Historiografia Colonial | Revista Ultramares | 2012

Ao contrário do que muitos pensavam, Pedro Álvares Cabral sabia exatamente o que iria encontrar quando recebia a missão de chegar às Ìndias e realizar uma parada nas terras portuguesas referendadas pelo Tratato de Tordesilhas de 1496. Evidentemente que a grandiosidade do território, a diversificação da flora e fauna, bem como as peculiaridades dos nativos nem passava por seu imaginário, mesmo com todos os relatos reais e fantasiosos que assolavam os círculos de leitura e narrativas orais de viagens e expedições marítimas. No entanto, a certeza de que aqueles espaços pertenciam à monarquia portuguesa e que precisavam ser devidamente empossados pela nobreza lusa do reino era uma evidência que pode ser percebida nas linhas de seu companheiro de viagem, Pero Vaz de Caminha.

Assim, a partir daquele momento que a história das diversas populações nativas do território passava a se conectar com a história da Europa, de Portugal e a da Época Moderna. Ao mesmo tempo, nascia a História da Terra de Santa Cruz, da Terra de Vera Cruz ou, simplesmente como passou a ser chamada, a História do Brasil. Os religiosos e os viajantes foram os primeiros que se debruçaram em tal empreitada, mesmo utilizando-se de recursos de narrativas, descortinavam o território, descreviam os hábitos dos moradores e apresentavam as primeiras construções de vilas e freguesias. Como “historiadores” do passado colonial, tornaram-se fontes essenciais para os membros dos Institutos Históricos Geográficos do Brasil a fora remontarem este mesmo passado nos idos do século XIX. Afinal, (re)construir a História do Brasil naquele momento significava, obrigatoriamente, olhar para o período entre 1500 e 1822 como aquele da formação do povo brasileiro e da identidade brasílica. Sendo justamente por tais objetivos, que o mesmo órgão recolhia, transcrevia e publicava as fontes históricas e documentos primários referentes àquele período, essenciais para os pesquisadores na atualidade.

Contudo, após uma longa primazia nos interesses dos escritores sobre o passado brasílico, a história colonial entrava em um ostracismo e a realidade econômica nacional ganhava espaço na produção bibliográfica, muitas vezes culpando a experiência da colonização lusa como a responsável pelo atraso, pelo sub-desenvolvimento e pelas mazelas sociais do Brasil entre 1940 e 1980. Mas, fora exatamente no final desse quarentrênio que novas pesquisas, sobretudo após a abertura dos programas de pós-graduação, começam a emergir sobre o passado colonial brasileiro. Com novos temas, outras abordagens, metodologias inovadoras e fontes inéditas, os pesquisadores passavam a (re)visitar a experiência da colonização portuguesa na América, culminando em uma farta produção bibliográfica sobre o assunto entre o fim do século XX e início do XXI.

Talvez, o ponto de culminância disso tudo tenha sido a organização do Encontro de História Colonial, que nascia, em 2006, como regional na Paraíba, mas que nas edições seguintes já se alçava à condição de internacional e despertando interessse de pesquisadores para além do território nordestino e nacional. Como o único evento especificamente sobre História Colonial no país tem produzido largos frutos no âmbito da divulgação da pesquisa e da circulação dos debates na área. Assim, a Revista Ultramares se propõe a pegar carona nesta nau e contribuir para a ampliação destas discussões sobre a experiência colonial brasileira, tornando-se o primeiro periódico temático sobre o assunto no Brasil.

Em seu número de estréia, o Dossiê se propõe a discutir assuntos voltados para historiografia e/ou revisão de textos clássicos publicados em outras oportunidades e que precisavam de uma atualização bibliográfica, documental ou temática. Para isso, lançamos mão da discussão sobre os hereges alagoanos perseguidos pelo Tribunal do Santo Ofício (Luiz Mott); do debate sobre as missões da Província Jesuítica do Paraguai e as cartas ânuas que orientavam a conversão e instrução espiritual das populações locais (Eliane Cristina Deckmann Fleck e Odair José Fantin); e as revisões historiográficas sobre poder e administração (Erika Simone de Almeida Carlos Dias) e sobre a escravidão colonial (Fabiana Schleumer). Na seção Artigos, voltados para a discussão de temáticas livres, inicia-se o debate com a intepretação sobre as propostas ideológicas e de consciência, voltadas à moral cristã, que corroboravam para a construção da escravidão a partir das ideias de cativeiro injusto, contenção do pecado e ganhos econômicos (Maria do Rosário Pimentel); em seguida, avançando para o século XVII, a vítima deixa de ser o escravizado e passa a ser o ouvidor Cristóvão Soares Reimão, que enfrentou dificuldade em sua gestão devido à câmara da Paraíba (Patrícia de Oliveira Dias); já no século XVIII, porém no centro do território colonial (Mato Grosso), conheceremos a Missão de Santana que durante a administração de António Rolim de Moura passava a ser fundada a partir de preocupações com a localidade e a paisagem (Loiva Conova); e por fim, avançando para o século XIX, perceberemos como os índios do Ceará, em conflitos identitários, afirmavam que não pertenciam às tribos indígenas mostrando-se desgarrados do seu passado e proprietários de seu futuro (João Paulo Peixoto Costa). E, encerrando o número, a Resenha da vez debruça-se sobre a obra de Adriana Romeiro sobre os conflitos, também identitários e ideológicos entre emboabas e paulistas nas Minas Gerais do Século XVIII.


Organizador

Adriano Toledo Paiva – Professor Substituto do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutorando em História pela PPGHIS/UFMG e Bolsista FAPEMIG e do ICAM. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

PAIVA, Adriano Toledo. Apresentação. Revista Ultramares. Maceió, n.1, v.1, Jan./Jul. 2012. Acessar publicação original [DR]

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