História do direito romano | Walter Guandalini Junior

1 Introdução

Antes de qualquer coisa, expresso minha satisfação de resenhar o estimulante livro de Walter Guandalini Jr.2, cuja publicação pode ser considerada uma inovadora contribuição para os debates na Romanística brasileira. Trata-se, em síntese, de um livro didático para a disciplina de Direito Romano – dos currículos das Faculdade de Direito do Brasil –, mas que se propõe a utilizar arcabouço teórico-metodológico da História do Direito3 , com importantes traços da Escola de História do Direito da Universidade Federal do Paraná4 , e fazer um diálogo com a literatura da História Geral ou Social, ou, especificamente, da História Antiga – proposta que, nesses termos, pode ser considerada inédita no contexto das obras de Direito Romano publicadas no Brasil.

Esta proposta de resenha, diante desse texto, deve tomar um tom mais propositivo que crítico. Trata-se de livro com proposta ousada, talvez bastante revigorante para os debates sobre a Romanística, o ensino e os usos do Direito Romano no Brasil, que, diga-se de passagem, têm ganhado relevância no período recente5. Pensamos que o maior ganho para a disciplina e para a própria Romanística, neste momento, deve vir da reflexão dialogada sobre as propostas em pauta.

Esta resenha é estruturada em quatro seções (para além desta introdução), nas quais se propõe: (i) discutir o gênero da obra e os desafios de produzir livros didáticos no contexto atual; apresentar (ii) aspectos formais e (iii) materiais do livro; e (iv) trazer alguns comentários sobre a proposta teórica do autor e sua aplicação.

2 A Discussão sobre Materialidade e Gênero da Obra

O autor define a sua obra como livro didático, voltado especificamente à disciplina de Direito Romano em sua apresentação nos currículos das Faculdades de Direito brasileiras. Assim, partindo desse ponto, faz-se mister refletir a respeito do desafio de produzir manuais no cenário editorial atual, especialmente considerando: (i) a consolidação de versões digitais; (ii) as transformações do mercado editorial em contexto de pandemia; (iii) as exigências de uso de linguagens novas (a exemplo de narrativas mais acessíveis, no contexto historiográfico) e de recursos didáticos visuais; e (iv) o surgimento de novas editoras (com novas estratégias de mercado, de financiamento de produção de obras, de formas de contratação com autores).

Nesse sentido, o livro resenhado atingiu o seu objetivo. Foi publicado em uma editora aparentemente voltada ao mercado de livros didáticos, com publicações nas mais diversas áreas do conhecimento. Imaginamos que será publicado também em versão digital, facilitando aquisição e manuseio. A linguagem é clara, a narrativa é bem construída e acessível, e os recursos visuais facilitam a leitura.

Quanto aos elementos textuais, é especialmente importante mencionar a presença de mapas, imagens (gravuras, esculturas), quadros comparativos6 e elementos gráficos de realce, parte importante do gênero de livros didáticos como apresentado atualmente. A transição entre tópicos, bem como a fácil identificação das palavras-chave, em negrito no layout das páginas, também é muito elogiável. O mesmo se pode dizer sobre as imagens, sempre vinculadas à narrativa dos capítulos respectivos (a partir do cap. 2).

3 Aspectos Formais do Texto (Método e Estrutura Discursiva do Livro)

Apresentados os elementos de discussão sobre o gênero da obra, é o momento de entrar nos aspectos formais do texto, em particular (i) a metodologia e (ii) a sua aplicação discursiva na estrutura do texto.

3.1 A Proposta Metodológica Geral

Acompanhando a tônica já utilizada pelo autor em suas obras anteriores, quando com mais ênfase se identifica com uma visão crítica da história, inicia o texto com o enquadramento geral da obra, (i) a justificativa na “Apresentação” (p. 09-15); na sequência, o autor proporciona a (ii) tese da obra, na “introdução” do Capítulo 1 (p. 17-21), onde faz um questionamento sobre objeto e finalidade do estudo em Direito Romano.

Desde esse ponto de vista, Guandalini Jr. segue em seu raciocínio para a determinação do modelo metodológico fazendo uma distinção entre duas perspectivas de análise, a dogmática e a histórica, sobre as quais se estuda o Direito Romano7 : com isso, apresenta a (iii) tese sobre a “dogmática” romanista nas seções 1.1.1 e 1.1.2 do Capítulo 1 (p. 22-44), onde faz a leitura desde o conhecido enquadramento de Tercio Sampaio Ferraz Jr. (2008) sobre dogmática e zetética, identificando as visões sobre o Direito Romano nestas perspectivas. Para o enquadramento da perspectiva “dogmática”, aponta extratos de textos do mercado editorial brasileiro que seriam do campo, tendo alguma vinculação com o título de “Direito Romano”, onde o autor identifica elementos discursivos que teriam conotação “positivista”, com que Guandalini tece críticas desde as ordens metodológica, epistemológica e política8 .

Após o tom enfático de crítica à perspectiva dita “dogmática”, o autor apresenta (iv) a tese da metodologia de “perspectiva histórica”, na seção 1.1.3 do Capítulo 1 (p. 45-58); aqui se encontra uma paráfrase da primeira chave de leitura do texto, com base em texto de Pietro Costa (2010), quando este autor fala das imagens do historiador do direito – como comprador, peregrino e explorador. Em cima destas imagens de Costa, Guandalini as aplica ao Direito Romano, fazendo uma defesa do “Direito Romano inútil”, como exemplo de descontinuidades, em que tal Direito não seria aplicável na prática jurídica atual, usando para tanto de uma expressão figurativa, a da “ausência de função prática”. Na sequência, expõe uma (v) apresentação do modelo que será adotado no livro, da “perspectiva histórica”, na seção 1.2 do Capítulo 1 (p. 58-67), onde complementa tal chave de leitura anterior, estabelecendo assim definições sobre o objeto e a finalidade do estudo em Direito Romano a partir da história crítica do professor António Manuel Hespanha – quando este autor fala de um “sentido relacional”, contextual.

3.2 A Narrativa Histórica de Roma

A partir do Capítulo 2, Guandalini Jr. faz uma narrativa da história da civilização romana, enquadrando as fontes jurídicas em cada contexto histórico. A estratégia do autor, sempre buscando o fim didático da obra, é concentrar as citações em alguns autores que são reconhecidos, ainda que de linhas diferentes de historiografia. Partindo da leitura do texto é possível identificar os seguintes estratos historiográficos: (a) uma paráfrase feita pelo autor das narrativas sobre Roma, desde (i) uma clássica, de Tito Lívio; (ii) duas de linha mais histórico-social (Beard, 2017; Grimal, 2009, 2011); (iii) dois autores vinculados à linha histórico-jurídica (Herzog, 2018; Stein, 2010); e (iv) uma narrativa romanística reconhecida, a de Mario Bretone (1990). Por outro lado, ao adentrar mais na matéria do Direito Romano, Guandalini Jr. precisou de um modelo seguro entre os famosos romanistas atuais – neste caso, segue a Aldo Schiavone (2005) em praticamente todo o texto, de onde procede (b) a uma paráfrase de narrativas sobre as fontes jurídicas romanas, alcançando um modo rigoroso de identificação das fontes jurídicas para os seus respectivos contextos. Quando precisou se aproximar de fontes de textos romanos, Guandalini Jr. faz (c) citações dessas fontes a partir dos trabalhos de tradução de romanistas brasileiros, como a tradução das Institutas de Gaio por Hélcio Madeira (2012) e da Lei das XII Tábuas por Sílvio Meira (1961), que são muito reconhecidas. Tendo esses critérios, o autor apresentou uma sequência dos períodos históricos romanos, com ênfase nas fontes, como se pode ver a seguir.

3.2.1 A História da Roma Arcaica

Tendo como eixo narrativo as obras de Beard, Lívio, Grimal e Bretone, o autor faz a (i) a descrição da fundação e da mentalidade “disciplinadora”, como consta na “introdução” e seção 2.1 do Capítulo 2 (p. 69-77); nestas subseções, há uma narração da fundação de Roma e uma apresentação do ponto de vista de Aldo Schiavone a respeito da visão disciplinar romana. Logo depois, é feita (ii) a descrição do “fas” e do “ius”, na seção 2.2 do Capítulo 2 (p. 78-82); aqui são feitos comentários sobre religião e autonomia do direito em Roma neste período, encerrando a seção tratando sobre os pontífices. Como consequência do papel do Colégio dos pontífices, Guandalini Jr. adentra na (iii) análise dos “responsa prudentium”, na seção 2.3 do Capítulo 2 (p. 82-92), onde faz a caracterização das respostas dos prudentes segundo uma formulação que parece particularmente sua. Por fim, chega o momento (iv) da passagem do saber religioso ao saber civil, na seção 2.4 do Capítulo 2 (p. 93-96): aqui, Guandalini Jr. faz uma apresentação do cenário da monarquia etrusca (e a postura mais popular desta) e das consequentes modificações na legitimação do poder sacro, que, por sua vez, levarão a importantes repercussões no âmbito jurídico.

3.2.2 A História da Lei das XII Tábuas

Tendo como eixo narrativo as obras de Lívio, Beard, Grimal, Bretone, Stein e Herzog, o autor faz uma (i) a descrição da crise geradora do contexto prévio ao surgimento das XII Tábuas, na “introdução” e seção 3.1 do Capítulo 3 (p. 97-105), onde se fala do cenário histórico do conflito patriciado-plebe no início da República romana; em seguida, vem (ii) o detalhamento das XII Tábuas, na seção 3.2 do Capítulo 3 (p. 106-119), com a apresentação do conteúdo e forma da Lei das XII Tábuas, com várias menções ao texto romano. Depois nosso autor apresenta (iii) o cenário posterior às XII Tábuas, nas seções 3.3 e 3.4 do Capítulo 3 (p. 119-131), onde comenta sobre as modificações sociais e legislativas que levam à ascensão de parte da plebe a funções de Estado na República romana, com relevantes consequências no uso das fontes, entre o “ius” e a “lex”.

3.2.3 A História da Formação do Direito Honorário

Tendo como eixo narrativo as obras de Beard, Bretone, Herzog e Stein, nosso autor inicia este apartado com (i) a descrição do contexto das Guerras Púnicas, na “introdução” do Capítulo 4 (p. 133-141), onde explica o contexto de transformação da República romana, em decorrência das citadas guerras; passa depois para (ii) a apresentação do pretor urbano e peregrino, na seção 4.1 do Capítulo 4 (p. 141-145); e logo (iii) uma exposição breve sobre o processo formulário (“formular”, como ele chama), na seção 4.2 do Capítulo 4 (p. 145-150); com exemplos tirados dos textos de Gaio. Por fim, Guandalini Jr. entra (iv) na apresentação do direito honorário, nas seções 4.3 e 4.4 do Capítulo 4 (p. 150-161), onde procede à caracterização e apresentação de figuras jurídicas que surgiram em vista dos trabalhos dos pretores.

3.2.4 A História da Sistematização do Saber Jurídico em Roma

A partir do eixo narrativo das obras de Beard, Bretone, Herzog e Stein, o autor começa a exposição falando (i) das reformas dos irmãos Graco, na “introdução” do Capítulo 5 (p. 164- 171); para depois entrar no tema da (ii) influência grega na abstração da matéria jurídica, nas seções 5.1 e 5.2 do Capítulo 5 (p. 172-190), onde comenta da presença do pensamento grego em Roma e sua influência na obra de Quintus Mucius Scævola; e logo comenta (iii) da inovação de Servius Sulpicius Rufus, na seção 5.3 do Capítulo 5 (p. 190-206), onde, sempre acompanhando Schiavone, fala do método da época e da formalização dos institutos jurídicos, empregando nos exemplos da escravidão e da sociedade.

3.2.5 O Direito no Principado e no Dominato

Agora com o eixo narrativo de Beard, Frighetto, Bretone, Herzog e Stein, e sempre em diálogo com Schiavone, o autor explica primeiramente (i) o contexto de surgimento do Império, na “introdução” do Capítulo 6 (p. 207-212), passando depois para (ii) a narrativa sobre o Principado, na seção 6.1 do Capítulo 6 (p. 212-232), onde longamente comenta sobre os juristas do início do Império, as características de seus trabalhos e o impacto na ciência jurídica da época; para então entrar (iii) na explicação sobre o Direito no Dominato, na seção 6.2 do Capítulo 6 (p. 233-252), falando sobre a divisão do Império na época e a sistematização do Direito Romano por influência dos imperadores, em particular por sua produção de textos jurídicos.

3.2.6 O Direito Justinianeu

No último capítulo do livro, acompanhando o eixo narrativo de Bretone e Anderson, o autor introduz a produção de fontes jurídicas do período final do Império do Ocidente e do Império do Oriente, sendo que inicialmente (i) explica a codificação do saber jurídico, na “introdução” e nas seções 7.1 e 7.2 do Capítulo 7 (p. 253-264), onde o autor retoma o contexto das fontes jurídicas do final do Dominato; para logo apresentar (ii) a legislação dos reinos bárbaros, na seção 7.3 do Capítulo 7 (p. 264-270); e, por fim, (iii) falar da legislação de Justiniano, na seção 7.4 do Capítulo 7 (p. 270-281), comentando o processo de elaboração das edições do “Codex”, do Digesto, do livro das Instituições e das “Novellæ”.

3.2.7 A Conclusão

Onde o autor reforça sua posição sobre o valor de observação da realidade por parte dos romanos (p. 283-284).

4 Aspectos Materiais do Texto (Estilo Discursivo e Fontes)

4.1 O Estilo Discursivo de uma “Literatura Historiográfica” O autor adota uma estratégia discursiva no estilo da “história da Antiguidade”, mas em uma versão híbrida e mais atualizada. Tenhamos em conta que, mediante uma primeira formatação dada em meados do séc. XX pela Escola dos Anais, passando por parcela da historiografia marxista (Perry Anderson e originais marxianos mencionados na bibliografia consultada), o autor soube dosar a narrativa com o apoio de textos de divulgação histórica (prática editorial mais recente, que é relevante para efeitos de publicações hoje em dia). Isso explica a ausência propositada de uma multiplicidade de termos ou extratos de textos latinos; postura essa que deve ser em resposta9 ao que o autor poderia vir a identificar como sendo uma prática de romanistas “dogmáticos”, que abusariam do latim para efeitos de erudição. Por outro lado, reconhece-se que a sequência narrativa é fortemente centrada em textos jurídicos, vinculados à periodização adotada, equilibrando a narrativa para uma história da modificação das fontes jurídicas a partir das referências e exemplos-chave, mesmo que de modo indireto.

4.2 As Fontes Utilizadas na Obra

Em virtude da proposta didática pensada pelo autor e que foi corroborada pela editora, percebe-se no decorrer do texto o predomínio de determinados autores em história social, história jurídica e romanística (vide seção 2.2 acima). A construção da narrativa demandava o estabelecimento de um esquema controlável e com recursos visuais didáticos (como os quadros e demais recursos gráficos). Por essa razão, a bibliografia utilizada para a elaboração do texto consta dentro do conjunto das referências apresentadas no final da obra; outrossim, o autor decidiu complementar as referências com uma vasta lista de obras que seguramente são vinculadas a uma forma de organizar a disciplina de Direito Romano.

5 Considerações Finais

O autor enfrenta muito bem o que consideraríamos um grande desafio: apresentar um texto introdutório didático para uma disciplina tão complexa como é a de Direito Romano no Brasil. É o que se percebe particularmente a partir do Capítulo 2, quando se dá uma narrativa que é fluida, coerente e coesa, resultando em uma leitura que é agradável no acompanhamento. Neste sentido, não resta dúvidas de que será um material muito útil para alunos de primeiro ano da Faculdade de Direito que se encontram cursando a disciplina; e diríamos que ainda mais para aqueles que vierem a conhecer o arcabouço teórico que o texto faz referência, como se pode notar em Faculdades no país que apresentam outras disciplinas no curso em que os autores de alta relevância para a formação da área de História do Direito no Brasil, como são António Manuel Hespanha e Paolo Grossi, são consultados e estudados.

A postura propositiva adotada na obra, em especial nos elementos iniciais, também não pode deixar de ser elogiada. Primeiro, porque propõe um debate, sobre o uso dos discursos da área do Direito Romano no país. Na verdade, percebe-se que há importantes movimentações de docentes da área de Romano que igualmente se preocupam com o debate das relações entre a tradição disciplinar, a ciência e a pedagogia (formação) do jurista, em geral conscientes dos desafios de harmonizar as três dimensões, ainda que desde linhas de argumentação diferentes.

Nesse sentido, Guandalini Jr. adota um posicionamento forte de desafio à perspectiva que ele chama de dogmática, vinculada a uma tradição romanística identificada em uma seleção de autores contemporâneos. Nesta esteira de despertar uma inquietação sobre o problema, está a sequência de elementos que aportamos para o uso da obra, agora também no plano do debate acadêmico (onde também deve chegar o questionamento proposto pelo texto resenhado):

(i) A proposta teórica do autor: o caráter incisivo e a postura desafiadora à perspectiva dogmática demandariam um levantamento historiográfico talvez mais apurado, tentando ainda definir o campo da “Romanística”. A crítica produzida se dirige aos textos de referência atuais no contexto brasileiro, porém as razões para essa formatação, que também é usual fora do país, não foram enfrentadas. Essa perspectiva chamada de “dogmática” pelo autor tem muitos planos e formatações, em tempos e locais diferentes10 – os próprios autores mencionados na obra talvez não aceitassem um enquadramento como “positivistas” ou “dogmáticos”. Ademais, o dito caráter “dogmático” pode estar mais em quem faz uso em suas produções de textos técnico-jurídicos, pareceres e textos acadêmicos, do que nos próprios autores de manuais de Direito Romano. E, além disso, a defesa de uma perspectiva histórica pode ser feita autonomamente, como o campo da História da Antiguidade o faz. Logo, a estrutura de narrativa histórica presente no livro seria válida pelo próprio método adotado, pelo valor agregado que a perspectiva histórica tem por si mesma.

(ii) A aplicação da proposta teórica do autor: No intuito de justificar a perspectiva histórica defendida, o autor rompe, de certa forma, não só com o gênero usual de manuais, cursos e demais textos didáticos em Direito Romano que estão no mercado editorial nacional, mas com as próprias fontes e seus modos de utilização e relação com as narrativas postas. Com isso, obviamente não se deve esperar encontrar todos os clássicos da Romanística, seja nacional ou estrangeira. Por outro lado, o enfoque na tradição da historiografia da Antiguidade, que de modo nenhum merece menos atenção no campo, exige que os “clássicos” sejam outros, os quais poderiam também estar presentes.

(iii) A proposta didática: Será importante, acompanhando a proposta do autor, discutir o papel didático atribuído à disciplina de Direito Romano, uma vez que se trata de um livro que assume esse papel instrutivo e propõe essa dinâmica nos estudos da área. Com efeito, não se poderia pensar que a manualística do Direito Romano não viria a ser atualizada desde, por exemplo, a grande obra de Moreira Alves (2018), de marcante papel didático, mas feita no contexto de um concurso público deste autor faz várias décadas, como recorda o professor Bernardo Queiroz de Moraes (2020, p. 110–112).

Por fim, em síntese, nota-se na obra o estilo de produção e escrita em História do Direito que é do contexto do autor, mantendo fidelidade à base de história crítica que vemos na obra de Hespanha e ainda em diálogo com a Escola florentina, como se percebe pelo uso de Pietro Costa como uma das chaves de leitura. Por último, o aporte romanístico é da performance de um autor de estudos romanísticos e teóricos na Itália, ou seja, Aldo Schiavone, que é singular a ponto de que não é facilmente enquadrado naquelas conhecidas escolas italianas de Direito Romano e transita com muita desenvoltura no campo do pensamento jurídico.

Se é possível, contudo, apresentar algumas sugestões, comentamos que um diálogo com os próprios colegas paranaenses, citados na bibliografia, pode trazer alguns elementos para a composição de textos posteriores, posfácios ou edições revistas: primeiro, acompanhar a área de História da Antiguidade Tardia, com o professor Renan Frighetto; e segundo, retomar aquele que é um dos mais reconhecidos romanistas do Paraná, professor Aloísio Surgik, fundamental na área no Brasil. O trabalho de fortalecer o estudo do Direito Romano é sempre importante, porque nos traz mais elementos para a formação do alunado e para o debate nos programas de pós-graduação. Oxalá esse texto já represente esse primeiro passo

Notas

2 O autor atuou como docente na disciplina de Direito Romano de 2013 a 2016, o que certamente deve se refletir no texto ora resenhado. Sua atuação acadêmica, contudo, é majoritariamente voltada aos circuitos de História do Direito, e não aos circuitos romanísticos nacionais ou internacionais. Sua produção intelectual na área de Direito Romano é composta de alguns artigos, próximos da proposta teórica do livro resenhado, Guandalini Jr. (2013; 2015, 2017)”page”:”37-47. O autor realizou ainda importantes publicações em História do Direito, especialmente sobre o século XIX, com destaque para temas de Direito Administrativo, que foram enfrentados em sua tese doutoral; ver, para tanto, Guandalini Jr. (2016).

3 Reiteramos aqui nossa proposta de que o autor faz uso do modelo teórico para a História do Direito da comunidade acadêmica do Direito da UFPR, sem se enquadrar, necessariamente, em outros âmbitos de discurso científico que tratam da história de Roma no Brasil. Logo, apesar do ambiente disciplinar em que está inserido e das fontes utilizadas, é desde essa linha que se deve entender a proposta e execução da obra pelo autor.

4 Por todos, Fonseca (2011).

5 Vide, por exemplo, Moraes (2019).

6 Aqui, sentimos falta de índices de imagens e quadros na editoração, parte pré-textual, bem como de explicações sobre a elaboração e apresentação de mapas, que possuem a mesma formatação e provavelmente não foram produzidos pelo autor.

7 Para uma visão aprofundada sobre o debate metodológico a respeito dos enfoques sobre o Direito Romano, é importante recordar o “clássico” de Paul Koschaker (1955), referência obrigatória. Além disso, mais atual, Ramis Barceló (2011).

8 Mesmo considerando a crítica apresentada, é interessante recordar que a obra foi publicada pela Editora InterSaberes justamente numa série de título “Estudos Jurídicos: Direito Privado”, enquadrando o livro de Direito Romano nesses moldes.

9 Contudo, o texto resenhado apresenta alguns problemas localizados quanto à nomenclatura em línguas antigas – v.g. origem dos termos Digesta e Pandectas – que mereceriam revisão (Guandalini Jr., 2021, p. 275).

10 Para contextualizar a questão, ver a proposta de análise para o contexto estadunidense (ficando a proposta para análise de outros ambientes) feita por Carlos Petit (2012).

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Resenhista

Alfredo de J. Flores – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. https://orcid.org/0000-0002-1854-3367


Referências desta Resenha

GUANDALINI JUNIOR, Walter. História do direito romano. InterSaberes, 2021. Resenha de: FLORES, Alfredo de J. Uma paráfrase da história do Direito Romano: A manualística brasileira contemporânea em questão. História do Direito. Curitiba, v.2, n.2, p. 240-249, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR]

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