Free Trade Under Fire | Douglas Irwin

Embora o crescente comércio internacional tenha ajudado a reduzir a pobreza internacional, facilitado a disseminação global de tecnologias e, discutivelmente, promovido estabilidade e paz no sistema internacional, o livre-comércio é alvo de constates críticas e ataques. Críticos argumentam que o comércio causa danos ao meio ambiente, solapa os direitos dos trabalhadores, promove apenas os interesses das grandes corporações e enfraquece a soberania das nações. São justamente esses mitos e controvérsias acerca do livre-comércio que Douglas Irwin, professor de Economia da Universidade de Dartmouth, procura abordar na obra Free Trade Under Fire. A terceira edição, lançada em 2009, foi atualizada de forma a incluir temas como a ascensão comercial da China, a migração de empregos para a Índia, a crise internacional e a eleição de Barack Obama.

O primeiro tema tratado é a posição norte-americana na economia global contemporânea. O autor observa que, atualmente, o comércio internacional desfruta de uma relevância sem precedentes para a economia dos Estados Unidos. Irwin também avalia que a maior parte das importações norte-americanas é composta por bens intermediários, que serão utilizados na produção de outros artigos. Nesse sentido, políticas protecionistas afetam diretamente a capacidade do país de produzir bens finais de alto valor agregado. Um dos primeiros mitos abordados pelo autor é a idéia de que a competição internacional prejudica os trabalhadores norte-americanos. Segundo Irwin, apenas 12% dos operários norte-americanos estão expostos à competição internacional. Ademais, Irwin chama atenção para o fato de que 85% do que os norte-americanos consomem é produzido domesticamente. Nesse sentido, a competição internacional ainda tem pouco impacto sobre a indústria do país.

Irwin observa que a maior parte das importações norte-americanas está relacionada ao fenômeno conhecido como especialização vertical, que diz respeito ao fato de que os componentes de um bem de alto valor agregado são produzidos em diversos países. Assim, 50% do valor das exportações chinesas para os Estados Unidos são, na verdade, produzidos em outros países. A especialização vertical é notadamente relevante no comércio entre Estados Unidos e México, uma vez que a maior parte dos produtos exportados pelo México é apenas montada no país, por empresas conhecidas como maquiladoras.

No segundo capítulo, Irwin revisa as teorias econômicas que enfatizam os benefícios do livre-comércio. Ao avaliar as contribuições teóricas de Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill, o autor conclui que o comércio internacional proporciona três tipos de benefícios. Em primeiro lugar, o comércio internacional gera ganhos estáticos, proporcionados pela especialização. Em outros termos, o livre-comércio gera uma alocação eficiente dos recursos internacionais. Assim, os consumidores podem comprar bens mais baratos e os trabalhadores podem aumentar sua eficiência e ser melhor remunerados. Em segundo lugar, o comércio gera ganhos dinâmicos, ao aumentar os mercados, a competitividade e a disseminação de tecnologia. Por fim, o comércio pode gerar ganhos intangíveis. Irwin elenca diversas pesquisas realizadas por cientistas políticos que demonstram haver uma clara relação entre livre-comércio, democracia e paz.

Irwin também desmistifica o argumento antiglobalização que afirma que o comércio internacional prejudica o meio ambiente. Não existe relação direta entre comércio e poluição ambiental, de forma que utilizar a política comercial para proteger o meio ambiente é irracional, uma vez que ataca o problema de forma indireta. Mais eficiente seria aperfeiçoar as políticas domésticas voltadas para a proteção ambiental. Irwin também cita casos nos quais a proteção comercial prejudica o meio ambiente. Um exemplo é a indústria de biocombustíveis norte-americana. O etanol norte-americano, cuja matéria-prima é o milho altamente subsidiado, tem apenas um oitavo da eficiência energética do etanol brasileiro. Irwin recomenda que as barreiras norte-americanas ao etanol brasileiro sejam retiradas, de forma que o combustível menos poluente seja usado intensivamente nos Estados Unidos.

No terceiro capítulo, o autor avalia a dinâmica do protecionismo, que redistribui renda dos consumidores para os produtores e distorce os incentivos econômicos, ao estimular a alocação ineficiente de recursos. Segundo o autor, é impossível reduzir as importações sem prejudicar as exportações, uma vez que a Simetria de Lerner demonstra que as duas atividades estão diretamente relacionadas. O protecionismo também prejudica as indústrias exportadoras que utilizam insumos importados e causa tensão entre parceiros econômicos. O protecionismo persiste porque seus benefícios são concentrados, enquanto seus custos são difuso. Assim, os grupos de interesse protecionistas têm uma influência política desproporcional ao seu tamanho , uma vez que têm incentivos maiores para influenciar a política comercial.

Posteriormente, Irwin avalia o impacto do comércio internacional sobre o desemprego, a distribuição de renda e os salários. A maior parte dos economistas acredita que o comércio internacional não afeta o número de empregos de uma economia. Da mesma forma que o comércio pode destruir empregos em indústrias que concorrem com as importações, ele também gera empregos em indústrias exportadoras ou que utilizam insumos importados. De maneira geral, o desemprego está quase que exclusivamente relacionado com o ciclo de negócios de uma economia, não com o comércio. Segundo Irwin, a migração de empregos para o exterior – notadamente serviços para a Índia – correspondeu a apenas 3% do desemprego dos Estados Unidos nos últimos anos. O desemprego causado pelo comércio recebe tanta atenção unicamente devido à sensibilidade política do tema. Utilizar medidas protecionistas e subsídios para conservar empregos é economicamente irracional. Segundo Irwin, o custo anual aos contribuintes norte-americanos de cada trabalhador do setor têxtil -altamente protegido por tarifas e subsidiado – é de US$ 140.000. Já os trabalhadores do setor açucareiro – provavelmente o mais bem-relacionado politicamente nos Estados Unidos – custam US$ 600.000 anualmente ao governo.

No quinto capítulo, a defesa comercial é analisada de forma bastante crítica. O autor observa que a noção de comercio justo e, especialmente, a definição internacional de dumping não têm sustentação econômica. A legislação norte-americana define dumping como a exportação de produtos para os Estados Unidos a um preço inferior ao preço do produto no mercado de origem. Segundo Irwin, o dumping é uma prática perfeitamente legítima, que os exportadores utilizam para se adaptar aos diferentes níveis internacionais de elasticidade de demanda. As medidas antidumping, tarifas que visam combater a prática de dumping, só teriam justificativa econômica nas situações em que o dumping fosse instrumento de concentração de poder de mercado. No entanto, estudos indicam que o dumping predatório era simplesmente impossível em 86% dos casos em que medidas antidumping foram aplicadas pelos Estado Unidos. Irwin afirma que as medidas antidumping são especialmente prejudiciais aos países em desenvolvimento e que, atualmente, são pouco mais do que uma nova forma de protecionismo.

A inserção dos países em desenvolvimento na economia global é o tema do sexto capítulo. Inicialmente, o autor observa que a política comercial não é o único, ou mesmo o mais importante, instrumento para a promoção do desenvolvimento. O sucesso econômico dos países em desenvolvimento depende mais de fatores como boas políticas educacionais, estabilidade política, inflação controlada, propriedade privada garantida e regulação econômica moderada e eficiente. Não obstante, pesquisas demonstram que economias mais abertas tendem a ser mais bem-sucedidas. Os exemplos óbvios, segundo o autor, são China e Índia, que iniciaram um ciclo sustentável de crescimento econômico ao abandonar a autarquia. No entanto, abertura comercial não equivale a desenvolvimento econômico. O autor cita os casos do México e da Argentina, que empreenderam políticas comerciais liberais, mas, mesmo assim, fracassaram economicamente. Em síntese, o autor entende que a economia internacional pode fornecer importantes oportunidades ao países em desenvolvimento. Nesse sentido, Irwin critica as barreiras econômicas que os países desenvolvidos erguem contra os produtos dos países em desenvolvimento. O autor é especialmente enfático ao reprovar a política agrícola comum da União Européia e a proteção norte-americana das indústrias do algodão, de têxteis e do aço.

O último tema abordado por Irwin é o sistema multilateral de comércio. O autor avalia que a Organização Mundial do Comércio (OMC) se tornou o alvo preferido dos ativistas anti-globalização, que argumentam que a OMC desrespeita o meio ambiente, a soberania e os direitos humanos. No entanto, o autor afirma que a OMC é uma instituição democrática, que nunca tomou medidas que diminuíssem os padrões ambientais das nações. O processo decisório da OMC é orientado pelo consenso e a organização não é capaz de obrigar nenhuma nação a mudar legislações domésticas. Irwin conclui que as críticas contras a OMC são orientadas pelo preconceito ou por um compromisso ideológico contra organismos internacionais. O autor também avalia que, embora o sistema multilateral de comércio não seja perfeito, ele é indispensável para a economia internacional. O autor também reconhece que, embora o mundo esteja se voltando para a liberalização comercial por meio de acordo preferenciais de comércio, o sistema multilateral de comércio ainda é o melhor instrumento para promover a cooperação comercial internacional.

Free Trade Under Fire termina com uma análise da crise financeira de 2008 e das implicações da eleição do democrata Barack Obama para a política comercial dos Estados Unidos. Irwin indica quatro fatores que impediram que a crise iniciasse uma aumento generalizado do protecionismo. Em primeiro lugar, os governos possuem atualmente ferramentas mais eficazes para lidar com recessões do que barreiras comerciais. Em segundo lugar, o sistema multilateral de comércio ajuda a limitar o protecionismo internacional. Ademais, a importância do investimento externo e das multinacionais impede que o protecionismo seja empreendido de forma exacerbada. Por fim, atualmente a maioria dos líderes mundiais tem um compromisso formal com o livre-comércio e compartilham da visão de que o comércio ajuda a diminuir a pobreza e aumentar a renda. Por essa razão, Irwin observa que a eleição de Obama não deve gerar um protecionismo radical nos Estados Unidos. O autor avalia que, embora o partido democrata tenha se tornado mais sensível aos apelos dos setores negativamente afetados pelo comércio internacional, ambos os partidos norte-americanos têm um compromisso formal com o livre-comércio.

Free Trade Under Fire é uma análise clara, técnica e ponderada dos principais temas relevantes do comércio internacional contemporâneo. Irwin desmistifica muitas das alegações dos ativistas antiglobalização e deixa claro que muitas das medidas comerciais destinadas a proteger o meio ambiente ou os trabalhadores dos países em desenvolvimento podem, na verdade, ter resultados opostos aos desejados. A terceira edição da obra atualiza ainda mais os temas tratados e fornece valiosos dados que ilustram a situação contemporânea do comércio internacional. Um dos poucos defeitos da obra é não abordar teorias mais recentes do comércio internacional, como a teoria das vantagens competitivas. Não obstante, a obra de Irwin oferece uma excelente introdução aos benefícios que o livre-comércio proporciona, além de explicitar que, freqüentemente, aqueles que combatem a abertura econômica defendem os objetivos restritos de grupos privilegiados e bem-relacionados politicamente.


Resenhista

Gustavo Resende Mendonça – Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e servidor da Divisão de Informação Comercial do Ministério das Relações Exteriores. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

IRWIN, Douglas. Free Trade Under Fire. 3ª Edição. New Jersey: Princeton Press, 2009. Resenha de: MENDONÇA, Gustavo Resende. Meridiano 47, v.10, n.113, p.19-21, dez. 2009. Acessar publicação original [DR]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.