Histórias da pobreza no Brasil | Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardozo e Tiago da Silva Cesar

Jose Carlos da Silva Cardozo Imagem PPHGUnisinos
José Carlos da Silva Cardozo | Imagem: PPHG/Unisinos

A obra Histórias da pobreza no Brasil é resultado de um trabalho coletivo de historiadores e historiadoras preocupados com estudos da pobreza. Coletânea organizada por Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardozo e Tiago da Silva Cesar, a obra reúne pesquisas que abordam a história da pobreza no Brasil como fenômeno social e histórico que possui historicidade. Apresentando diferentes interpretações do tema, o livro tem o objetivo de pensar a materialidade e a construção de representações e discursos sobre a pobreza.

Os quatorzes textos da coletânea abordam espaços e contextos históricos diversos, em diferentes localidades do Brasil, e a partir de perspectivas de análise diferenciadas. Para essa multiplicidade de análise, observa-se nas pesquisas o trabalho investigativo com diferentes fontes documentais, como, por exemplo, investigações a partir de leis, processos judiciais, jornais, obras literárias, relatórios da administração pública etc. São propostas de estudo relevantes para a reflexão da pobreza no Brasil. A partir de uma História Social da pobreza, são trabalhadas questões referentes às estratégias de sobrevivência e o desenvolvimento de redes de sociabilidade, de modo a proporcionar interpretações amplas do tema.

No capítulo intitulado Sonhar e morrer por Dom Sebastião: história e cotidiano dos trabalhadores pobres e rebeldes do Rodeador (Pernambuco – 1820), o historiador Flavio José Gomes Cabral trata da história dos trabalhadores pobres e rebeldes que viviam no sítio do Rodeador, próximo ao povoado do Bonito, na capitania de Pernambuco, no início do século XIX. Partindo da análise de um amplo conjunto de fontes, contando a documentação com centenas de depoimentos de homens e mulheres que habitavam naquela localidade, o autor resgata trajetórias de vida de trabalhadores pobres. Por meio dos depoimentos, Cabral analisa reações daquelas pessoas em denúncias do aumento dos preços e da carestia dos gêneros de primeira necessidade, insatisfações essas que dimensionam as tensões sociais naquele período, investigando ainda relações sociais amplas que envolviam as deserções no sítio do Rodeador, a vida da população pobre no processo de Independência do Brasil, e os enfrentamentos contra a carestia, as injustiças sociais e, inclusive, o sistema de recrutamento de tropas.

Destacando o aumento significativo de produções historiográficas sobre as pessoas comuns, além de apontar importantes pesquisas e temáticas trabalhadas pela historiografia brasileira, o estudo do historiador Divino Marcos de Sena sobre a população livre e pobre na província de Mato Grosso da primeira metade do século XIX é visto no capítulo intitulado Pobres e pobreza na província de Mato Grosso. Em sua investigação feita a partir de fontes diversas produzidas no século XIX, Sena analisa a presença da população pobre, suas condições de vida, além de participações políticas e aspectos do cotidiano de trabalho.

Casebres de próprios arquitetos no sertão: a casa e o domicílio pobre em Minas Gerais nas narrativas de Auguste de Saint-Hilaire é o título do capítulo do historiador José Newton Coelho Meneses. Em sua pesquisa, Meneses busca refletir sobre a casa e a intimidade domiciliar do pobre a partir das narrativas memorialísticas de Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), viajante e naturalista francês que produziu anotações em sua viagem ao Brasil no início do século XIX. A narrativa daquele viajante teve parte de sua atenção no domicílio dos pobres, de modo que o capítulo analisa a narrativa do naturalista francês a partir de sua dimensão humana e domiciliar, problematizando a concepção de pobreza de Saint-Hilaire.

Apresentando sua pesquisa sobre a saúde pública brasileira na Primeira República e a organização da saúde pública em São Luís, no estado do Maranhão, a historiadora Maria da Conceição Pinheiro de Almeida analisa como as moradias de camadas subalternas da população urbana eram consideradas ambientes insalubres e produtores de doenças. Com o capítulo “Porões, sótãos e palhoças”: as moradias dos pobres sob a mira do Serviço Sanitário em São Luís/MA nos primeiros anos da República, Almeida investiga o processo de elaboração de políticas de saúde pública voltadas para a exclusão da população pobre do convívio com as elites. Dessa forma, a legislação é vista como uma forma do poder público coagir os pobres a cumprir normas de higiene, meio violento de reorganização dos modos e locais de moradia daquela população.

No capítulo Nas trilhas dos rios: indícios da pobreza na Amazônia Ocidental (1850-1880) a historiadora Josali do Amaral investiga o processo histórico de intensificação da pobreza no norte amazônico, problematizando políticas do Império do Brasil de modificação das relações de produção. Nesse sentido, analisa Amaral os documentos da Presidência da Província do Amazonas, criada em 1850, examinando fatores que levaram ao empobrecimento da população, de modo a explorar dimensões de violência e resistência no processo de modernização da sociedade amazônica. A partir da leitura a contrapelo da documentação, a autora observa conflitos vivenciados naquele momento, entre agentes do Estado e as comunidades locais, evidenciando uma dialética entre processo civilizatório e a resistência amazônica.

Os refugiados da seca que ocuparam a cidade de Fortaleza entre os anos de 1877 e 1880 é tema da pesquisa do historiador Frederico de Castro Neves, no capítulo intitulado A “capital de um pavoroso reino”: Fortaleza e a seca de 1877. A pesquisa de Neves buscou realizar uma análise histórica das crônicas do escritor Rodolpho Theóphilo (1863-1932), além de fontes diversas, resgatando experiências e conflitos vivenciados por agricultores pobres sem terra e moradores da cidade de Fortaleza. Nesse processo, o autor investiga o conflito entre uma cultura urbana em expansão e uma estrutura agrária tradicional, atentando para como a seca impactou nessas relações.

Analisando a prática peticionária de presos da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, na segunda metade do século XIX, o historiador Tiago da Silva Cesar examina no capítulo A linguagem e as imagens da pobreza nas petições de encarcerados sul-rio-grandenses (1850-1888) as petições de encarcerados como fonte histórica que possibilita resgatar histórias de homens e mulheres que buscavam meios de lutar pela liberdade. Com efeito, Cesar compreende o instrumento peticionário como uma arena de disputas por direitos civis, pelo cumprimento e alargamento das leis e direitos. Em vista disso, o capítulo analisa a narrativa suplicante, evidenciando como os encarcerados se utilizavam de linguagens e imagens da pobreza e da miséria ao reivindicar garantias constitucionais e direitos assegurados.

No capítulo Reflexões sobre a pobreza num espaço fronteiriço do extremo sul da América portuguesa (Porto Alegre, XVIII e XIX), os historiadores Denize Terezinha Leal Freitas e Jonathan Fachini da Silva apresentam discussões sobre pobreza e riqueza, partindo do uso do termo “pobre” como categoria de análise. Os autores buscaram mapear a população livre e pobre de Porto Alegre entre os séculos XVIII e XIX, partindo da perspectiva da História da Família. Para esse estudo, foi utilizada a documentação eclesiástica como fonte histórica, composta de registros paroquiais e róis de confessados, documentos cartoriais e da Câmara.

A importância de estudos recentes sobre a presença negra no território meridional brasileiro é discutida por Paulo Roberto Staudt Moreira no capítulo “Cala a boca negro, não quero aqui barulho”: vivências de forros na plurirracial sociedade escravista meridional (Brasil, RS, séc. XIX). O capítulo busca analisar os egressos de cativeiro a partir da temática da pobreza, utilizando como fonte histórica um documento judicial que trata de um caso entre um forro e um europeu no mercado público de Porto Alegre, no século XIX, além de evidenciar a presença de outros sujeitos naquele conflito. Por meio disso, o autor discute linguagens sociais e culturais que são expressas no documento, ao passo que examina a defesa de direitos por parte do africano Pedro Garibaldi, sua trajetória de vida e redes comunitárias que ele construiu.

Com o título Negros filhos da mistura: a representação das identidades negras e mestiças nos jornais “O Marabá” e o “Correio do Tocantins” (1913-1983), o historiador Arilson dos Santos Gomes investiga a história da população negra na cidade de Marabá, no estado do Pará, entre os anos de 1913 e 1983. Partindo disso, o capítulo problematiza como as identidades negras eram representadas nos jornais “Correio do Tocantins” e “O Marabá”, examinando como a imprensa tratava as identidades formadoras do município.

As crianças órfãs da cidade de Porto Alegre no início do século XX é o título do capítulo do historiador José Carlos da Silva Cardozo, autor que trabalhou em sua pesquisa com os processos judiciais de tutela, documentação produzida pelo Juízo dos Órfãos, instituição que atuou de 1806 até 1933 em Porto Alegre, sendo responsável pelos menores de idade naquele município. Com isso em vista, Cardozo analisa percepções do início do século XX, acompanhando situações vivenciadas por menores. Desse modo, o capítulo contribui para o estudo do processo de modernização do espaço urbano, refletindo sobre como este processo impactou diretamente os modos de viver e trabalhar da população pobre.

O capítulo Olhares sobre a pobreza e a urbanização no Brasil na transição do século XIX para o XX: uma prospecção bibliográfica apresenta um estudo bibliográfico do historiador Fabiano Quadros Rückert sobre a historiografia da urbanização e da pobreza no Brasil. Assim, observando a pobreza enquanto fenômeno social, Rückert problematiza como a pobreza urbana na transição do século XIX para o XX é discutida pela historiografia, refletindo sobre a vida dos pobres nas cidades por meio de diferentes abordagens e perspectivas de análise, atentando ainda para experiências heterogêneas e variações regionais no processo de urbanização brasileira.

A partir da pesquisa em periódicos e imagens, o historiador Alfredo Ricardo Silva Lopes discute estratégias de mulheres, homens, crianças e idosos para sobreviver aos desastres, intempéries climáticas, no sul do estado de Santa Catarina. No capítulo intitulado Desastres e pobreza: uma História Social da enchente de 1974 em Santa Catarina, Lopes investiga transformações nas relações sociais em decorrência de uma série de enchentes e deslizamentos no ano de 1979 em Santa Catarina, pontuando a historicização dos desastres ocorridos naquela região em relação às dinâmicas do ambiente, além de examinar como os periódicos retratavam as pessoas afetadas e as ações governamentais.

Pensando a escrita biográfica e os autores como campo de pesquisa, no capítulo intitulado A geopolítica da fome: Josué de Castro e um livro que viajou o mundo em tempos de Guerra Fria, o historiador Helder Remigio de Amorim tem o objetivo de analisar relações entre a vida e a obra de Josué de Castro (1908-1973), autor que produziu estudos e debates sobre condições alimentares da sociedade brasileira. Assim, destacam-se as obras Geografia da Fome (1976) e Geopolítica da Fome (1951), ambas abordando o fenômeno da fome a partir das relações sociais. Nesses termos, Amorim problematiza a circulação, as proposições e as dimensões das obras, dimensionando a importância da vida e trajetória de pesquisas de Josué de Castro.

A coletânea apresenta importantes contribuições teóricas e metodológicas sobre a temática da pobreza a partir da abordagem da História Social. Essa publicação proporciona o contato com discussões em construção que propõem e articula o debate com diferentes fontes, métodos e abordagens que oferecem ao leitor relevantes interpretações históricas acerca das experiências, trajetórias e modos de vida de homens e mulheres pobres em diferentes regiões do Brasil.

Resenhista

Avelino Pedro Nunes Bento da Silva – Doutorando em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Graduado em História (2018) e Mestre em História (2021) pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), através do Programa de Apoio à Pós-Graduação Stricto Sensu (POSGRAD). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6051-6322

Referências desta Resenha

RÜCKERT, Fabiano Quadros; SILVA, Jonathan Fachini; CARDOZO, José Carlos da Silva; CESAR, Tiago da Silva (Orgs.). Histórias da pobreza no Brasil. Rio Grande: Editora da FURG, 2019. Resenha de: SILVA, Avelino Pedro Nunes Bento da. História social da pobreza no Brasil: fontes, métodos e interpretações. Projeto História. São Paulo, v. 73, p. 381- 386, jan./abr. 2022. Acessar publicação original [DR]

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