Estranhos à nossa porta | Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman foi um filósofo e sociólogo polonês radicado no Reino Unido, tendo falecido em janeiro de 2017. Tornou-se um intelectual de ampla presença dentro e fora do meio acadêmico – fama esta que só veio surgir com o avançar da idade, devido a suas intervenções públicas e publicações de vários títulos de divulgação do seu pensamento, muitas delas com uma linguagem distante do hermetismo tão característico de alguns ciclos das humanidades, e distante até da escrita dos seus primeiros livros.

Os temas por ele abordados e os conceitos desenvolvidos tornaram-se referência para professores, estudantes, pesquisadores e analistas. O estudo da modernidade e suas características contemporâneas, marcadas pelo conceito de liquidez, pela finidade das certezas e por um mundo em movimento tão veloz que anularia qualquer alicerce de estabilidade são alguns dos exemplos mais reconhecidos e aplicados (BAUMAN, 2001; 2007).

Na obra aqui abordada temos um encontro desses constructos teóricos, feitos com esses livros predecessores, com a análise de um fenômeno atual que, apesar de não ser novo, se mostra no palco dos dramas contemporâneos: as ondas migratórias; com enfoque no cenário mais familiar ao autor, que é o do continente Europeu.

Pelo próprio enfoque no continente Europeu (onde Bauman nasceu e faleceu), o livro também é uma continuidade por também abordar temas que foram antes abordados em outros trabalhos de Bauman, como “A sociedade individualizada” (2008) e “Em busca da política” (2000).

No primeiro e no segundo capítulos do livro, “O pânico migratório e seus (ab)usos” e “Flutuando pela insegurança em busca de uma âncora”, Bauman dedica-se a apresentar o papel da mídia e das potências ocidentais com relação a essa complexa questão. Lembrando que a migração não é um fenômeno recente, mas sim milenar, o autor procura demonstrar como os veículos de comunicação tentam conectar os imigrantes a uma narrativa particular, que seriam reflexo de Estados fracassados por motivos internos e que, portanto, ameaçam a estabilidade das sociedades desenvolvidas.

Essa narrativa, que segundo o autor seria cínica, exclui o papel crucial das intervenções ocidentais em regiões como Oriente Médio e norte da África, responsáveis por agravar as tensões políticas ao passo que prometem contemplar a paz por meio da presença armada. Outra questão é a paradoxal condenação da presença de imigrantes por um lado, ao passo que por outro esses são bem vindos por se tratarem de mão de obra barata; principalmente para ocuparem empregos e cargos recusados pelos nativos por ofertarem baixos salários e condições precárias.

Nos capítulos seguintes da obra, Bauman trabalha os efeitos que são possíveis de serem explorados nesses cenários de crise migratória; seja nos países que recebem os imigrantes, seja nos países de onde os imigrantes saem. Uma das consequências mais visíveis é a proliferação de políticos ufanistas e chauvinistas, que apelam para os discursos nacionalistas, xenófobos e antidemocráticos. Em suma, um terreno fértil para que o florescimento de tiranos.

Esse mundo em crise seria o combustível perfeito para que as soluções fáceis apareçam na boca de políticos extremistas, e que despertam bastante atração na população ávida por solucionar os temores de que tanto sofrem: se vão perder os empregos; se os imigrantes irão destruir sua cultura, seus costumes, suas crenças; se acabará o Estado de bem-estar social para atender uma demanda incomensurável de novos cidadãos.

Políticos como Donald Trump (presidente eleito nos Estados Unidos da América) e Marine Le Pen (candidata não eleita para a presidência na França) são a materialização dessa política extremista que se utiliza do nacionalismo, da mobilização do ódio e do moralismo para conquistar as mentes desesperadas que buscam, a todo custo, alicerces onde depositar sua confiança. Não é por menos que, para o autor, temos uma ascensão mundial de uma onda conservadora focada na defesa das tradições das comunidades. Os sujeitos procuram figuras com autoridade para poderem crer que ainda é possível conceber o mundo como eles estão habituados.

Próximo do fim, Bauman arrisca dizer que não há nenhuma proposta real para se lidar com o problema dos refugiados, visto que a classe política só procura se reeleger e as elites econômicas se beneficiam de um exército de reserva – exército esse que acaba aceitando qualquer tipo de serviço em troca de um salário irrisório para garantir a própria sobrevivência, não entrando na alçada do Estado bem-estar social europeu.

Contudo, mesmo fazendo um diagnóstico crítico e bem estruturado, Bauman finaliza demonstrando que também não possui alternativas concretas para tamanha crise social. Suas fórmulas são concepções genéricas sobre o dever humano de acolher os demais, indiferente de onde venham, mas que não encontram nenhuma operacionalidade além de frases bem articuladas. Uma obra pertinente para se conhecer as contradições provenientes dos dilemas das migrações, chamando a atenção para as origens de tal fenômeno e, consequentemente, para os problemas graves que elas acarretam, mas não para postular possíveis caminhos para superá-los de forma eficiente e prática.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.


Resenhista

Rodrigo José Fernandes de Barros – Mestrando em Ciências Sociais Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. São Paulo: Editora Zahar, 2017. Resenha de: BARROS, Rodrigo José Fernandes de. Temporalidades. Belo Horizonte, v.10, n.3, p.310-312, set./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]

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