Do Rio para o mundo: na rota do café (com escala no Real Gabinete) | Anais do Museu Histórico Nacional | 2020

No intuito de realizar um encontro de pesquisadores interessados na história do café no Segundo Reinado, o Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras (PPLB), vinculado ao Centro de Estudos do Real Gabinete Português de Leitura, promoveu nos dias 12 e 13 de setembro de 2019, o seminário Do Rio para o mundo: na rota do café (com escala no Real Gabinete).

O Real Gabinete Português de Leitura conserva importante acervo documental relativo às exposições nacionais e internacionais de café organizadas pelo Centro da Lavoura e Comércio (1881-1884), sediado no Rio de Janeiro. O centro era uma associação não-governamental, considerada o principal elo entre os cafeicultores brasileiros e os consumidores internacionais. Tal acervo pode ser explicado pelo fato de os comerciantes portugueses Eduardo Lemos e Joaquim Ramalho Ortigão terem sido membros fundadores do Centro da Lavoura e Comércio e, ao mesmo tempo, presidentes do Real Gabinete Português de Leitura. Ambos foram, também, responsáveis pela construção do atual prédio desta biblioteca, cujo teto traz em relevo ramos de café. Dentre as obras relativas à história do café no Brasil cabe destacar os Relatórios da primeira e segunda exposição de café (1881-1882), publicados pelo referido centro, bem como o Catálogo da Exposição de Amsterdã (1883), de autoria de Eduardo Lemos, e que serviu de modelo para Paranhos Júnior, futuro Barão do Rio Branco, quando da exposição de café, em São Petersburgo.

Importante apontar que no final do século XIX foi dado um grande impulso no campo do comércio internacional. Tratados e convenções bilaterais passaram a ser firmados além de serem padronizadas as regras de intercâmbio diplomático e econômico. O Centro da Lavoura e Comércio, a convite do governo imperial, apresentou propostas econômicas que foram aceitas e implementadas. Além disso, percebia-se como eram fundamentais as exposições internacionais e as bolsas de café. Sabe-se que os EUA eram o maior importador de café do Brasil, tendo sido criada, em 1882, a bolsa de café em Nova Iorque. Como pode-se observar no Catálogo da Exposição de Amsterdã, organizado por Eduardo Lemos, “Decidiu-se, em princípio, somente se ocupar dos cafés chamados ‘Rio’, e abriram-se as operações afixando dois boletins recebidos do Rio de Janeiro por cabo, indicando a situação no mercado da capital brasileira”.1

O período era de remodelação do sistema capitalista mundial entre 1873 a 1896, considerado uma reviravolta decisiva da economia mundial. Discutia-se, naquele momento no Brasil, a substituição da mão de obra escravizada, ao mesmo tempo em que os grandes produtores do Vale do Paraíba no Rio investiam em maquinário sofisticado para o beneficiamento do café. Vivia-se sobre o impacto das transformações produzidas pela segunda revolução industrial. Um mundo que passou a ser movido a vapor. Um mundo mais interconectado através de cabos submarinos, que possibilitaram a criação de uma bolsa de café em Nova York, só para negociar o café “Rio”.

A região do Vale do Paraíba fluminense foi suplantada pela produção paulista somente a partir de 1890. Era o café “Rio” que alavancava a economia brasileira no exterior. Sabe-se que cerca de 80% da produção mundial de café no século XIX deveu-se ao Brasil.

Pode-se observar que os trabalhos apresentados no seminário Do Rio para o Mundo: na rota do café (com escala no Real Gabinete) revelaram uma história do café encoberta e esquecida por grande parte da historiografia nos últimos setenta anos. Apesar da relevância das exposições de café para a compreensão da política comercial do país no final do império, não há estudos sobre essas mostras, nem seus autores. Percebe-se que a historiografia sobre o assunto, depois da obra clássica de Taunay (A História do Café no Brasil, 1939), silenciou-se. Salvo a historiografia diplomática que, preocupada com a memória de Rio Branco, focaliza a exposição de café do Brasil na Rússia,. Destaca-se na historiografia diplomática: a Biografia de Rio Branco (1945), de Álvaro Lins; o trabalho de S. Topick, publicado em Rio Branco: a América do Sul e a modernização do Brasil (2002), organizado por Carlos Henrique Cardim e João Almino; e a documentação da exposição de São Petersburgo do próprio Barão do Rio Branco, conservada no Arquivo Histórico do Itamaraty, divulgada nos Cadernos do CHDD (2012).

Breve comentário sobre os artigos derivados dos trabalhos apresentados no seminário Importante observar que os trabalhos de Humberto Fernandes Machado (UFF), “Rio de Janeiro: sede da Corte e dos primeiros cafezais”, e de João Marcos Mesquita (UFF), “Negócios oitocentistas: Manoel Pinto da Fonseca e o enriquecimento no Rio de Janeiro (1835-1850)”, abordam as primeiras décadas do império brasileiro, em que o café estava começando a se expandir no Vale do Paraíba fluminense, onde a mão de obra escravizada sofreu um aumento em sua demanda. Os demais trabalhos irão focalizar a última década do império, momento em que se discutia a crise mundial que impactava a economia cafeeira e a substituição da mão de obra escravizada. Foi o momento das exposições internacionais de café, organizadas pelo Centro da Lavoura e Comércio, que propiciaram a divulgação do produto mundo afora, vinculando definitivamente o nome do café ao país.

No artigo “Do Rio para o mundo: as exposições de café organizadas pelo Centro da Lavoura e Comércio na década de 1880” pode-se verificar que os documentos disponíveis relativos à história do café no Brasil Imperial, conservados no acervo do Real Gabinete, forneceram pistas que auxiliaram na compreensão do papel de comerciantes e financistas na condução da política imperial relacionada à economia cafeeira em um momento de grande reviravolta na economia mundial. Lemos e Ortigão fizeram parte de um grupo de empresários do café sediados no Rio, que tiveram um papel relevante na organização e realização das mostras nacionais e internacionais de café do Brasil, bem como na condução da política referente ao comércio exterior no final do império, que tinha como mola propulsora o café. Verificou-se também que o café “Rio” foi o mais valorizado internacionalmente até o final desse período. Além disso, pode-se observar que várias mulheres eram administradoras de fazendas, produzindo café de alta qualidade, participando das exposições nacionais e internacionais do Brasil. Sabe-se que o porto do Rio de Janeiro até o final do império era o de maior movimentação comercial do Brasil, por onde se escoava o grosso das exportações de café. Partia do Rio de Janeiro a rota das exposições internacionais de café (1881-1884) organizadas pelo Centro da Lavoura e Comércio.

Maria Pace Chiavari (UFRJ), no trabalho “Vistas das de fazendas de café encomendadas ao pintor Facchinetti para as exposições de propaganda do produto”, focaliza as pinturas das fazendas de café realizadas pelo artista ítalo brasileiro Nicolò Facchinetti (1824-1900), que respondiam ao propósito de resgatar a sofisticação no uso da linguagem adotada pelos organizadores das exposições nacionais e internacionais na promoção do seu produto. Segundo Maria Pace, a partir da forma de divulgação, é possível evidenciar o espírito empreendedor e a nova lógica que regula o sistema de tal produção agrícola, indícios do desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro no final do século XIX e de seu ingresso na modernidade.

Em “A fazenda do Lordello e a aristocracia cafeeira: a marquesa do Paraná”, Ana Pessoa (FCRB) comenta, por meio de cartas e depoimentos, a trajetória da austera Maria Henriqueta Carneiro Leão (1809-1887), a marquesa do Paraná, e sua atuação como administradora de uma grande propriedade de café, a fazenda do Lordello, em Sapucaia, Rio de Janeiro.

No artigo “Entre os mundos da fazenda e da Corte: trajetória da baronesa de Paraná”, Ana Lucia Vieira dos Santos (UFF) analisa o papel de Zeferina Carneiro Leão, baronesa de Paraná. Zeferina esteve ligada durante toda a sua vida ao mundo rural do cultivo de café, seja na fazenda Cortiço, onde nasceu, seja na fazenda Lordello, de propriedade dos marqueses de Paraná, herdada por seu marido. Por outro lado, teve participação ativa na vida da Corte, no Rio de Janeiro. A baronesa de Paraná atuou também em obras sociais, tendo sido uma das financiadoras dos cursos femininos implantados no Liceu de Artes e Ofícios. Atuou ainda na promoção de jovens artistas e de eventos de artes plásticas, participando, com aquarelas e trabalhos manuais, de exposições destinadas à difusão do café brasileiro.

Otto Reuter Lima (UFF), em “O Congresso Agrícola (1878) e a crise do capitalismo mundial (1873-1896)”, enfoca temas discutidos no Congresso Agrícola de 1878, como a substituição da mão de obra escravizada, o crédito agrícola, uma reforma tributária, a criação de um banco nacional para a agricultura e “o problema dos ingênuos”. Otto salienta que o congresso fez parte dos anseios de uma classe agrícola brasileira que enfrentava momentos de dificuldades ocasionados pelo processo de fim da escravidão e por uma crise do sistema capitalista global. Nas palavras de Otto Lima, o centro capitalista global, até então latino-americano, foi transferido, no final do século XIX, para o sudeste asiático devido a fluxos e refluxos globais, não só do capital, mas também de mão de obra.

Nota

1. LEMOS, Eduardo. Catálogo da Exposição de Amsterdã, 1883.


Organizador

Angela Telles – Doutora em História. Diretora da Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, integrante do polo de pesquisa sobre relações luso-brasileiras e professora auxiliar da Universidade Estácio de Sá nos cursos de História e Relações Internacionais. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

TELLES, Angela. Apresentação. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.53, p.7-11, 2020. Acessar publicação original [DR]

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