Eleições no Brasil: do Império aos dias atuais | Jairo Nicolau

A trajetória dos direitos no Brasil, desde a independência até a atualidade, tem sido abordada de diferentes maneiras por historiadores e cientistas políticos e sociais. No entanto, a maioria desses estudos dedica-se a analisar determinadas épocas históricas ou temas específicos, que se relacionam às mais variadas etapas concernentes ao desenvolvimento da cidadania na sociedade brasileira. De modo geral, no tocante ao Império, tem-se estudado a relação entre direito e escravidão, a atuação da imprensa, como espaço de crítica e manifestação da opinião pública, o acesso à justiça por parte dos imigrantes, as diferenças entre cidadania ativa e passiva, o antilusitanismo, os conflitos entre o Estado, grandes proprietários e indígenas, entre outros assuntos que tocam direta ou indiretamente na questão dos direitos individuais e coletivos. Já sobre a República, encontramos trabalhos que tratam do coronelismo, da abstenção e das fraudes eleitorais, da conquista dos direitos sociais, do trabalhismo, da cidadania regulada pelo Estado, da inserção da mulher no mercado de trabalho, da luta pela reforma agrária, da cidadania limitada dos governos militares, e mais recentemente, do movimento das chamadas minorias e dos excluídos da história. Após 1980, com a redemocratização, a luta pelos direitos dos cidadãos passou a ser um dos temas mais visitados pelos intelectuais brasileiros. São os homens do presente, cobrando contas dos homens do passado, visando construir um novo futuro.

Apesar da abundância de estudos sobre cidadania, são poucas as pesquisas e publicações que se propõem a analisar recortes temporais mais longos e temas mais abrangentes. A recém lançada obra do cientista político Jairo Nicolau, Eleições no Brasil: Do Império aos dias atuais, contrariando as tendências acadêmicas especializantes, que realizam investigações cada vez mais recortadas no tempo e espaço, vem contribuir, significativamente, para compreendermos um pouco melhor o caminho político-institucional percorrido para que o Brasil pudesse passar das eleições do pelouro para urnas eletrônicas, do voto aberto ao secreto, das eleições feitas à “bico de pena” à biometria.

A temporalidade histórica abarcada nesse livro se assemelha à analisada por José Murilo de Carvalho em Cidadania no Brasil: o longo caminho (2001). No entanto, enquanto Carvalho, dialogando com a classificação teórica feita por T. H. Marshall (1967), discute os avanços e retrocessos dos direitos civis, políticos e sociais no Brasil, de 1822 a década de 1990, Jairo Nicolau, de forma concisa, foca seu olhar na história do voto, tomando como fonte privilegiada as legislações que tratam dessa matéria. Além das leis, o autor se utiliza também das estatísticas eleitorais e das avaliações sobre as eleições feitas pelos atores dos respectivos períodos históricos abordados. A intenção de Nicolau, conforme disposto na introdução, é atualizar e ampliar as informações do seu livro anterior História do Voto no Brasil, publicado em 2002.

A obra é dividida em seis capítulos, que tratam das eleições utilizando recortes cronológicos tradicionalmente conhecidos: Brasil Império (1824-1889), a Primeira República (1889-1930), dos anos de 1930 ao Estado Novo (1930-1945), do fim do Estado Novo ao golpe militar (1945-1964), regime militar (1964-1985) e, por fim, a democracia atual (1985- 2012). Todos os capítulos possuem os seguintes temas: quadro geral das eleições, o direito de voto, o alistamento e o número de eleitores e o processo de votação e as fraudes. A estratégia de trabalhar os mesmos temas nos vários capítulos confere ao livro um caráter mais didático e ajuda o leitor a compreender e comparar as diferenças existentes nos processos eleitorais ocorridos ao longo da história do Brasil.

A narrativa começa realizando uma pequena e necessária explicação sobre as eleições na época colonial, quando ocorriam as chamadas eleições do pelouro, referência a bola de cera onde era colocada a lista contendo os nomes dos candidatos que iriam ocupar anualmente o cargo de governança no âmbito das câmaras municipais. As eleições na Colônia ocorriam a cada três anos. Não obstante as restrições para participação no processo eleitoral existentes neste período, a prática do voto gerou um aprendizado político e conferiu legitimidade e representatividade para as câmaras, as quais possuíam várias atribuições administrativas. É interessante lembrar que foi por meio das câmaras municipais que as elites locais brasileiras puderam manifestar sua adesão ao Príncipe Regente D. Pedro I, em 1822, para que se efetivasse a independência do País.

Após comentar sinteticamente o processo eleitoral da Colônia, Jairo Nicolau disserta sobre as legislações, estatísticas, avaliações e oscilações que envolveram a trajetória do voto no Brasil. Ao tratar do panorama geral das eleições, o autor apresenta as principais características de cada período histórico analisado, fazendo comparações com outros países, apresentando gráficos e quadros que sintetizam e ilustram o processo de votação.

No que se refere ao direito ao voto, Nicolau destaca que uma marca importante da votação no Império eram as eleições indiretas e a exigência de uma renda mínima para ser eleitor. Em 1881, a Lei Saraiva introduziu as eleições diretas. Já em 1882, uma nova lei acrescentou a exigência da alfabetização para os indivíduos que almejassem votar. A Constituição de 1891 manteve a eleição direta e a proibição dos analfabetos de votarem, mas, por outro lado, aboliu o censo econômico. Os analfabetos só tiveram direito ao voto a partir da Emenda Constitucional n. 25 de 1985, que colocou a idade como critério único para definir quem poderia ser considerado eleitor. Tanto as legislações do Império quanto a primeira Constituição republicana não fazem menção ao voto feminino, pois, como afirma Nicolau, “a política era pensada como uma atividade eminentemente masculina.” O direito de voto às mulheres só foi conferido pelo Código Eleitoral de 1932. Até 1965, porém, eram obrigadas a votar apenas as mulheres que exercessem algum ofício remunerado.

Além de mencionar quem eram os atores com o direito de votar, o autor levanta importantes informações sobre a questão do alistamento eleitoral, que sofreu inúmeras modificações ao longo do tempo. Pela Carta de 1824, o reconhecimento dos eleitores era feito pela mesa eleitoral no dia da votação. A partir de 1842, era realizado um cadastro prévio pelas Juntas locais. Com a Lei Saraiva de 1881, o alistamento eleitoral passou a ser solicitado individualmente. Nos primórdios da era republicana, os Estados tinham certa autonomia para fazerem suas próprias legislações e isso incluía às eleições. A lei mais significativa da primeira República foi a Rosa e Silva de 1904, que buscou unificar o alistamento eleitoral, obrigando todo brasileiro a requerer a sua inclusão como eleitor. O Código Eleitoral de 1932 e a lei Agamenon (1945) mantiveram o alistamento nas mãos do eleitor e ex-officio. O Código de 1950 extinguiu o alistamento ex-officio, exigindo que o eleitor fizesse seu registro no cartório eleitoral, conforme ocorre nos dias atuais.

Jairo Nicolau afirma que as estatísticas eleitorais sobre o Império e sobre as primeiras décadas da República são escassas. Um relatório governamental de 1875 aponta, contudo, que cerca de 13℅ da população livre votava. As leis de 1881 e 1882 mudaram a forma de alistamento e reduziu o número do eleitorado. Na primeira República, o número de eleitores girou em torno de 5℅. Durante o Estado Novo não houve eleições, mas, após 1946, um dado relevante destacado pelo autor, é que apesar das constantes mudanças políticas e institucionais o percentual de eleitores no Brasil foi crescendo, gradativamente, mesmo no período da ditadura militar. Em 1986, o TSE informatizou o cadastro de todos os eleitores em âmbito nacional. De acordo com dados da Justiça Eleitoral, em 1990, aproximadamente, 95℅ da população adulta votava no Brasil.

Outro tema destacado pelo autor são os sistemas eleitorais. No Brasil Império predominou as variações do sistema majoritário. Nas eleições de primeiro grau praticava-se a maioria simples. Já nas eleições de segundo grau ora optou-se pela maioria simples, ora pela maioria absoluta. O sistema de maioria simples, segundo Nicolau, era muito criticado pelas lideranças locais porque tendia a beneficiar as elites dominantes no âmbito provincial. O foco dos debates sobre sistema eleitoral residia na preocupação com a representação dos grupos minoritários. Ao longo da primeira República, geralmente, vigoraram versões diferentes do sistema majoritário, tendo-se o cuidado de incluir alguns procedimentos que garantissem a participação política da minoria. Com essa preocupação, a Lei Rosa e Silva criou o voto limitado e o voto cumulativo. O Código de 1932 implantou um sistema misto, que combinava aspectos proporcional e majoritário. O Código de 1935 e a Lei Agamenon adotaram o sistema proporcional. Com o golpe militar, foram realizadas eleições indiretas para o executivo e diretas para o legislativo. Contudo, o Código de 1965 manteve o sistema proporcional, que continua em vigor.

Ao descrever as variações dos sistemas eleitorais implantados no Brasil, um dado que chama a atenção do leitor é a forma como o autor explica, com detalhes, o cálculo eleitoral que era feito para a escolha dos representantes. Essa preocupação em exemplificar o enunciado é louvável e evidencia a intenção de Jairo Nicolau em se comunicar não somente com um público de especialistas, dotados de um repertório de leituras anteriores que os possibilitam compreender o interdiscurso que permeia alguns conceitos e expressões relacionadas ao processo eleitoral. De modo que aqueles que pouco ou nada sabem sobre sistema eleitoral têm nessa obra uma boa oportunidade de aprender.

Jairo Nicolau explicita que, em 190 anos de história, o processou de votação brasileiro sofreu transformações paulatinamente. A princípio, o voto era manifestado publicamente. Pelas disposições da Carta de 1824, os votantes deveriam trazer de sua residência uma lista pronta e assinada por ele contendo os nomes e a profissão dos candidatos escolhidos. Não havia inscrição prévia, nem necessidade de partido. A menção ao sigilo só passou a ser feita após 1840. A partir de 1842, com o alistamento prévio, já havia uma listagem de eleitores e as cédulas não precisavam ser assinadas. Em 1876, a legislação recomendava que as cédulas depositadas nas urnas fossem fechadas por todos os lados. Com a Lei Saraiva, apareceram as divisórias entre a mesa eleitoral e o local onde ficavam os eleitores. A cédula era colocada em envelope fechado na urna e o eleitor tinha que assinar uma lista de presença.

Não obstante as precauções das autoridades públicas, considera-se que, durante o Império e na Primeira República, as fraudes eram freqüentes. Fazia-se o uso de capangas, eleitores fantasmas (fósforos) e forjavam-se atas eleitorais (eleições a bico de pena). Com as determinações da Lei de 1904, além de votar o indivíduo deveria escrever na parte exterior do invólucro o cargo para o qual estava votando. O Código de 1932 instituiu a foto no título, criou um espaço privativo para votar, fundou a Justiça Eleitoral e decretou que as apurações deviam ser feitas pelos Tribunais Regionais Eleitorais. As disposições do Código de 1932 permitiam que os candidatos e partidos disponibilizassem cédulas aos eleitores. Procedimento esse que foi proibido pela Lei Agamenon e pelo Código de 1950. Segundo o autor, desde meados da década de 1940, as eleições se tornaram cada vez mais limpas. A criação da cédula oficial de votação, adotada desde 1955, contribuiu para reduzir as fraudes. Com a lei Agamenon os candidatos deveriam ser registrados pelos partidos ou alianças de partidos.

No período militar houve pequenas modificações no processo de votação, uma das novidades foi o bipartidarismo, a instituição do senador “biônico” e a criação da sublegenda, que permitia que um mesmo partido apresentasse mais de um nome para concorrer a determinado cargo. O pluripartidarismo retornou no início de 1980. Em 1986, um novo título, sem fotografia, foi adotado. Até início dos anos de 1990, a apuração das eleições podia durar vários dias e a ameaça de fraudes, embora mínima, ainda persistia. A partir de 1996, o TSE adotou a urna eletrônica. O Brasil é pioneiro em fazer uso de um processo de votação eletrônico. Atualmente, esse processo está sendo aperfeiçoado com a implantação da biometria, a qual, no entendimento de Nicolau, eliminará mais uma possibilidade de fraude nas eleições, pois um indivíduo não poderá mais driblar a mesa eleitoral e votar no lugar de outro.

A obra escrita por Nicolau é bastante descritiva, no sentido de não se ater às questões historiográficas, teóricas ou ideológicas. O foco do texto é analisar os dados contidos nas fontes selecionadas, comparar e apontar as diferenças nas eleições ocorridas desde a independência até os dias atuais. Contudo, o autor, com base nos dados coletados, faz algumas problematizações e traz explicações que são bastante pertinentes, um exemplo disso são as inferências feitas sobre o percentual do eleitorado em diferentes momentos históricos. Enfim, são vários os méritos desse livro. Particularmente, quero destacar a clareza e a objetividade da narrativa, que torna a obra de Jairo Nicolau de fácil leitura, seja para especialistas, professores da educação básica, estudantes, políticos profissionais e também pessoas comuns, portadoras ou não de curso superior, interessadas em conhecer melhor a história das eleições no Brasil.

Martha Victor Vieira – Doutora em História Social e Professora do Colegiado de História da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína.


NICOLAU, Jairo. Eleições no Brasil: do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. Resenha de: VIEIRA, Martha Victor. A trajetória do voto no Brasil: das eleições “a bico de pena” à biometria. Escritas. Palmas, v.5, n.2, p. 204-209, 2013. Acessar publicação original [DR]

 

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