História & Rádio | ArtCultura | 2012

Num momento em que se comemoram os 90 anos da primeira transmissão radiofônica no Brasil (07 de setembro de 1922) e a fundação da primeira estação de rádio, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (20 de abril de 1923), este minidossiê sobre a cultura radiofônica apresenta novos argumentos e abordagens em torno do seu significado histórico e as mediações socioculturais advindas da sua consolidação ao longo do século vinte, com especial atenção ao papel desempenhado pelo chamado “público ouvinte”.

Em “A ‘universidade popular invisível’: projetos, ações e aproximações entre Brasil e Itália nas experiências de educação a distância pelo rádio (1930-40)”, de autoria de Newton Dângelo, apresentam-se resultados de investigações realizadas no Brasil e na Itália a respeito de aproximações e contatos mantidos entre dirigentes, intelectuais e agências governamentais dos dois países, num momento em que a popularização da mídia radiofônica tornava-se alvo de investidas nacionalizantes e moralizadoras de costumes a distância. Essas iniciativas, no caso do Brasil, foram analisadas à luz da criação e atuação de órgãos governamentais e privados, tais como a Confederação Brasileira de Radiodifusão (1933), o Serviço de Radiodifusão Educativa (1938), o Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP (1939), além de serem abordados os estudos a respeito da musicalidade nacional, acolhidos no I Congresso da Língua Nacional Cantada sediado em São Paulo (1938). As experiências italianas foram recolhidas sobretudo da fundação do Eiar (Ente Italiano de Audição Radiofônica) na década de 1930, responsável pela programação de rádio, sob vigilância e participação do Partido Nacional Fascista (PNF) e de outras organizações fascistas. O Eiar, por meio do ente Radio Rurale, disciplinava e incentivava a instalação e uso de alto-falantes e aparelhos receptores no interior (regiões, províncias, pequenas cidades e no meio rural), seja em praças e locais públicos, seja em escolas urbanas e rurais, para divulgação da “cultura fascista”. Nos dois contextos enfocados, embora se verifique uma efetiva implantação de sistemas de recepção em escolas e vilarejos italianos, constatam-se evidentes indícios de dificuldades técnicas (ausência de energia elétrica em grande parte das áreas rurais), desestímulo proveniente da falta de apoio financeiro estatal e privado, altos custos dos aparelhos e uma programação em que prevaleciam conferências e irradiação de atos cívicos e tentativas de disciplinar a música popular radiofonizada.

Em “’A cor local’: rádio e artistas da música popular em Belém nas décadas de 1940 e 1950”, Antonio Maurício Dias da Costa trata da produção de representações sobre a difusão musical na capital paraense nos anos 1940 e 1950 por intermédio de programas de rádio. As representações em foco se constituíram historicamente a partir de discursos jornalísticos do período e da memória de músicos que atuaram na cena musical da chamada “era do rádio”. A pesquisa tematiza a ideia de “cor local”, isto é, a peculiaridade regional dos cruzamentos entre música e rádio. Contudo, a visão de uma cena musical regional desenvolveu-se à sombra das influências das grandes emissoras do sudeste do país, dos cantores do rádio e dos discos. Utilizando como fontes centrais a imprensa periódica do Pará, depoimentos orais e capas de discos, o autor expõe um panorama musical de experiências locais, regionais e nacionais entrecruzadas:

Percebe-se, assim, que a idéia de uma “música paraense”, com espaço cativo no rádio local, era algo realmente nebuloso. Tratava-se de uma cena musical definida pelo intercâmbio com as influências externas e, ao mesmo tempo, com a recepção musical praticada tanto nos auditórios de rádio, teatros, clubes elegantes como nos serviços de alto-falantes, bares e clubes de subúrbio. Havia, então, um cenário heterogêneo na cidade em que a difusão e o consumo musical eram feitos por diferentes “porta-vozes”, alguns dos quais faziam parte dos casts das emissoras e buscavam o estrelato seguindo o roteiro trilhado pelos cartazes nacionais das rádios do sudeste.

Orientando-se pela teoria semiótica da cultura e da mídia e suas interfaces com as teorias do consumo, o artigo de Mônica Rebecca Ferrari Nunes, sob o título “Rádio e fado: biografias de sons e lembranças” privilegia o diálogo entre a permanência e as transformações da programação radiofônica, em São Paulo, com a história da imigração portuguesa para a cidade paulista, a história de vida de seus ouvintes, representada pela biografia de uma das entrevistadas, e a discussão do consumo simbólico e afetivo do fado que fala à memória sonora do imigrante para reconstruir imaginária e simbolicamente seu lugar de origem. Ao contemplar o universo do ouvinte como protagonista da história do rádio com base em suas memórias, a autora afirma:

No caso dos programas portugueses, no rádio, uma série de elementos vocais provocam, além do revivescimento da voz registrada, manipulada e repetida, certa insurgência; vozes de velhos quebram o silêncio: locutores fadistas ou radialistas há anos no ar, envelhecendo com grande parte de seus ouvintes; em programas ao vivo, convivem com intérpretes atemporais, a exemplo de Amália Rodrigues, convocada a todo tempo por boa parte do público.

Convidamos o leitor a sintonizar suas antenas nessas três narrativas radiofônicas, reveladoras de importantes transformações culturais e políticas protagonizadas no âmbito do rádio, as quais, para serem lidas e interpretadas, foram buscadas nas memórias de ouvintes, empresários, artistas e técnicos.


Organizador

Newton Dângelo – Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP). Professor do Instituto de História e do Programa de Pós-graduação em História. Autor, entre outros livros, de Vozes da cidade: rádio e cultura popular urbana em Uberlândia-MG/1939-1970. Uberlândia: Edufu, 2012. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

DÂNGELO, Newton. Nas ondas do rádio e da história. ArtCultura. Uberlândia, v. 14, n. 25, p. 137- 138,  jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

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