Império. Como os britânicos construíram o mundo moderno | Niall Ferguson

A história do Império Britânico não é tradicionalmente contemplada pela produção histórica e editorial brasileira ou, no mínimo, não no nível que seria desejável, dada a importância desse Império – o maior que já houve no mundo – para a história brasileira e mundial. Dessa forma, é bem vinda a tradução em português do novo livro do historiador escocês Niall Ferguson, o qual faz um apanhado geral da trajetória do Império britânico desde a era das grandes navegações até o seu fim, na segunda metade do século XX. Mesmo assim, se havia a chance de traduzir algum bom trabalho do inglês para o português sobre o Império britânico, a impressão que fica é que os leitores brasileiros saíram perdendo, já que o trabalho de Ferguson traz poucas novidades em termos teóricos e tem um viés ideológico tão forte que acaba por diminuir o seu valor.

Em linhas gerais, com efeito, o livro de Ferguson, apesar de bastante informativo e de interesse para os não iniciados no tema, não traz grandes novidades em termos de estrutura ou abordagem, a qual é bastante formal e cronológica. Também não apresenta novas fontes ou uma abordagem teórica inovadora, se limitando a utilizar a imensa produção histórica a respeito do tema para apresentar opiniões e fazer avaliações.

Ferguson se propõe, assim, a responder algumas questões chave: como uma pequena ilha no norte da Europa foi capaz de construir o maior Império da História; como esse Império conseguiu se manter por tantos séculos e as razões da sua decadência. Por fim, ele faz todo um esforço para demonstrar como, em última instância, a experiência imperial britânica foi positiva para a Inglaterra, para as colônias e para o mundo e tenta extrair dela lições e ensinamentos que poderiam ser aplicados pelo novo Império mundial, o dos Estados Unidos.

Na sua avaliação das origens do imperialismo britânico, ele se limita a repetir ideias já consagradas pela historiografia, especialmente a liberal, indicando como o imperialismo britânico teve suas origens em iniciativas privadas, de piratas e comerciantes atuando para enriquecer e de pessoas emigrando para outras terras em busca de liberdade política ou religiosa e prosperidade econômica. Isso teria permitido a colonização de vastas áreas por colonos brancos e o estabelecimento de uma rede de postos comerciais e militares mantidos em contato pela marinha mercante e pela Royal Navy. Posteriormente, à medida que outros rivais emergiam, Londres começou a colonizar diretamente grandes áreas do globo e desenvolver uma ideologia propriamente imperial, até atingir seu máximo territorial nos anos 1920.

Ele também não inova ao explicar como os ingleses conseguiram manter esse Império com o uso mínimo de força através do domínio tecnológico e naval, da maciça transferência de população para os Dominions e utilizando as elites locais como parte do sistema imperial. Do mesmo modo, suas reflexões sobre como a estrutura imperial foi desmontada não pela força dos movimentos de resistência nacionalistas, mas pelo colapso interno (financeiro, psicológico e militar) depois do esforço para vencer duas guerras mundiais e pelo pouco interesse dos Estados Unidos em apoiá-la e também não são novas, mas bebem numa das várias correntes historiográficas que abordam esse tema.

É na sua defesa apaixonada do imperialismo britânico que suas reflexões adquirem alguma originalidade, ainda que outros autores também tenham trabalhado no mesmo sentido desde sempre. Ele reconhece as culpas do Império, sua participação no tráfico negreiro, a conquista pelas armas de povos e nações inteiras e a submissão deles num sistema de exploração e racista. Não obstante, ele considera que a Grã-Bretanha, com a sua expansão além-oceano, trouxe mais benefícios do que malefícios ao mundo.

Para defender essa avaliação “politicamente incorreta”, ele se vale de vários argumentos. Em primeiro lugar, ele afirma que, em comparação com o imperialismo japonês ou alemão, o britânico era muito menos sanguinário e aberto a cooptação e à negociação. Em segundo, ele recorda como o Império se esgotou e chegou ao fim, essencialmente, no esforço para combater o imperialismo alemão e nazista, o que seria um grande mérito deste. Ferguson, aliás, em outros livros, propôs que o melhor para a Grã-Bretanha, em 1914, teria sido ficar neutra e deixar a Alemanha dominar a Europa. O Império teria sido preservado e o mundo teria se poupado dos horrores do nazismo e do comunismo.

Ele também propõe que, se é verdade que o sistema imperial trouxe, na maior parte do tempo, lucros ao Reino Unido, também teria significado vantagens imensas às colônias, que herdaram o sistema legal, os valores capitalistas e democráticos e a infraestrutura fornecidos pelos britânicos. Por fim, ele apresenta a tese de que o imperialismo britânico significou a primeira verdadeira globalização do mundo em termos de fluxo de pessoas, capitais, mercadorias e ideias e que foi ele, igualmente, que difundiu as crenças liberais de livre mercado, livre iniciativa, respeito à lei, etc. Sem o Império, o sistema capitalista e a democracia liberal não teriam se desenvolvido a contento e o mundo do século XXI seria muito pior sem isso.

Ferguson tem razão quando argumenta que o imperialismo britânico, em geral, foi menos sanguinário do que outros ou que o Império teve uma colaboração decisiva na derrota do nazismo, do que a Inglaterra e as colônias podem, com certeza, se orgulhar. Ele, contudo, relativiza demais a violência que sustentou a expansão imperial pelo mundo e esquece que a Grã-Bretanha não entrou em guerra por duas vezes com a Alemanha para prestar um serviço aos povos da terra, mas por seus próprios interesses, de preservação de um sistema mundial e imperial que lhe trazia vantagens, reais ou imaginárias.

Quando ele argumenta que as colônias se beneficiaram do sistema imperial britânico e que se hoje temos ex-colônias ricas e outras pobres, é uma questão de geografia ou questões posteriores à descolonização, sua tese se fragiliza notavelmente. É verdade que não se pode atribuir única e exclusivamente aos comerciantes, militares e políticos britânicos a pobreza indiana ou do Bangladesh e que esses países herdaram coisas positivas da colonização. Mas a colonização britânica trouxe grandes danos ao tecido social dos dominados e os obrigou a converterem suas economias e sociedades para aquilo que beneficiaria os britânicos e não os africanos ou indianos. Os Dominions brancos são uma história diferente, já que tinham autodeterminação política e econômica e participaram do Império, depois de certo momento, como partes iguais à própria Inglaterra, dele se beneficiando.

Dessa forma, se canadenses ou australianos sentirem nostalgia da época imperial, é mais do que compreensível, pois suas nações se construíram graças aos britânicos, enriqueceram dentro da estrutura imperial e herdaram tradições de autonomia e democracia que as prepararam para o mundo moderno. Já os cidadãos da Nigéria ou de Serra Leoa que se recordarem da experiência imperial britânica como positiva, possivelmente não conhecem nada da sua história. Aliás, para aqueles brasileiros que lamentam não termos sido colonizados pela Inglaterra, convém recordar que, se o tivéssemos sido, o Brasil de hoje seria provavelmente próximo do Zimbábue e não da Nova Zelândia.

Quanto ao fato da Grã-Bretanha ter sido crucial para espalhar os valores do sistema capitalista e democrático pelo mundo, parece ser algo de difícil discordância, ainda que ele coloque em segundo plano a fundamental colaboração, para a primeira globalização, de, por exemplo, portugueses e espanhóis. O que é realmente complicado é saber se isso foi bom ou mau para o mundo. Ferguson trabalha no terreno da história contra factual, argumentando que o mundo seria um lugar muito pior se isso não tivesse acontecido e se outros valores e outro sistema tivessem sido implantados. Como nunca poderemos saber o que teria acontecido se os ingleses tivessem ficado na sua ilha, tal argumento acaba por cair no vazio.

A visão positiva de Ferguson com relação ao Império também se manifesta quando ele aborda o tema da independência dos EUA em 1776. Ele argumenta que Londres errou ao tentar violar o espírito de independência dos colonos e que foi justamente o reconhecimento desse erro que permitiu a Londres manter as outras colônias brancas dentro do Império, já que nunca mais se tentou impor um controle imperial rígido em excesso sobre elas.

Ferguson lamenta, sutilmente, a independência americana, já que, para ele, se a América do Norte britânica tivesse ficado unida, não apenas a vida dos índios e negros desse continente teria sido melhor do que sob o governo dos Estados Unidos, como a manutenção dos EUA como mais um Dominion teria significado um Império ainda mais potente, capaz de espalhar a ordem liberal pelo mundo ainda com mais vigor e conter as ameaças alemãs, russas ou quaisquer outras sem maiores esforços. Uma ideia, na verdade, que tem raízes profundas na própria Inglaterra, estando presente em Cecil Rhodes (que sonhava em reconquistar os EUA) e no próprio Churchill com suas propostas de união dos povos de língua inglesa.

Não obstante, já que a História não pode ser mudada, Ferguson apresenta suas sugestões de como os Estados Unidos podem aprender com a experiência britânica e retomar onde os britânicos pararam. Novamente, o foco é positivo, já que, para ele, se foi o Império britânico que estabeleceu as bases para o que temos de prosperidade e democracia no mundo hoje, cabe aos Estados Unidos, com um novo imperialismo – positivo, defensivo – continuar nessa tarefa de espalhar a democracia e o capitalismo liberais pelo mundo, civilizando-o. Ele se alinha, assim, aos neoconservadores na defesa de um papel imperial mais ativo para os EUA, o continuador do “fardo do homem branco” britânico. Depois das experiências do Afeganistão e do Iraque, os americanos parecem menos dispostos do que nunca a agir dessa forma, mas o esforço de Ferguson nessa direção está presente por todo o livro.

Ferguson, assim, é um historiador com grande apelo midiático (tanto que esse livro já foi pensado como roteiro para documentários e outros produtos de mídia) e conservador ao extremo. Tais características não seriam um problema em si, mas o problema é que ele faz um reducionismo extremo da história imperial britânica (de forma que ela possa se encaixar no tempo limitado da televisão) e transforma o Império em uma entidade quase filantrópica, que, em geral, teria trazido apenas o progresso para o mundo, o que é questionável. E, se a definição de “progresso” dele é a economia de livre mercado ao estilo de Reagan e Thatcher, o questionamento do quão positivo foi o Império britânico para o mundo fica ainda mais evidente, especialmente após esses anos de crise do sistema.


Resenhista

João Fábio Bertonha – Doutor em História Social/Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, com estágios de Pós-doutorado na Università di Roma – La Sapienza e na Universidade de São Paulo – USP e especialista em assuntos estratégicos internacionais pela National Defense University, Estados Unidos. Professor de História Contemporânea na Universidade Estadual de Maringá, Paraná, e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

Ferguson, Niall. Império. Como os britânicos construíram o mundo moderno. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. Resenha de: BERTONHA, João Fábio. Meridiano 47, v.13, n.132, p.62-64, jul./ago. 2012. Acessar publicação original [DR]

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