História, Cinema e música / Tempos históricos / 2011

Ao propor o dossiê com essa temática – HISTÓRIA, CINEMA E MÚSICA – tivemos por objetivo, em primeiro lugar, apresentar nesta revista trabalhos que permitissem estabelecer diálogos os mais diversos, primeiramente a partir do encadeamento de cada um desses termos – História e Música, História e Cinema, Cinema e Música, História, Cinema e Música. Com isso, visamos também estabelecer um diálogo com estudiosos dos campos os mais diversos, que pudessem trazer novos aportes e abrir campos de reflexão para os historiadores.

Nos últimos anos, tem havido um grande interesse por parte dos profissionais da História de buscar o cinema e a música como fontes para a proposição de pesquisas. Nos congressos que têm sido levados a cabo principalmente na última década, muitos historiadores têm tido a possibilidade de compartilhar reflexões sobre essas fontes com profissionais de outras áreas, com resultados bastante significativos. Isso tem propiciado que uma mesma temática seja objeto do olhar de diferentes estudiosos a partir de perspectivas teóricas distintas, de preocupações as mais diversas, ampliando o conhecimento desses campos para além das fronteiras do nosso país.

O resultado aqui apresentado sinaliza algumas questões. De início, destacamos o caráter interdisciplinar presente no conjunto dos textos. As preocupações com as questões propostas são compartilhadas por diferentes pesquisadores a partir das diferentes disciplinas e áreas de estudos. São diversos, portanto, os olhares direcionados para o cinema e a música, para os filmes e os gêneros musicais ou as músicas e músicos.

Por outro lado, o conjunto sinaliza possibilidades de trocas, ou seja, de compartilharmos metodologias, formas de análise, para as discussões das problemáticas apresentadas. Ou seja, não existem limites entre as especialidades aqui presentes. Um olhar para si também implica um olhar para ao outro.

Walter Benjamin, no texto A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1993: 165-196), enfatiza o caráter revolucionário da invenção da fotografia – e do cinema – exatamente porque ambos trazem no seu cerne a necessidade da sua difusão. Essa invenção propiciou a emancipação da obra de arte, pela primeira vez na história, do seu caráter parasitário: destacada da sua função ritual, ela se relaciona, cada vez mais, com as massas. Mais: ela modificou a relação da massa com a arte: “Retrógrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin” (1993:187). O cinema, portanto, permite uma nova abertura, ou novas formas de fruição do que é novo.

O que vale para o cinema também vale para a música, assim como para a música inserida no cinema. A reprodutibilidade dos sons, aliada ou não à da imagem, também propiciou um alargamento das formas de expressão dos grupos sociais, dos indivíduos, das comunidades, das nações.

Por isso mesmo, apresentamos nesse Dossiê tanto artigos que discutem a relação Música / Cinema, quanto aqueles que especificamente discutem o Cinema e outros que se voltam especificamente para a Música. Mas o fazemos na perspectiva de que os limites entre essas diferentes linguagens são fluidos e permeáveis, de que facilmente se pode passar de um a outro.

Os quatro primeiros artigos problematizam a relação do cinema com a música que constitui a trilha sonora do filme. Guilherme Maia parte do cinema, para examinar, com base nas premissas metodológicas adotadas pelo Laboratório de Análise Fílmica (Facom / UFBA), as estratégias musicais dominantes no contexto do filme noir clássico (Ensaio sobre a música do cinema noir clássico: um panorama de O Falcão Maltês e A Marca da Maldade). Já Julio Ogas, valendo-se inclusive da semiótica, problematiza o trabalho do compositor Charly Garcia na realização do filme Púbis Angelical, trabalhando em colaboração com o diretor Raúl de la Torre, abordando tanto a temática do cinema nas gravações desse músico, quanto a relação estabelecida pelas canções com a temática do filme, no artigo Canções, filmes e divas de Pubis Angelical na música de Charly Garcia (1972-1982). Segundo o autor, a música em certo sentido se torna independente do filme, mas ao mesmo tempo não se separa dele, e dialoga com as temáticas sobre o feminino ali evidenciadas. Hernán D, Perez analisa, em Narrative Cueing: a música como elemento de conotação na tradição cinematográfica norte-americana, a incorporação da música ao cinema hollywodiano clássico, a partir da migração aos Estados Unidos de compositores europeus, os quais estabeleceram alguns parâmetros que definiram, por muitos anos, essa relação. Já Rodrigo Carreiro aborda o trabalho do compositor Ennio Morrricone na passagem do cinema clássico para o moderno, atuando na realização dos spaghetti westerns, do diretor Sérgio Leone, introduzindo novos referenciais musicais para os filmes em Notas sobre o papel da música de Ennio Morricone na passagem do cinema clássico para o moderno.

Num segundo bloco estão artigos que dialogam prioritariamente com a questão do cinema, seja para discutir temas como o colonialismo (Ana e o Rei ou a justificação do colonialismo através do cinema , de Susana Guerra) ou o incesto (Das utopias e revoluções: representações sobre o incesto em Le Souffle Au Coeur de Louis Malle , de Débora Breder). Outros três artigos abordam as realizações do cinema brasileiro nos anos 1960 e os caminhos do Cinema Novo, um dos quais se refere especificamente à relação com a bossa nova, aproximando-a das produções de Domingos de Oliveira (Todos os desafios do mundo: a geração de 1964 no Cinema Novo, de Carlos Eduardo Pinto De Pinto); a ele seguem-se Carlos Diegues, entre o CPC e o Cinema Novo: uma reflexão sobre a função do artista no início da década de 1960, de Mariana Barbedo, e Arte e política no cinema de Glauber Rocha: uma análise do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de William Vaz De Oliveira e Eduardo Nunes Álvares Pavão. André Luiz dos Santos Franco, em O movimento armado de 1930: a representação fílmica da história, tematiza a produção do audiovisual “A Revolução de 1930” por Sylvio Back cinqüenta anos depois desses acontecimentos, problematizando a relação do documentário com a ficção. Finalmente, em Construções e reconstruções: uma ressignificação do olhar para com as musas, Shirley Elias Vilela parte da elaboração de determinadas imagens da mulher pelo cinema para discutir depois a produção de estereótipos sobre a beleza feminina que perduram por décadas.

Num último bloco, situam-se artigos que abordam especificamente questões relacionadas ä música. Mariana Oliveira Arantes aborda os movimentos musicais que se processaram no Chile nos anos 1960, ou seja, o Neofolclore, a Nova Onda e a Nova Canção Chilena, e discute o engajamento dos músicos que se ligaram à campanha e ao governo da Unidade Popular (Sonoridades urbanas e engajamento juvenil no Chile dos anos de 1960); Manuela Areias Costa aborda a questão das bandas de música, que foram tão comuns em determinadas épocas, problematizando especialmente a formação de bandas civis a partir de apropriações de elementos marcantes nas bandas militares (Música e história: um estudo sobre as bandas de música civis e suas apropriações militares), e Iolanda Macedo aborda o RAP nas vinculações do cenário nacional com o internacional, argumentando sobre a ocorrência de um processo de reapropriação deste gênero musical no Brasil após sua introdução via mídia e indústria fonográfica (A linguagem musical RAP: expressão local de um fenômeno mundial). O dossiê se encerra com o artigo de Manoel Dourado Bastos abordando os posicionamentos teóricos do pesquisador José Ramos Tinhorão, presentes nos seus inúmeros trabalhos, sempre citados por pesquisadores que discutem questões musicais, mesmo apresentando discordâncias com suas afirmações (Um marxismo sincopado: método e crítica em José Ramos Tinhorão).

Referência

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1993.

Geni Rosa Duarte – Professora do Colegiado de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Unioeste


DUARTE, Geni Rosa. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.15, n.1, 2011. Acessar publicação original [DR]

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