Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos | IPHAN

Dividido em cinco partes, o livro Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos descortina, de maneira resumida e pontual, o desenvolvimento da ideia de educação voltada para o patrimônio no Brasil. Procura enfatizar, assim, as ações e concepções pedagógicas exercidas e adotadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ao longo de sua história.

Na primeira parte do livro, intitulada “Percurso histórico”, é apresentado um panorama sobre as atividades educativas. São discutidas, nesse capítulo, as políticas e formas da educação sobre as questões patrimoniais, compreendidas e conduzidas desde 1936 até 2013. Observa-se que já na criação do IPHAN, em 1937 – ainda que este se chamasse SPHAN – o órgão manifestava a relevância das ações educativas como forma tanto de proteção quanto preservação do patrimônio.

O redator do anteprojeto do SPHAN, o escritor e pesquisador paulista, Mário de Andrade, indicava a importância pedagógica como estratégia para assegurar a preservação do patrimônio brasileiro. A publicação do IPHAN indica que desde cedo a educação era, para o órgão, uma forma de garantir a sobrevivência dos bens culturais. Por outro lado, a descentralidade foi provavelmente, outras das preocupações que se delineavam já no princípio de sua criação. Mário de Andrade assinalava para a ação coletiva, levando em consideração os “esforços da sociedade civil e dos governos”.

No início da atuação do IPHAN, na chamada “fase heroica”, período que vai de 1937 até 1967, Rodrigo Melo Franco de Andrade, então diretor, apontava para a educação como ponto basilar da preservação do Patrimônio Cultural. A criação de museus e o incentivo a exposições e demais ações, como tombamentos, eram acompanhadas de divulgação jornalística, espécie de tática para que a sociedade tivesse ciência do que estava sendo classificado como bem cultural.

A divulgação na imprensa tinha ainda o papel de sensibilizar o público mais “amplo” acerca do valor e da importância do material resguardado pelo órgão. Creio que seja necessário fazer uma crítica acerca do que se entende por “amplo”, bem como ver os limites desse termo, tendo em vista que o processo educacional formal ainda não era expandido e consolidado por todo o país nos anos 1930 e mesmo na década seguinte.

Seja como for, ao que indica a publicação resenhada, a educação agiria não como suporte, mas como ação conjunta a ser realizada. Não bastava apenas salvaguardar os bens, era necessário ainda que o patrimônio possuísse sentido, isto é, tivesse pertencimento para a comunidade e que não fosse somente o “espólio” de outra época.

Porém, seria na década de 1970 que as questões sobre patrimônio ganhariam maior fôlego. Nesse período, questões foram sentidas e debatidas, tais como os significados da preservação; a ampliação do conceito de patrimônio e o combate para o fortalecimento dos “valores brasileiros”. É interessante notar como as demandas e ações tomadas sobre o patrimônio no contexto brasileiro dialogava com a conjuntura histórica do país.

Assim, cada ação tomada pelo IPHAN surgiu como demanda de um período específico. Rodrigo Melo Franco de Andrade, na década de 1940, fez uma espécie de comparativo da campanha “O petróleo é nosso” com o patrimônio cultural brasileiro. Segundo ele, se era possível tonar o petróleo um domínio brasileiro, o mesmo também poderia ser feito com os bens culturais do país.

Por sua vez, na década de 1970, sob a iniciativa de Aloísio Sérgio Barbosa de Magalhães, foi criado o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). Oriundo de debates pontuais e constituídos por funcionários do Governo Federal e do Distrito Federal, somados a alguns professores da Universidade de Brasília (UnB), o CNRC tinha como uma de suas preocupações as atualizações acerca do sentido da preservação e da ampliação de patrimônio. Devido ao processo de desenvolvimento econômico e a expansão dos meios de comunicação de massa ocorrido neste período, o CNRC tinha como função formular um sistema de coleta, processamento e divulgação de informações a fim de subsidiar o planejamento de ações.

Apesar de não ter como ação direta a educação, as referências e informações coletadas e oferecidas pelo CNRC possibilitaram a instauração de parâmetros renovadores no trato do patrimônio que favoreceram, inclusive, futuras “investidas” educacionais. A expansão do conceito de patrimônio, a valorização da diversidade regional e o protagonismo das comunidades detentoras e produtoras de bens culturais, provavelmente sejam algumas dessas inovações.

Nos cinco anos em que existiu, projetos-pilotos foram desenvolvidos ou “encampados” pelo CNRC, dentre eles o chamado “Projeto Interação”, que entendia que a cultura não era uniforme ou homogênea, mas diversa. Pode-se elencar algumas das preocupações desse projeto, tais como: apoio às condições educacionais; valorização das especificidades locais e associação entre o cotidiano do aluno e educação escolar.

O que chama atenção a partir dos pressupostos do “Projeto Interação” é a aproximação dos sujeitos e de seus pontos de vista, envolvendo-os na produção, na circulação e no consumo de bens culturais. Dessa maneira, essas ações visavam, provavelmente, dar o protagonismo aos indivíduos, não os reconhecendo somente como depositários e/ou detentores do “saber-fazer”, mas entendendo-os como protagonistas e condutores de sua própria cultura.

Realizado por meio de parcerias, o “Projeto Interação” pode ser visto como percursor dos atuais paradigmas de gestão pública, articulando o Estado e a sociedade civil. O fato é que a cultura começou a ser compreendida como “companheira” da educação e ganhou nova dimensão. A cultura local, agora valorizada, se territorializava também na escola.

Ainda na década de 1980, mais precisamente em 1983, foi introduzida a Educação Patrimonial, metodologia inspirada no modelo inglês heritage education. O “Guia Básico de Educação Patrimonial”, lançado em 1996 por Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina Grunberg e Adriana Queiroz Monteiro, tornou-se “o principal material de apoio para ações educativas realizadas pelo IPHAN” na década de 2000 (IPHAN, 2014, p. 13). Construída por meio de experiências diversas que as autoras tiveram tanto com técnicos das superintendências do IPHAN, quanto por professores e alunos de vários lugares do país, entre 1980 e 1990, essa obra importa pela descentralização e pela formulação de conteúdos que tiveram fundamentações tanto práticas quanto conceituais. Há de se louvar, ainda, a forma como a Educação Patrimonial deveria ser conduzida, sendo vista como “processo permanente e sistemático” (IPHAN, 2014, p. 13).

Passados os anos, o patrimônio ganhou novas demandas, como, por exemplo, a sistematização das ações educativas no tocante às políticas de preservação. Tendo isso em vista, nos anos 2000 o patrimônio e a educação patrimonial ganharam novas reflexões e ações. Dentre estes debates e atuações, destaca o texto, esteve a criação, em 2004, da Gerência de Educação Patrimonial e Projetos (GEDUC). Entendo que seja um marco para a Educação Patrimonial, tendo em vista que essa foi a primeira instância central do IPHAN voltada para o tema em questão.

Na segunda parte da obra resenhada, “Educação patrimonial: princípios e diretrizes conceituais”, percebe-se a preocupação sobre a forma como a educação patrimonial estava sendo conduzida nos últimos anos, no Brasil. Apesar da difusão e das variedades de ações e projetos com concepções distintas sobre o tema Educação Patrimonial, tais iniciativas nem sempre eram programadas. Enquanto algumas possuíam o caráter de continuação, outras eram eventos esporádicos.

Esse panorama apontado pelo IPHAN dá margem para que se reflita sobre as ações educativas voltadas para o patrimônio e também para a educação como um todo. O fato é que tal “crítica” deve ser levada em consideração quando se pensam os motivos da condução da Educação Patrimonial. Esta deve ser dirigida não para que acabe em si mesma, mas para que construa e forme tanto o indivíduo quanto a comunidade, para que esses sintam-se partícipes de sua cultura e compreendam o valor dela.

Por fim, na terceira e última discussão do livro, são debatidos os “macroprocessos institucionais”. São apresentadas e tratadas as políticas da Educação Patrimonial bem como a forma como o IPHAN as classifica. A estruturação foi disposta em três eixos: inserção do tema patrimônio cultural na educação formal; gestão compartilhada das ações educativas e da instituição de marcos programáticos no campo da Educação Patrimonial.

O primeiro eixo tem como pauta a inserção do tema patrimônio cultural na educação formal. O tema se mostra em duas frentes, sendo inserido tanto na esfera da educação básica quanto na superior. Na educação básica, a Educação Patrimonial entra como tema no Programa Mais Educação. Já no ensino superior, há o Programa da Extensão Universitária (ProExt), que dispõe de uma linha voltada para o patrimônio cultural.

Chama atenção que tanto na educação básica quanto na superior os estudantes participam de forma ativa das atividades. Os estudantes da educação básica ganhariam a tarefa de inventariar os bens culturais de suas comunidades. Por sua vez, a parceria realizada por meio do ProExt teria como função reconhecer, promover e proteger o patrimônio.

O segundo eixo, “Gestão compartilhada das ações educativas”, destaca o fomento à Rede Casas do Patrimônio como principal estratégia. Estas buscam reconhecer o protagonismo local das ações educativas. Busca-se, também, privilegiar as ações descentralizadas na política de Educação Patrimonial, sendo esta construída coletivamente, considerando as três instâncias: IPHAN, sociedade civil e poderes locais.

Por último, o terceiro eixo, “Instituições de marcos programáticos no campo da Educação Patrimonial”, propõe a necessidade de se (re)pensar as práticas educativas realizadas nos últimos anos. Novas questões, como a ampliação do conceito de patrimônio somado à diversidade de projetos de educação patrimonial, propiciaram novas práticas dentre elas a normatização, a consolidação das diretrizes da Política Nacional de Educação Patrimonial e o trabalho coletivo.

Dessa forma, se faz necessário que seja considerado não somente o bem cultural, mas as práticas. O Estado, a escola e toda comunidade devem participar dos debates, pois, além de ser uma forma de valorizar a diversidade cultural, essa medida serviria para o fortalecimento da identidade local. Os detentores e produtores dos bens culturais não podem ficar alheios aos projetos sobre o patrimônio em sua comunidade.

A Educação Patrimonial, enquanto mediadora, teria a função de propiciar formas de valorização e sentido das culturas. É imprescindível atentar para a forma como os grupos se veem e entendem sua própria cultura. Acontece que os bens culturais e cada comunidade produtora possuem particularidades tanto em sua feitura quanto em sua visão de mundo. Por isso, a particularidade é ponto preponderante na relação do Estado com o patrimônio e, mais ainda, a forma como a Educação Patrimonial deve ser direcionada, respeitando e observando as singularidades de cada lugar.

Assim, nessa interessante perspectiva apresentada pelo IPHAN, cada lugar é diferente, devido ao seu contexto singular, cabendo ao Estado propiciar espaços e meios para o debate coletivo e às comunidades o protagonismo de sua própria cultura e patrimônio.


Resenhista

Pedro Vagner Silva Oliveira – Mestrando em História na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).


Referências desta Resenha

IPHAN. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2014. Resenha de: OLIVEIRA, Pedro Vagner Silva. Cultura Histórica & patrimônio, v.3, n.2, p.213-218, 2016. Acessar publicação original [DR]

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