Economia internacional: teoria e experiência brasileira | Renato Bauman e Otaviano Canuto || Organizações internacionais: história e práticas | Mônica Hers e Andrea Ribeiro Hoffmann || Teoria das relações internacionais: correntes e debates | João

Não se faz necessário grande exercício analítico para perceber que a área de Relações Internacionais no Brasil sofreu um importante processo de evolução nos últimos quinze anos. De uma rápida leitura dos jornais diários, até um passeio em qualquer grande livraria dos centros comerciais das metrópoles brasileiras, percebe-se ao mesmo tempo o aumento da atenção da sociedade pelos temas atinentes da disciplina e o nível variado de relevância e qualidade de certas reflexões.

Esses dois fenômenos foram acompanhados de um acontecimento marcante no ensino de Relações Internacionais no país: a explosão dos cursos de graduação no país, notadamente na região sudeste e sul. Esse movimento, por seu turno, também significou na área do ensino uma pulverização e falta de consistência disciplinar no tratamento da literatura reverberada pelas dezenas de programas que foram criados e sustentados sem uma boa literatura de apoio.

Foi observando esse quadro, e com a preocupação de darsuporte ao trabalho de professores no exercício da docência na graduação, que várias instituições se esforçaram no confluente exercício de publicar bons “livros-textos”. Entre esses esforços, o maissistemático foi, sem dúvida, a publicação da coleção Relações Internacionais pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) entre os anos de 2001-2003. Usados nas mais diversas instituições de ensino de Relações Internacionais no Brasil, a coleção foi um sério e necessário exercício de preenchimento de uma grande lacuna na produção bibliográfica brasileira dedicada ao suporte ao ensino.

O esforço da editora Campus, agora Elsevier, se inscreve, portanto, dentro desse processo amplo que visa dar mais qualidade acadêmica no esforço de reflexão das Relações Internacionais em “manuais” que possam servir de base para disciplinas específicas da área. Para tanto, a editora apresenta nessas três publicações autores que construíram seus textos com base em sólidas experiências de ensino.

Cabe aqui, preliminarmente, algumas considerações de contrastes e similitudes entre as obras. Primeiro, e de especial relevância, somente os livros de Herz e Hoffmann e o de Nogueira e Messari se inscrevem no arcabouço epistemológico restrito do marco disciplinar das Relações Internacionais. Já o volume de Baumann, Canuto e Gonçalves está, em grande medida, informado pela reflexão metodológica e teórica da disciplina de economia. Segundo, com a exceção do volume de Nogueira e Messari, os livros trazem recursos interessantes para a dinâmica de ensino como palavras-chave, exercícios para fixação de leitura, tópicos de principais questões abordadas no capítulo, quadros explicativos e seleção de leitura para o aprofundamento posterior do estudo.

Um contraste que pode ser feito entre os trabalhos é a forma pela qual elestrazem a experiência brasileira para suas respectivas contribuições. O de Baumann, Canuto e Gonçalves, nesses termos, se refere com especial atenção aos marcos gerais da inserção da economia brasileira no mundo, enquanto no livro de Nogueira e Messari é explícita a menção de como, por se tratar de uma produção brasileira, o volume pode trazer uma abordagem plural, sem privilegiar nenhuma teoria específica ou perspectiva etnocêntrica, apresentando um texto bem adequado para estudantes brasileiros. Essa preocupação, contudo, não está presente no livro de Herz e Hoffmann, já que as autoras não se preocupam em passar em revista a inserção do Brasil nas Organizações Internacionais relacionadas no volume.

Nas considerações particulares sobre o livro de Herz e Hoffmann, observa-se que o livro já ocupa um espaço importante na literatura brasileira de relações internacionais. O que se tinha de mais próximo de um manual de Organizações Internacionais (OIs) até então era o livro de Ricardo Seitenfus, que resvalava em uma falha bastante comum em exercícios de síntese: o perfil excessivamente descritivo e institucional na análise das OIs. Faltava tanto maior profundidade analítica, como um aporte teórico próprio da disciplina para a compreensão sistemática dessa que é uma das mais dinâmicas e proeminentes áreas das Relações Internacionais. Dentro desse excelente empreendimento teórico que as autoras tiveram destacam-se algumas considerações relevantes. Primeiro, está a forma como elasinscrevem o fenômeno analítico das OIs dentro de um perfil relevante de mecanismos de estabilização do sistema internacional. Segundo, o percuciente entendimento das autoras que as ações das OIs não são necessariamente o reflexo da soma ou da barganha de posições de seus membros constituintes, já que elas podem adquirir “relativa autonomia em relação aos Estados-membro” e até “elaborar políticas e projetos próprios” (p. 23). Terceiro, o manual das autoras configura estudo bastante moderno na disciplina, dado a forma pela qual elas inscrevem o fenômeno da sociedade civil global e do regionalismo dentro dos marcos conceituais do estudo da governança global.

O livro Economia Internacional, por seu turno, traz um perfil bastante abrangente e atual. O volume é claramente um exercício que, ao mesmo tempo em que revisita teorias clássicas e modernas de comércio e investimento internacional, avança pelo terreno fértil da interdisciplinaridade ao abordar as negociações comerciais internacionais. Os autores, dessa forma, inovam ao trazer para a discussão de economia internacional uma análise institucional, política e histórica de certos processos no marco disciplinar da economia política e das Relações Internacionais. Mas falta, contudo, um entendimento mais sistemático de como processos políticos e fluxos econômicos se inter-relacionam. Os autores também vão ter a preocupação de revisar a profunda literatura das variadas teorias de economia internacional como, por exemplo, o modelo econômico IS-LM de Robert Mundell e Marcus Fleming. É relevante e digno de mérito o esforço dos autores em colocar de forma direta e explicativa o texto, fazendo com que ele possa ser entendido por leitores não especializados em economia. Isso, contudo, tem limites, muito mais derivado do próprio objeto da disciplina (que tem uma complexidade intrínseca) do que da iniciativa de simplificarem e explicarem certos modelos de forma mais didática.

Já o volume de Nogueira e Messari tem como proposta trazer uma visão diferente sobre a leitura dos debates de teoria das relações. Procurando oferecer um leque variado de abordagens teóricas para o leitor, sem demonstrar explicitamente uma dominância de uma vertente teórica sobre as demais, os autores apresentam cada uma de forma autônoma e sem referência às demais. Mesmo admitindo um pluralismo crescente na disciplina, cada vez mais aberta às divergências internas, há o reconhecimento que as teorias convencionais ainda têm grande prestígio nos periódicos e programas de pesquisa, notadamente nos Estados Unidos.

O grande mérito do livro está na forma pela qual os autores realizaram uma síntese bastante explicativa de um universo copiosamente complexo de dinâmicas explicativas das Relações Internacionais, não se limitando ao debate entre racionalistas e construtivistas ou o existente entre neoliberais e neorealistas que ainda aplana a disciplina. Ao ler o trabalho dos autores, contudo, ficam latentes duas questões. A primeira é a de como um esforço de realizarde uma leitura brasileira, voltada para os problemas do Sul, pode ser realizado quando não há uma internalização nos debates do mainstream acadêmico da disciplina de qualquer contribuição do Sul – afastando talvez a contribuição dependentista. A segunda questão relaciona-se ao objetivo dos autores de fazer uma leitura das teorias “de maneira autônoma e sem referência às demais” (p. 9), quando a própria construção teórica deriva de um debate entre teorias. Um exemplo claro é o importante trabalho de Alexander Wendt, Social Theory of International Politics, no qual ao avançar uma ontologia distinta das RelaçõesInternacionais o autor vai revisar e criticar cerradamente a teoria de Kenneth Waltz. Dessa forma, a visão estanque na apresentação das teorias, apesar de poder ter algum recurso didático, compromete a explanação. Os autores, contudo, não aparentam cometer esse equívoco, ao se afastarem de suas premissas em momentos cruciais em que a referência cruzada de teorias é demandada.

Por fim, cabe salientar que os três livros passaram por um trabalho editorial cuidadoso. Mas se esse trabalho sofisticado e apurado redundou em um trabalho primoroso, deve-se tomar nota aqui de um aspecto imperioso para a disseminação das obras: o custo elevado para que alunos de graduação possam adquirir as obras em um agregado de custos considerável que estes têm que arcar durante o curso de seus estudos. Resta aqui ter a expectativa de que obras de igual quilate continuem a ser apresentadas aos leitores brasileiros, com preços mais acessíveis às condições desses que são os destinatários principais dessas obras.

Nota

1 WENDT, Alexander. Social theory of international politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. WALTZ, K. Theory of International politics. Boston: Addison-Wesley. 1979.


Resenhista

Rogério de Souza Farias – Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

BAUMANN, Renato; CANUTO, Otaviano, et al. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004. HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Resenha de: FARIAS Rogério de Souza. Meridiano 47, v.7, n.66, p.16-18, jan. 2006. Acessar publicação original [DR]

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