História e visualidade no Brasil | Projeto História | 2021

O número 71 da Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História, da PUC/SP é dedicado as complexas relações entre a História e as visualidades no Brasil em diferentes períodos, regiões, grupos étnicos, registros e linguagens. Seguindo Michael Baxandall, interessou-nos uma história “historiadora” da arte, capaz de contemplar o contexto material de cada época, assim como as condições mentais, estéticas e culturais, atentos aos meios institucionais de produção e recepção das artes, em que as interfaces com o Estado e com públicos diversos fossem contemplados. As imagens e as obras de arte possibilitam um caminho de reflexão próprio que contribui para o estabelecimento de narrativas históricas plurais e diversas.

Abrimos o dossiê com o artigo de Elaine Dias e Natália Cristina de Aquino Gomes, intitulado O ateliê como autorretrato do artista: afirmação e tragédia nas artes e nos romances literários brasileiros, analisa as múltiplas facetas da representação do artista no ateliê em diferentes campos, como a arte, a literatura internacional e, ainda, a partir de exemplos brasileiros. Neste estudo, as autoras buscam explorar as intenções e diferenças que se podem verificar na composição dos artistas de suas imagens, mostrando como o local de trabalho dos artistas é também uma maneira de entender seu processo de criativo e modo como o local ocupado pelo artista na divisão social do trabalho é estabelecido.

Em seguida, apresentamos Entre museus e tubarões: Gontran Guanaes Netto e a estética nacional-popular (1950-1969), Leandro Candido de Souza analisa os primeiros anos da produção artística e cultural de Gontran Guanaes Netto desde sua chegada a São Paulo, em 1950, até sua partida para o exílio em Paris, no fim de 1969. O autor busca demonstrar como as atividades de Guannaes Netto durante esse período integravam um projeto político e cultural em contraposição à oligopolização mercantil da arte promovida pela financeirização transnacional dos mercados artísticos latino-americanos após a II Guerra Mundial.

As mostras da galeria de fotografia da Funarte: o trânsito das imagens entre as páginas do jornal e o campo das artes visuais, de Charles Monteiro, é o próximo artigo. Nele o autor busca refletir sobre o processo de reorganização e institucionalização do campo da fotografia no Brasil, a partir da análise de três das primeiras mostras da Galeria de Fotografia da FUNARTE, realizadas entre os anos de 1979 e 1980. O artigo também fornece informações sobre o desenvolvimento da fotografia no Brasil e explora as tensões entre a fotografia documental e uma fotografia que se pretende artística.

Na sequência está O Instagram como lugar de conflito entre a fotografia arte e todas as demais manifestações fotográficas que permeiam esta rede social, Juliana Andrade Leitão problematiza a imagem fotográfica e suas relações com o universo artístico a partir de perfis da rede social Instagram. Nesse trabalho a autora debate questões relacionadas ao campo da imagem fotográfica produzida atualmente, sem deixar de lado as discussões acerca da ontologia da imagem técnica. O artigo convida à reflexão sobre o modo pelo qual as redes sociais mudam a relação da sociedade com as imagens.

Em seguida, apresentamos o texto de Rafael Tassi Teixeira, intitulado Cena do crime, fotografia e memória em Evidências e Survivors. O artigo analisa dois projetos fotográficos com imagens de sobreviventes e objetos relativos aos campos de concentração nazistas. O objetivo do trabalho é o de abordar a fotografia contemporânea a partir de um duplo aspecto: o gesto de expor no objeto fotografado remanescente à tentativa de apagamento; e o trabalho do fotógrafo frente ao efeito da nova corporalidade pela técnica do retrato em grandes proporções.

Já no artigo “Cinema negro”: trajetórias e perspectivas estéticas em entrevistas de história oral com três artistas, assinado por Samuel Silva Rodrigues de Oliveira; Erickson dos Anjos Amaral e Roberto Carlos da Silva Borges, os autores recorrem à metodologia da história oral e aos debates sobre memória social para reconstituir a trajetória de três produtores culturais brasileiros. O texto busca explicitar as diferentes formas como esses personagens se relacionam com o Centro Afrocarioca de Cinema, bem como com o “cinema negro”, uma concepção política e estética do campo cinematográfico brasileiro a partir dos anos 2000, para apontar os caminhos que a luta antirracista vem seguindo no cinema e audiovisual brasileiro.

Para encerrar o dossiê escolhemos o artigo de Yvone Dias Avelino e Bruno Miranda Braga, intitulado Visualidades da floresta: o Amazonas na Exposição Universal – Chicago, 1893. Nele os autores apresentam o contexto histórico da cidade de Manaus em fins do século XIX a fim de analisar a construção do discurso de modernidade e da visualidade do estado do Amazonas no álbum The city of Manáos and the country of rubber tree, distribuído como souvenir durante a Exposição Universal de Chicago em 1893. A partir dessa análise, os autores afirmam ser possível identificar no álbum os diferentes discursos que circulavam no Brasil e no mundo acerca da cidade de Manaus e do estado do Amazonas em fins do Oitocentos.

Artigos Livres

Abrimos o espaço dedicado aos artigos livres com o texto de Robert Mori, intitulado À luz de documentos e memórias: uma nova interpretação histórica dos Araxá – os indígenas da terra “onde primeiro se avista o sol”. Neste artigo o autor se propõe a analisar fontes documentais do século XVIII, em conjunto com a produção dos memorialistas, cotejando toda essa documentação com a lenda da Catuíra, narrativa que circunscreveu a história dos indígenas Araxá durante os séculos XIX e XX. O resultado dessa análise aponta não só para uma nova interpretação da história desse grupo indígena, mas também para uma aproximação entre os Araxá e os Kayapó do sul.

O segundo artigo livre, Entre memórias e conflitos: a comunidade negra rural de Helvécia e o reconhecimento como remanescente quilombola, assinado por Ramom Pereira de Jesus Moreira; Felipe Eduardo Ferreira Marta e Estefânia Knotz Canguçu Fraga, se propõe a problematizar questões concernentes ao reconhecimento quilombola por moradores da comunidade negra rural de Helvécia, localizada no extremo sul da Bahia, como forma de preservação cultural e física do espaço que ocupam. A partir da análise de narrativas orais cedidas por moradores dessa comunidade, os autores discutem questões ligadas à memória coletiva; à escravidão negra e a resistência dos escravizados no âmbito das lutas fundiárias empreendidas por comunidades negras.

O próximo artigo, assinado por Fernanda Domingos Pinheiro, recebeu o título de “Injustamente possuídos como escravos”: embates jurídicos em torno da liberdade dos indígenas e seus descendentes (Mariana/MG, segunda metade do século XVIII). Nele a autora analisa as formas de exploração da mão-de-obra indígena, em especial a escravidão, apontando que tal forma de exploração não se limitou à experiência africana e, tampouco, foram extintas com a promulgação de leis gerais de libertação dos indígenas e seus descendentes. A partir do exemplo da cidade de Mariana, núcleo de mineração no interior da América portuguesa, a autora demonstra como os dispositivos legais não garantiram liberdade a todos, mas, por outro lado, influenciou os processos de redução ao cativeiro e a resistência a eles na segunda metade do século XVIII.

Já em Estratégias do subúrbio: a experiência do Sport Club Mackenzie (Rio de Janeiro; 1914-1932), de Victor Andrade de Melo e Bruno Adriano Rodrigues da Silva, os autores partem da análise de jornais e revistas cariocas das décadas de 1910-30 para discutir de que modos a experiência do Sport Club Mackenzie se fixou como estratégia para combater estigmas e apresentar formas de se portar ligadas a projetos de valorização local do bairro do Méier, no Rio de Janeiro.

Em seguida, temos o trabalho de Marcos Lobato Martins, Medicina e política em uma cidade imperial: Joaquim Vieira de Andrade no Serro (MG). Neste artigo o autor analisa a trajetória profissional e política de Joaquim Vieira de Andrade, médico radicado na cidade do Serro, em Minas Gerais, na segunda metade do século XIX. A partir do cruzamento de textos produzidos por memorialistas e documentos dos arquivos da Câmara Municipal de Serro, do hospital de Santa Tereza e matérias publicadas pela imprensa local e regional, o artigo problematiza as razões por trás da transformação desse médico em figura emblemática da ordem local durante o bicentenário da cidade, em 1914, momento em que o município tentava recuperar a proeminência regional em meio a um contexto nacional de modernização econômica, social e urbana.

Para fechar a seção de artigos livres escolhemos o trabalho de Glauber Cícero Ferreira Biazo, que recebeu o título de A trajetória acadêmica de Franklin Leopoldo e Silva: história, memória e tensões do tempo. Neste artigo o autor analisa uma entrevista inédita realizada com o professor Dr. Franklin Leopoldo e Silva na qual busca descortinar o modo como esse docente acabou por produzir uma memória narrativa em que reconstruiu suas experiências acadêmicas entre 1960-2010 na qual dá forma a uma identidade acadêmica vinculada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Entrevista

O volume 71 da Projeto História traz uma entrevista feita pelas investigadoras Bethânia Santos Pereira e Patrícia Oliveira com Kleber Antonio de Oliveira Amancio, professor adjunto na Universidade Federal do Recôncavo Baiano, na cidade de Santo Amaro, desde 2017. Amancio é docente do curso de Ensino Interdisciplinar em Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas, onde ministra disciplinas sobre arte, história e cultura afro-brasileira. Nesta entrevista, realizada por conferência virtual em 8 de março de 2021, o professor Amancio apresenta sua visão sobre os estudos de história da arte no Brasil, num diálogo instigante com reflexões a partir do local da raça e das relações raciais.

Resenhas

Este volume traz ainda duas resenhas: a primeira, de Ana Júlia Pacheco, intitula-se Cidadania e sociabilidades: populações de origem africana em Florianópolis/SC (1920-1950), na qual a autora faz uma análise da obra Samba, caneta e pandeiro: cultura e cidadania no sul do Brasil, de Karla Leandro Rascke, publicada em 2019 pela editora CRV, de Curitiba. Já a segunda resenha traz o texto intitulado Imigração, Crime e Justiça, de Júlia Leite Gregory, em que se apresenta a publicação em língua inglesa da versão reduzida da tese de doutorado de Maíra I. Vendrame, defendida em 2013, e publicada no ano passado, por Routledge/Taylor & Francis Group, sob o título de Power in the village: social networks, honor and justice among immigrant families from Italy to Brazil.

Notícia de Pesquisa

Por fim, interessada em valorizar pesquisas de jovens investigadores, a Projeto História mantém, há muitos anos, a seção Notícias de Pesquisas, espaço cujo objetivo é valorizar a produção de pesquisas em andamento. Neste número trazemos a pesquisa intitulada A pena de galés na capital paulista (1830-1850): uma pena de trabalho forçado na cidade de São Paulo, de Alex de Jesus dos Santos. Nela o autor apresenta o tema de sua dissertação de mestrado, recém defendida pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, na qual discute e problematiza a pena de galés na cidade de São Paulo entre os anos de 1830-50. A pesquisa traz interessantes reflexões acerca da condenação de homens livres e escravizados a galés, bem como as implicações dessa pena para a cidade de São Paulo a partir de sua utilização pela Câmara Municipal.


Organizadores

Alberto Luiz Schneider – Professor de História do Brasil na PUC/SP. É doutor em História pela Unicamp. Tem Pós-doutorado no Kings College London e no Departamento de História da USP. É Autor de Capítulos de História Intelectual (Alameda, 2019).


Felipe Sevilhano Martinez – Doutor em História da Arte pela Unicamp e pesquisador de pós-doutorado no MAC-USP. Atua como professor de História da Arte no MASP. Foi pesquisador do Nederlands Instituut voor Kunstgeschiedenis (RKD), na Holanda. É membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) e da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte)

Referências desta apresentação

SCHNEIDER, Alberto Luiz; MARTINEZ, Felipe Sevilhano. Apresentação. Projeto História. São Paulo, v. 71, p. 3- 8, mai./ago. 2021. Acessar publicação original [DR]

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