História do Caribe – Parte II | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2016

Pouco mais de 57 anos se passaram desde que o exército rebelde cubano liderado por Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara conquistou o poder político na mais importante ilha do Caribe. Um tempo que já poderíamos considerar de média duração, nem tão perto dos acontecimentos, o que nos limitaria a visão em perspectiva, mas ainda nem tão longe dos mesmos, o que nos situaria fora de sua abrangência. Em outras palavras, somos privilegiados do ponto de vista heurístico, de sorte a analisar um processo que já se desdobrou no tempo e que segue relevante para a vida contemporânea.

Com o fim da União Soviética, em 1991, poder-se-ia imaginar que a mais importante revolução ocorrida na região caribenha no século XX sairia do radar da produção de ponta no campo da História da América, o que esse volume vem mostrar tratar-se de uma falsa conjectura. Existem uma ampla escala de ângulos, temas, objetos, problemas e abordagens sobre a Revolução Cubana para ser destrinchado pelo historiador arguto. Donde vemos a presença hegemônica desse país numa chamada de trabalhados versados sobre toda a região do Caribe.

Outrossim, para a nova conjuntura política que se iniciou na Venezuela com a chegada ao poder de Hugo Chávez no início de 1999, um processo díspar do caso da ilha mas que, na sua capacidade de alterar configurações econômicas e culturais, seguiu certa linha de identificação com Cuba e o respectivo conjunto de lutas e ideias. Ambos tendo expressados diversas representações e símbolos, construindo um imaginário que se envolveu até nos mais sofisticados jogos de videogame disponíveis no mercado.

Neste número publicamos a segunda parte do dossiê sobre a História do Caribe. Ao todo, sete artigos da 21ª edição da Revista Eletrônica da Anphlac são dedicados à História dessa região, além de três artigos livres e uma resenha. De modo que temos o artigo de Giliard da Silva Prado, “O tribunal revolucionário como tribuna política em Cuba: uma análise dos casos “Marquitos” e “Ordoqui””, estudo importante para conhecermos com mais profundidade os meandros dos vereditos daqueles considerados traidores do novo regime cubano. O fato do autor apresentar casos específicos nos ajuda a entender a maior complexidade da situação política em pauta nesses julgamentos.

Nesse diapasão segue o texto de Joana Salém Vasconcelos: “Trabalho voluntário e socialismo nos canaviais cubanos: uma história da safra de 1970”, versando sobre um assunto que despertou muitas paixões continente afora, o homem novo através do trabalho não mercantil, mas que produziu situações que até certo ponto negaram os propósitos iniciais, como foi o fracasso da meta de 10 milhões para a safra de cana de açúcar de 1970. Também um estudo de caso nos ajuda a entender o todo mais amplo.

Depois de o leitor passar por análises que não fazem concessões a heroísmos préestabelecidos, chega o momento de uma discussão dos temas da liberdade e da utopia, presentes nos primeiros, de forma implícita, e tratados com extraordinária sensibilidade estética nos romances de Leonardo Padura, inquiridos no artigo de Analice Pereira da Silva: “Utopia, compaixão e liberdade em Leonardo Padura”.

Segue-se outro tema articulado às representações na cultura cubana, o trabalho de Giselle dos Anjos Santos intitulado “A representação da mulata no imaginário social cubano”, uma apreciação histórica da desigualdade racial e de gênero, tão imbricada na estrutura social que nem a Revolução, segundo a autora, foi capaz de equacionar a contento.

Fechando esse conjunto de temas apresentamos o trabalho de Ana Paula Ceccon Calegari, “Balanço sobre a historiografia para o estudo da “contrarrevolução cubana”, um exame perspicaz de pesquisas sobre os opositores e perseguidos que, se trouxeram em seu bojo reais contribuições para o entendimento das contradições do regime, igualmente demonstraram problemas não desprezíveis sobre a forma e o conteúdo de suas denúncias e reflexões.

Na medida em que o bolivarianismo chavista reclamou parentesco com o movimento revolucionário cubano, não decepcionará o leitor interessado nos temas anteriores o trabalho de Eduardo Scheidt, “A questão da democracia representativa na Venezuela durante a era Chávez: rumo a uma nova cultura política?”, em que a interrogação do título indica a preocupação do autor em aferir até que ponto os referendos e a nova forma de manejar a política institucional nos últimos anos na Venezuela tratarse-ia de uma novidade ou repetição de elementos anteriores.

Por fim, o trabalho de Robson S. Bella, “Jogando com Piratas e Ditadores: as representações sobre o Caribe nos videogames” nos apresenta um panorama de algumas características da cultura caribenha plasmadas na indústria cultural e direcionadas ao ramo dos jogos eletrônicos de última geração.

Na seção de artigos livres contamos com a participação de Paula Ramos, com seu artigo “Transferências e mediações culturais nas Américas: o papel da Nueva Revista de Buenos Aires (1881-1885)”, importante capítulo da história cultural argentina na virada do século XIX para o século XX.

Objeto semelhante de Mauro Franco Neto, em “Nuevos Rumbos Humanos: experiência do tempo e figurações do “novo” na revista La Biblioteca (1896-1898)”, outra reflexão sobre o campo literário platino daquele período decisivo de passagem de século.

Por último, o trabalho de Fábio Luís Barbosa dos Santos, “Atualidade da noção de América Latina: diálogos críticos com Leslie Bethell”, investigando as origens do conceito e articulando com o imaginário de nosso país, tendo em vista um dos tantos estudos brilhantes de Leslie Bethell.

Na seção de resenhas, temos o texto de Ângela Meirelles de Oliveira, “Uma jornada para o conhecimento: ciência e império na circum-navegação do U.S. Exploring Expedition (1838-1842)”, uma síntese aprazível do monumental trabalho da sempre competente e fascinante Mary Anne Junqueira.

Não temos dúvida que o leitor está brindado neste volume pelo que de melhor a historiografia sobre América Latina e Caribe vem produzindo no Brasil. A possibilidade de uma leitura enriquecedora e recompensadora encontra-se de antemão garantida.


Organizadores

Sílvia Cezar Miskulin – Doutorado e Pós-Doutorado em História na USP. Professora da Universidade de Mogi das Cruzes, campus Villa-Lobos, São Paulo. Email: [email protected]

Iuri Cavlak – Doutorado pela Unesp (Assis) e Pós-Doutorado em História na New York University. Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Email: [email protected]r


Referências desta apresentação

MISKULIN, Sílvia Cezar; CAVLAK, Iuri . Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 21, p. 1-4, jul./dez. 2016. Acessar publicação original [DR]

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