História e História das Religiões / Sæculum / 2014

O dossiê “História e História das Religiões” deste número 30 da Sæculum se compõe de dezoito artigos, duas entrevistas e duas resenhas, com foco em religiões e religiosidades. Ele resulta da articulação acadêmica do Grupo de Pesquisa Officium, dedicado aos Estudos Inquisitoriais e à História das Religiões e do Sagrado e que atua junto aos Programas de Pós-Graduação em História e em Ciências das Religiões da UFPB. Os artigos, que resumidamente apresentamos a seguir, são de autoria de pesquisadores com trabalhos acadêmicos de relevância em suas áreas de especialização.

Henrique Modanez de Sant’Anna abre o dossiê, discutindo a natureza do poder monárquico helenístico, destacando a importância do fato de que um rei possa emanar o poder de um “herói militar”, deixando clara a sua excelência. Há, de acordo com o pesquisador, um compartilhamento de expectativa entre os exércitos helenísticos e seus soberanos e a posição do governante se evidencia como “inventada”, fundamentando-se no “carisma”.

Ricardo Costa ilumina, com sua pesquisa, o texto Le Somni, de Bernat Metge, enfatizando as provas que Metge, funcionário da Corte de Aragão sob o reinado de João I e de Martim I, apresenta para a imortalidade da alma. O uso de fontes iconográficas enriquece sobremaneira o artigo, permitindo que o leitor mergulhe com grande profundidade no rico universo mental da Idade Média.

Ronaldo Vainfas estuda o percurso de Miguel Francês, de nome judaico David, que se estabeleceu no Recife holandês a partir de 1639. No Brasil, renegou o judaísmo e veio a se tornar, posteriormente, um dos principais delatores do Santo Ofício de Lisboa. Vainfas analisa as narrativas de Miguel, suas mudanças de religião e suas ambivalências.

Lana Lage da Gama Lima aborda, em seu artigo, os problemas decorrentes dos repasses irregulares e parciais da arrecadação do dízimo de Ultramar pelo Padroado português, o que privava o clero da Colônia de importantes recursos. Tais limitações ocasionavam, segundo a pesquisadora, conflitos decorrentes da necessidade dos sacerdotes de cobrar taxas da população na América portuguesa, para manter a viabilidade do seu trabalho.

Geraldo Pieroni examina fontes iconográficas da Inquisição, com foco na Península Ibérica dos séculos XVI e XVII. Pieroni faz uma análise aprofundada do simbólico e dos múltiplos significados que são encontrados no material iconográfico, sempre muito atento à importância da contextualização das imagens dentro de sua cultura específica.

Carlos André Cavalcanti realiza uma leitura da Inquisição com o uso de um instrumental teórico que o leva a desenvolver a noção de “desmitologizamento de valores”. Sua análise abre novas possibilidades para o entendimento das diversas formas de intolerância na modernidade, conduzindo também a percepções mais densas do fenômeno inquisitorial e de suas transformações na longa duração.

James W. Nelson Novoa faz um estudo de caso tendo como foco o cristão-novo Diogo António, cuja atuação era a de representante dos cristãos-novos portugueses em Roma. Sua análise enfatiza que este tipo de atividade garantia, a quem a exercia e a seus familiares, a isenção de submeter-se ao Tribunal do Santo Ofício.

Maria Lúcia Abaurre Gnerre e Dilaine Soares Sampaio analisam a interação dos missionários jesuítas com as populações de Moçambique e de Goa, locais de cultura bastante distinta, mas ligados entre si em função das rotas marítimas do Oceano Índico. As autoras estudam os olhares e estratégias dos inacianos, levando em consideração as diferenças entre africanos e indianos e a construção de um “império jesuíta” naquela região.

Yllan de Mattos investiga a utilização, por parte dos adversários da Inquisição, daquilo que denomina de “literatura anti-inquisitorial”: escritos que não eram exatamente contrários ao Santo Ofício, mas se opunham aos procedimentos e estilos do Tribunal. Segundo Mattos, tais fontes são, mesmo assim, muito importantes, pois permitiram a consolidação de críticas à atividade inquisitorial.

Sonia Siqueira aborda o confronto entre Tradição e Iluminismo em Portugal no ocaso da Inquisição. Analisa, com esta finalidade, as ideias de Azeredo Coutinho, derradeiro Inquisidor Geral. Segundo a autora, o ambiente era novo, permeado pelo Humanismo, e Coutinho caminhava já para o futuro, embora estivesse ainda apegado a ideias ortodoxas e conservadoras.

Carmen Lícia Palazzo, por sua vez, apresenta uma síntese histórica da diversidade que é encontrada no Islã, diversidade esta que demonstra que, longe de ser monolítico, ele possui múltiplas faces. A pesquisadora enfatiza não apenas a fratura inicial entre sunismo e xiismo, ocorrida em virtude da disputa pela sucessão de Maomé, mas também a importância do sufismo e a existência de grupos sincréticos que costumam ter pouca visibilidade na maioria dos estudos islâmicos.

O artigo de Marçal Maçaneiro também se refere ao Islã, mas se constitui em contribuição de profundidade para o debate inter-religioso, naquilo que diz respeito à Ecologia e à gestão ambiental. O autor aborda o tema levando em conta a Teologia Islâmica da Criação e faz uma releitura do Hadith, ou “Ditos de Maomé”, de Al-Bukhari.

Sérgio da Mata apresenta o pensamento do sociólogo Thomas Luckmann, bem como as críticas dirigidas à sua perspectiva analítica. Luckmann, ao entender a religião como expressão da condição humana é, segundo o pesquisador, de grande relevância para os estudiosos das religiões, abrindo-lhes novas possibilidades de reflexão sobre o tema.

Paulo Valadares apresenta em seu artigo duas biografias, a do filósofo checo judeu Vilém Flusser, que em 1940 chegou refugiado ao Brasil, denominada Bodenlos: uma auto-biografia filosófica, e a do cabalista Romy Fink, personagem de Bodenlos, que Flusser escolhe para discutir o Judaísmo.

João Marcos Leitão e Elza Cardoso Soffiatti estudam a participação da Igreja Católica entre os anos de 1977 e 1989, enquanto “sujeito religioso e ator político”, na sociedade. Os autores analisam como a instituição entendeu a democracia brasileira, através de quatro documentos da CNBB, no intuito de compreender o seu posicionamento efetivo naquele momento histórico.

Raul Vítor Rodrigues Peixoto realiza um trabalho de História Comparada, abordando as tradições apocalípticas iranianas (zoroastristas) e também as judaicas, no que diz respeito à prática do “ordálio universal”. O tema em questão é pouco estudado no Brasil e lança uma luz no debate sobre a influência do zoroastrismo na religião judaica e também no cristianismo.

Maria Thereza de Queiroz Guimarães Strôngoli e Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto apresentam uma pesquisa que faz uso de um vasto instrumental teórico que inclui semiótica do espaço, a pragmática linguística, a antropologia do imaginário e a hierofania, utilizando-o para análise do desenvolvimento das correntes religiosas no cristianismo. As autoras enfatizam principalmente as interações entre práticas e crenças.

Renata Rozental Sancovsky estuda os judeus conversos durante o período visigodo na Península Ibérica, durante o século VII. Sua análise conduz à evidência da gênese do marranismo ibérico no século em questão, no contexto de resistência cultural exercida pelos judaizantes.

Como é possível observar, por meio deste dossiê a Sæculum oferece a seu público uma grande variedade de temas que convidam a uma leitura atenta e reflexiva. Complementam o tema do dossiê as resenhas de Alfredo Bronzato da Costa Cruz, sobre o livro Guerra Santa, de Philip Jenkins; e de Angelo Assis, sobre O momento da Inquisição, de Sonia Siqueira; bem como as entrevistas feitas com o pesquisador italiano Riccardo Burigana e com a professora Sonia Siqueira.

Esta edição da Sæculum traz também três artigos em sua seção de textos livres: Jane Semeão e Silva aborda a ação feminina no esforço de guerra empreendido em Fortaleza na primeira metade dos anos de 1940; Paulo Rodrigo Haiduke analisa a viabilidade do uso de romances nas pesquisas históricas; e por fim, Ronaldo Cardoso Alves discute o conceito de consciência histórica em Reinhart Koselleck. José Inaldo Chaves Júnior apresenta, por sua vez, uma resenha de A era das conquistas, de Ronald Raminelli.

Desejamos a você, leitor, uma agradável jornada por estes textos que se juntam ao acervo de nossa revista, cada vez mais plural e aberta aos diferentes enfoques da História e da Cultura Histórica.

A Comissão Editorial.


Comissão Editorial. Editorial. Sæculum, João Pessoa, n.30, 2014. Acessar publicação original [DR]

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