História, Leitura & Cultura Midiática | ArtCultura | 2014

Neste minidossiê, o leitor encontrará dois artigos e um depoimento originados de conferências proferidas na XIX Semana de História da Unesp/ Franca – História, Leitura e Cultura Midiática. 1 Inéditos, esses textos, aos quais se acrescentou outra colaboração afinada com a temática geral2 , trazem reflexões sobre os impressos no âmbito da história da leitura, seja ela do livro ou do jornal.

Esta história carrefour, como diz Jean-Yves Mollier, está situada nos cruzamentos de vários campos de investigação e conquistou crescente espaço nos últimos anos. O século XIX apresentou um fenômeno de multiplicação de artefatos culturais até então desconhecido que atingiu seu auge no século XX e gerou consequências para a formação da sociedade atual. Ainda que em boa parte do mundo o grande público não existisse, foram erigidos os pilares do que podemos chamar cultura midiática. Abordagens recentes têm defendido o necessário estudo de tópicos que vão de questões acerca da periodização até indagações sobre a circulação de imaginários, suportes e formatos, bem como das transferências culturais em escala regional e mundial, passando pelas implicações históricas, culturais, políticas e sociais desse processo. As contribuições oferecidas no minidossiê se orientam por essa perspectiva.

O texto “Das culturas populares à cultura midiática”, de Dominique Kalifa, discorre sobre o caráter universal do ascendente mercado editorial. Estabelecendo relações entre o conceito de cultura midiática e de cultura popular, o autor localiza no início do século XIX o momento de mutações decisivas para a emergência da sociedade integrada pelos meios de comunicação. Ele indaga se o conceito de cultura midiática se apresenta como alternativa a uma visão negativa ao substituir as noções de “popular” e de “massa” pela referência a uma sociedade calcada na comunicação mediada, não necessariamente alienante. Tal visão possibilitaria sair da generalização para uma compreensão polifônica e fragmentada de cultura. Kalifa ainda adverte que o debate chega tarde no domínio dos historiadores, em meados do século XX, sendo que dessas preocupações originais se delineia uma nova história da leitura, que, ao enfatizar as esferas da circulação e da recepção, foge da visão tradicional mais focada na cultura hegemônica, em detrimento da diversidade e coexistência de várias culturas.

É sob essa ótica que se abre nosso artigo “Primórdios da história do sensacionalismo no Brasil: os faits divers criminais, que toma um objeto desprezado pela história pela sua dupla ligação com cultura popular e com evento, no sentido pejorativo que se deu a esse termo. Com foco no noticiário criminal, o processo de consolidação de uma sociedade regida pela cultura midiática é aqui relacionado com o surgimento das estratégias sensacionalistas que propiciaram a ascensão de novos gêneros como o fait divers em jornais brasileiros.

Loïc Artiaga, por seu turno, no texto “‘Em busca…’ da história da circulação das ficções de grande consumo”, enfoca a expansão do mercado do impresso em perspectiva mundial. Ele tece uma comparação espaçotemporal entre o romance popular Fantômas, de Pierre Souvestre e Marcel Allain, que obteve considerável sucesso no início do século XX, e o primeiro volume do romance erudito À la recherche du temps perdu, intitulado Du côté de chez Swann, do estreante Marcel Proust. Com base em uma análise quantitativa, o autor lega ao leitor uma fina interpretação qualitativa, demonstrando como os ritmos da produção e da circulação são alterados pela esfera da recepção. Ao mesmo tempo, Artiaga instiga os historiadores, com seu exemplo, a lançarem mão dos novos recursos disponibilizados pelos avanços tecnológicos na área da informática. Ao aproveitar-se da extensa digitalização de obras que torna tais fontes mais acessíveis, ele se utiliza da ferramenta Google NGram, a qual permite a extração de conteúdo do hipertexto, fornecendo dados até então não disponíveis pelos métodos de pesquisa convencionais. Orientando-se por reflexões presentes no campo das digital humanities, Artiaga estimula o uso das bases de dados e/ou de acervos que se encontram on-line para traçar quadros, tabelas e gráficos que possam subsidiar a análise qualitativa.

No fecho do minidossiê, Jerusa Pires Ferreira nos brinda com um depoimento em que conta sua trajetória em torno do universo impresso popular no qual narrativas tradicionais se misturam a inovações editoriais em busca do leitor desconsiderado pela dita literatura canônica. E é seu conceito de “cultura das bordas” que se enuncia aqui como a linha que costura os caminhos multifacetados por que enveredou a erudita professora em sua pesquisa de campo marcado pelo contato com editores populares – célebres desconhecidos, ignorados pela história oficial da literatura, e por ela revelados para o refratário mundo acadêmico. Pioneira, poetiza em sua escrita, irreverente em seus métodos: mais que trajetória de pesquisa, seu depoimento é um retrato dos desafios enfrentados por todos aqueles que se embrenham pela pesquisa do popular sem cair nas armadilhas dos estigmas ou de meras simplificações.

Notas

1 Realizada em setembro de 2013. Os textos originais das conferências não foram publicados nos anais do evento e aqui se encontram três deles em versões revisadas e ampliadas.

2 De autoria da organizadora do minidossiê.


Organizadora

Valéria Guimarães – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professora dos cursos de graduação e pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista (UnespFranca). Autora do livro Notícias diversas: suicídios por amor, leituras contagiosas e cultura popular em São Paulo dos anos dez. Campinas: Mercado de Letras, 2013. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

GUIMARÃES, Valéria. Entre os impressos e a história da leitura. ArtCultura. Uberlândia, v. 16, n. 29, p. 87-88, jul./dez. 2014. Acessar publicação original [DR]

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