História, Áudio e Visual | Ars Historica | 2017

História e Arte. Quais as possibilidades de pesquisa em história social e da cultura que aproximam o sonoro e o visual? Vivemos hoje a primazia da imagem. E a imagem constrói história e memória e vice-versa. Imagens fixadas no instante da fotografia, talhadas em marfim, esculpidas em mármore ou bronze, pintadas com tintas de variados matizes, e ainda imagens em movimento, correndo no tempo pelas telas do cinema e outras mídias. Há ainda sons e gestos que também são fazeres, saberes e expressões que compõe o que chamamos de cultura – de arte – e que precisam ser narrados pelos historiadores. São também imagens sonoras do vasto universo musical, como o samba, que tem uma rica história. Ou a dança, moda, corpos em performance que falam de outras experiências no contemporâneo. Bem como existe a literatura, os textos sobre as imagens, as artes cênicas e cinematográficas: é a crítica de arte. É com imenso prazer que apresento ao leitor interessado este Dossiê História, Áudio & Visual da Ars Historica que perpassa um caleidoscópio de novas abordagens sobre o saber histórico, demonstrando o vigor de pesquisas em temporalidades e espaços distintos em termos da História Social e Cultural produzida nas universidades brasileiras.

Começamos com uma instigante entrevista. Jean Carlos Pereira conversou com Myriam Tsikouras, que narra sua trajetória acadêmica um tanto atípica, até tornar-se coordenadora do Master Histoire e Audiovisuel na Université Paris 1 – Pantheón-Sorbonne. A entrevista, além de apresentar o campo, dá uma boa ideia de como funciona a pós-graduação em Paris e explicita as principais diferenças entre França e Brasil. Destaco o debate presente sobre como pensar a escrita de História em Imagens.

Estudos sobre a história da fotografia e seus usos como documento e crônica da vida cotidiana estão aqui representadas por artigo e nota de pesquisa. A primeira formatura de bacharéis da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba, ocorrida em 1959 na cidade de São José dos Campo é objeto do artigo de Maria Helena Alves, Rafael Dias e Maria Aparecida Chaves da Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Os autores trabalham com fotografias e a imprensa local como fonte para a escrita da história do evento. Ana Angélica Menezes (ECAUFRJ) está pesquisando as imagens de monóculos fotográficos. Populares entre os anos de 1970 e 1990, essas fotografias em dispositivos de visualização eram comumente produzidas pelos fotógrafos de rua ou itinerantes. A pesquisa objetiva também compreender a estrutura de produção que permeia o objeto em si, o dispositivo, e as relações estabelecidas durante e após sua manufatura.

A história das artes cênicas e seus textos articulam outro núcleo de pesquisas do Dossiê. Desde uma discussão histórico-filosófica sobre o teatro grego, passando pelo mundo do circo e a história da palhaçaria, bem como teatro negro, há de tudo um pouco. Merece destaque o artigo de Géssica Goes Guimarães, professora da UERJ, sobre a tragédia Ática e o teatro de Schiller onde ela explora a influência das lições de Aristóteles e do teatro ático na concepção schilleriana de tragédia. A autora procura investigar a extensão da arte clássica na construção do ideal de teatro e nação na obra de um dos maiores expoentes da cultura germânica na passagem do século XVIII para o XIX.

Outra pesquisa super original, pois tema pouquíssimo trabalhado até hoje, que está presente no dossiê, é a de Lílian Cristina A. Castro (Artes Cênicas da UniRio), que descortina a arte do clown num artigo que discute a arte do palhaço na história do teatro brasileiro, suas ausências e suas interseções com o circo e o teatro. A partir de um breve panorama da atuação dos palhaços no Brasil desde a Colônia, são analisadas questões caras à formação do palhaço brasileiro. A autora defende, em sintonia com certa historiografia, a ideia de que a palhaçaria é uma expressão artística distinta que merece um espaço próprio na História.

Do Mestrado em História Social da UniRio – também trabalhando na interface entre História e Artes Cênicas – é o trabalho de Maybel Sulamita, que apresenta novas abordagens da história do teatro brasileiro, sobretudo por pensar questões étnico-raciais brasileiras a partir da antologia do teatro negro brasileiro escrita por Abdias Nascimento, intitulada Drama para negros e prólogo para brancos. A obra trata do lugar do negro na construção da história do teatro brasileiro e o artigo também analisa o engajamento do grupo Teatro Experimental do Negro destacando seu papel de militância antirracista dentro do movimento negro entre as décadas de 1940 e 1960.

Falando de questões étnicas e sobretudo da representação dos negros na arte, uma nota de pesquisa avisa que novas produções importantes vem por aí, tratando de escultura e mulher negra. Caroline Farias Alves, da UFJF, apresenta, por meio da análise da produção artística que privilegia a representação escultórica da mulher negra no Brasil, um panorama geral acerca da repercussão de obras e dos diálogos possíveis com a produção internacional que abriga essa mesma temática. A partir de Bastiana, obra da escultora Nicolina Vaz de Assis, verifica-se uma homogeneidade na forma em que a mulher negra foi representada na passagem do século XIX para o XX.

Arte, museu e moda como imagem. Corpo e História aparecem aqui novamente, contemplados no instigante artigo de Renata Fratton, doutoranda da PUC do Rio Grande do Sul que, a partir de algumas performances em museus contemporâneos que nos fazem pensar sobre a memória das imagens que utilizam o corpo e seu gestual como suporte, abrem novas perspectivas para a reflexão histórica até sobre o que é a moda.

E outras pesquisas sobre artes plásticas, seus materiais e sua crítica vão surgindo. A arte lida com objetos às vezes muito cobiçados como o marfim de Angola. Sobre este artefato é o artigo de Rogéria Cristina Alves da UFMG, que analisa a circulação do marfim entre Angola, Portugal e Brasil entre os séculos XVIII e XIX. A crítica de arte dos anos 1960, no caso, em Belo Horizonte, é o objeto de pesquisa de Valdeci da Silva Cunha da UFMG. O autor analisa as páginas do importante Suplemento Literário, buscando ali relacionar as formas dessa escrita singular que é a crítica de arte à história da arte em Minas Gerais naquele tempo.

Aline Viana Tomé (UFJF) traz a pintura de paisagem de Visconti. A autora discute o conjunto da produção paisagística de Eliseu D’Ângelo Visconti (1866-1944) que enfoca a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro ‒ distante arrabalde, em fins do século XIX, que foi convertido, com a acessibilidade permitida pelos bondes, em moderno bairro nas primeiras décadas do século XX. Busca analisar como a região foi sendo remodelada fisicamente, entendendo como transformações de mentalidade na sociedade carioca se deu em relação à vivência dessa area, cujos símbolos permanece carregada até hoje.

E também tem imagem em movimento! Cinema e História. Waldemar Dagenodare Neto, da PUCRS, analisa como o filme Jackie, de Pablo Larraín, discute o mito de Camelot – ideia imposta por Jacqueline Kennedy no qual JFK teria criado um legado intocável e eternizado como um dos maiores presidentes, não só dos Estados Unidos, como de todos os tempos. Assim, o autor trata Jackie como um filme traumático, a fim de problematizar memória, história e cinema. Vinicius Moretti Zavalis (UFF) e Carla Cristina Lavinas (UERJ), analisam o filme Alexandre (2004), de Oliver Stone, como discurso que nos oferece informações sobre o seu contexto social de produção e sobre a recepção deste conteúdo histórico pelos sujeitos contemporâneos. Partindo da concepção de Marc Ferro, os autores tratam o filme enquanto um documento histórico e acabam por demonstrar como o filme possui engajamento político associado à nova agenda de segurança estadunidense contra o terrorismo após o 11 de setembro.

Outras narrativas fílmicas aparecem nas páginas da Revista e relacionam a pornochanchada e a censura no Brasil dos anos 1970. O cinema e a história do Brasil se entrecruzam no artigo de Mailson Vieira de Oliveira e Antonio Reis Junior, que analisa as práticas da Censura Federal na interdição de comédias eróticas na década de 1970. A partir da análise de processos de censura e de críticas cinematográficas publicadas em periódicos, “o artigo revela os conflitos de classe e os estranhamentos políticos e estéticos destes setores com um cinema popular que conquistou o mercado cinematográfico em São Paulo e de grande aceitação do público”, de acordo com os autores.

Guilherme Zufelato, da UFU, discute parte da produção intelectual sobre cinema escrita por Jean-Claude Bernardet. A partir de uma breve biografia aponta caminhos teórico-metodológicos que possibilitam a interpretação da dimensão histórica de duas obras de extrema importância para a historiografia do cinema: Brasil em tempo de cinema (1967) e Trajetória crítica (1978).

O “sonoro” constitui outra temática da revista. O som e os sentidos históricos dele também estão contemplados na 14a edição da Ars Historica através de um belo artigo sobre a música. No estudo, Tadeu Dulci Reis, da UFJF, analisa a música popular brasileira e suas transformações do início do samba, no ano de 1917, até sua consolidação, nos anos 1930 e 1940, no intuito de compreender historicamente alguns elementos que o compõem.

Temas apaixonantes que convido agora à leitura, tendo a certeza de que o leitor encontrará belos exemplos de como se fazem boas pesquisas em História, Áudio & Visual. Divirtam-se!


Organizadora

Andréa Casa Nova Maia – PPGHIS-UFRJ.


Referências desta apresentação

MAIA, Andréa Casa Nova. Apresentação. Ars Historica. Rio de Janeiro, v.14, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

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