrbios das metrópoles brasileiras. Permanece, de modo mágico-religioso, a recriar todo o mapa geo-histórico das culturas do Brasil.

Os textos desta Projeto História já revelam uma variada gama de expressões negro-diaspóricas no mundo do Atlântico, emergentes nas traduções, artigos, resenhas, entrevista e notícias de pesquisa. Daí, nossa homenagem a Esiaba Irobi, poeta e dramaturgo nigeriano que contribuiu nessa direção. Qual seja, investir na reinvenção de tradições africanas no Novo Mundo. Sua originalidade no modo de lidar com escritas performáticas refutam premissas do cartesianismo ocidental e o trabalho deste artista e pensador, recentemente falecido, rompe centros estabelecidos na produção do conhecimento, como com todas as fronteiras aprisionadas nas dualidades sistêmicas.

Amailton Magno Azevedo

Maria Antonieta Martinez Antonacci


AZEVEDO, Amailton Magno; ANTONACCI, Maria Antonieta Martinez. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v. 44, 2012. Acessar publicação original [DR]

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