Estudos de gênero e sexualidade | Signum – Revista da ABREM | 2019

O Dossiê Estudos de Gênero e Sexualidade da Signum – Revista da ABREM, que passamos a apresentar, vem à luz em um momento crítico da história mundial, por conta da pandemia de covid-19 e da história brasileira, devido às ameaças que a democracia vem sofrendo constantemente, pelo menos desde 2018. Tornou-se comum ouvirmos alusões à Idade Média como período nefasto no qual os costumes impunham às mulheres lugar secundário em todos os âmbitos da vida coletiva, comparando-se esses costumes aos que o grupo agora no poder pretende impor. É à essa concepção de Idade Média que se referem também aqueles que comparam o momento político atual ao que consideram como trevas políticas do autoritarismo e do governo de poucos, arbitrário e cruel.

De acordo com pesquisa realizada pela Dados – Revista de Ciências Sociais editada pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 1 a submissão de artigos científicos por mulheres caiu bruscamente no primeiro trimestre de 2020. Entre 2016 e 2019, a média de artigos escritos por mulheres era de 40%. Até maio, esse percentual caiu para 28%. A explicação para isso está, sobretudo para esse momento de isolamento social, na divisão desigual do trabalho doméstico. Por isso entendemos que esse dossiê é publicado em momento dramático e triste, porém oportuno para refletirmos sobre questões de gênero hoje, ponto do qual partimos para buscar compreender as sociedades medievais.

As categorias analíticas gênero e sexualidade, embora articuláveis e, em alguns entendimentos, complementares, buscam perscrutar esferas diferentes da vida social. Enquanto gênero se presta a visibilizar, explicar e entender as diferenças atribuídas aos corpos sexuados, o conceito de sexualidade tenta abranger práticas e ideias que envolvam a busca pelo prazer sexual. Ambos os conceitos partem do pressuposto de que estão em jogo relações de poder que incidem sobre os corpos biológicos, mas que não são por eles determinados. Ambos os conceitos têm, também, uma larga história intelectual, sendo objetos de reflexões em várias áreas das ciências humanas e sociais.

Para os estudos sobre o Medievo, não são raros os pesquisadores que se dedicam a tomar esses conceitos como guias para o entendimento do passado. Neste dossiê temos cinco amostras disso. O texto Estudos de gênero, História e a Idade Média: relações e possibilidades, de minha autoria, que abre esse número da Signum dedica-se a propor uma definição inicial de gênero, a scottiana, e refletir sobre as críticas colocadas a esta e as formas como, em duas pesquisas recentes, a categoria é pensada.

O artigo Feminilidades desviantes na Lírica Galego-Portuguesa: acerca de três cantigas sobre soldadeiras, do Professor Doutor Henrique Samyn (UERJ), tem como fito questionar, a partir de três cantigas de escárnio e maldizer, o papel das soldadeiras. Estas personagens, que tomavam parte do espetáculo trovadoresco tocando instrumentos e dançando, podem ser lidas, de acordo com o autor, como representações de anti-modelos do feminino.

Partindo da investigação acerca dos processos de deslegitimações de governantes mulheres, bem como da proporção desigual entre homens e mulheres em cargos políticos ainda em tempos atuais, a Professora Doutora Mariana Trevisan baseia seu artigo, intitulado Deslegitimações de rainhas regentes em Portugal e Castela (Séculos XIV e XV): mulheres, gênero e poder no tempo. Em sua pesquisa, a autora analisa três regências femininas: a de Leonor Teles (1350-1386), e de Leonor de Aragão (1402- 1445), em Portugal; e a de Catalina de Lancaster (1373-1418), em Castela, a fim de compreender por que e como regências femininas legítimas foram rechaçadas pela formação de uma opinião pública detratora ou por uma conjuntura que isolou a governante.

O Professor Doutor Pedro Carlos Louzada Fonseca, autor de O julgamento de Walter Brut: da apologia herética das mulheres à normatividade misógina da Igreja, advoga que o julgamento de lolardo, ocorrido em 1391, coloca em relação questões como heresia, apologia e misoginia. Entende que, em grande medida, a condenação como herético se deveu à, em seu Tratado, este defender direitos públicos e religiosos das mulheres.

A nudez nos relatos de viagens ao Extremo Oriente e África (1298-1510) é a contribuição do Professor Doutor Fernando Ponzi Ferrari (PPGH-UFRGS). Partindo da noção de sexualidade, o autor toma como fontes de análise relatos de viagem ao Extremo Oriente produzidos por europeus entre os séculos XIII e XVI. Interessado em estudar a percepção da nudez pelos cristãos, o autor defende que esta era frequentemente isenta das prescrições do catolicismo ocidental.

Boa leitura!

Nota

1 CANDIDO, Marcia Rangel; CAMPOS, Luiz Augusto. Pandemia reduz submissões de artigos acadêmicos assinados por mulheres, Blog DADOS, 2020 [published 14 May 2020]. Available from: http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-reduz-submissoes-de-mulheres/ .


Organizadora

Carolina Coelho Fortes – Universidade Federal Fluminense.


Referências desta apresentação

Apresentação. Signum- Revista da ABREM, v. 20, n. 1, p.4-6, 2019. Acessar publicação original [DR]

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