Linguística Aplicada na modernidade recente | Luiz Paulo da Moita Lopes || Transdisciplinaridade na linguística aplicada: um processo de desterritorialização – um movimento do terceiro espaço | SCHEIFER, Camila Lawson Sheifer

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CELANI Linguistica aplicada Linguística Aplicada na modernidade recenteAdemais de suas crenças de aquisição de línguas e daquilo que compreende como língua(gem), o professor deve, constantemente, (re) pensar seu fazer laboral de forma que a sua prática não se limite ao campo conteudal. É com este olhar que chegamos à era contemporânea/digital, em que tanto o ensino de línguas adicionais, como a formação docente precisam ser (res)significadas, tudo para que discentes construam seu conhecimento de forma integrada e contextualizada nas diversas áreas do seu entorno.

Neste cenário, a Linguística Aplicada (LA), por ser uma ciência que atua diretamente nos diversos campos em que a língua se situa, necessita dialogar em diferentes espaços, discutindo questões que envolvem práticas translíngues [2] e transdisciplinares, contribuindo, dentre estas esferas, para com o ensino de línguas. Pensando nisto, significativas contribuições estão sendo produzidas para que se compreenda a necessidade de mudança e a valorização das minorias linguísticas, dentre elas destacamos os estudos de Marilda Cavalcanti (2013) e Camila Lawson Scheifer (2013).

Parte constituinte de um livro publicado pela editora Parábola e organizado por uma referência nos assuntos linguísticos, o professor Luiz Paulo da Moita Lopes, o texto de Cavalcanti (2013) estrutura-se em quatro grandes partes que giram em torno de um eixo comum: a problematização do novo perfil de professor de línguas em tempos de uma educação linguística transdisciplinar. Após esta discussão, a autora propõe três implicações que esta nova postura da LA acarreta: 1) uma mirada na nova roupagem do professor em formação; 2) uma visão ampliada de educação linguística e, 3) uma reflexão acerca da metodologia empregada nas disciplinas de estágio docente; tudo isso para que se compreenda a necessidade de uma educação linguística plural, implicando diretamente no ensino de línguas.

A autora toma como ponto de partida uma visão de educação linguística “ampliada, com interfaces para outros campos de estudo, e também para outras áreas de conhecimento, incluindo a sociologia e a antropologia” (CAVALCANTI, 2013, p. 212). Ao que define uma “educação linguística muito mais além do conhecimento sobre a língua alvo de ensino” (CAVALCANTI, 2013, p. 212), a estudiosa propõe uma reflexão assertiva sobre o futuro professor de línguas. Referenciando a si mesma, enfatiza que o docente em formação deve ser um profissional:

Posicionado, responsável, cidadão, ético, leitor crítico, com sensibilidade à diversidade e pluralidade cultural, social e linguística etc., sintonizado com seu tempo, seja em relação aos avanços tecnológicos seja em relação aos conflitos que causam qualquer tipo de sofrimento ou de rejeição a seus pares […] Ou seja, as exigências seriam para uma formação complexa que focalizasse a educação linguística de modo sócio-histórico e culturalmente situado, que focalizasse também as relações intrínsecas e extrínsecas da língua estrangeira e da língua 1 do professor em formação (CAVALCANTI, 2011)[3] .

Em outras palavras, é necessária uma visão aplicada do perfil do professor de línguas em formação, caracterizando-se como um profissional sensível e atento em tempos de migração teórica/metodológica/prática, de um mundo cada vez mais globalizado e ao que chama de “tempos de hibridismos, de transição permanente, de mudanças em todos os níveis, incluindo o tecnológico” (CAVALCANTI, 2013, p. 213).

Em seu texto, a autora analisa que essa nova perspectiva do ensino de línguas, ou seja, do seu caráter translíngue, não será uma tarefa árdua. Pelo contrário, exigirá do profissional docente dedicação, constante formação e mudanças contínuas da sua prática. Nas palavras da autora, neste sentido, “o (a) professor (a) precisa saber muito mais do que aquilo que vai ensinar e precisa vivenciar o que se ensina” (CAVALCANTI, 2013, p. 215). Observa-se, na fala da professora Cavalcanti (2013), uma demanda/exigência muito grande para com o profissional docente. Ou seja, como se os problemas do ensino (e aqui não somente o de línguas) fosse apenas a formação inicial e/ou continuada. Porém, sabe-se da precariedade e do sucateamento das instituições públicas de ensino, sejam elas da educação básica ou superior. Ademais, havendo estrutura, haverá condições para que o docente faça sua capacitação de forma contínua, o que muitas das vezes fica inviável quando da inexistência de recursos humanos e financeiros, por exemplo. Desta forma, sim, o professor precisa se reinventar para atender a demanda de seus alunos, contudo, desde que haja condições para isso.

Ampliando as discussões, há que considerar o papel do aluno no seu processo de ensino-aprendizagem de línguas. Como os alunos não são tábulas rasas, mas sujeitos com “ideias e explicações próprias para a realidade que o cerca” (HÜLSENDEGER, 2009, s/p), diante de um ensino de línguas o professor realmente deve pensar atividades que valorizem a percepção de mundo destes aprendizes. Destarte, atividades de cunho afetivo, em conjunto e que instiguem o corpo discente a refletir sobre os conteúdos e temáticas abordadas em sala, devem ser articuladas por todo professor, não somente o profissional de línguas. A título de ilustração deste tipo de dinâmica, a escrita poderia ser trabalhada sob o gênero carta e/ou e-mail, em que alunos possam intercambiar posicionamentos sobre os assuntos discutidos, como a importância do uso consciente dos recursos naturais, por exemplo. Já nos momentos em que se trabalha a oralidade, a atividade do júri simulado, além de fomentar esta habilidade linguística, favorece que diferentes visões de mundo possam ser ouvidas, valorizadas e protagonizadas. Ou seja, atividades em que o alunado seja, de fato, o agente do seu próprio saber.

Por sua vez, o artigo de Scheifer (2013), publicado pela Revista Brasileira de Linguística Aplicada, de Belo Horizonte, Minas Gerais, aproxima-se do de Cavalcanti (2013) e também está estruturado de forma a conceber a transdisciplinaridade dos estudos da LA, contudo sob uma nova perspectiva: um campo de desreterritorialização. A autora constrói sua discussão propondo o que chama de educação do entorno, é dizer, um terceiro campo de aprendizagem.

O texto de Scheifer (2013), que parte da delimitação dos estudos linguísticos e do ensino de línguas, dialoga com diferentes autores, como o já citado professor Moita Lopes, alimentando o movimento que versa sobre a possibilidade de construção do conhecimento de forma transdisciplinar. A autora articula seu posicionamento de maneira a favorecer uma reflexão sobre a necessidade de cursos de formação de professores que flexibilizem o fazer método/epistemológico, com vistas a um diálogo de saberes, tudo isso para que haja uma mudança na prática docente em tempos das novas tecnologias e de constante mudança.

Corroborando com essa nova tendência da não delimitação estática dos estudos linguísticos, Celani (2004) trata da transdiciplinaridade do ensino. Para a estudiosa, o caráter transdisciplinar do ensino de línguas tem a ver com a “existência de diferentes ramos do saber em um estado de interação dinâmica, de modo que a interação se apresenta como sua condição essencial” (CELANI, 2004 apud SCHEIFER, 2013, p. 928). Neste sentido, analisa a necessidade de compreensão globalizada dos diversos saberes epistemológicos integrados ao ensino de línguas.

Se o profissional docente tem seu fazer metodológico segundo a visão supracitada de Celani (2004), sistematicamente, ele concebe uma LA como um “território cuja permanência é vista como um efeito espacial da fluidez dos movimentos por entre diferentes domínios disciplinares” (SCHEIFER, 2013, p. 929). Neste sentido, é válido possibilitar um ensino de línguas que dialoga com a vida social do aluno e que saia do campo estrutural, perpassando, desta maneira, o campo do conteúdo, pensado em sua concretização transdisciplinar. Em outras palavras, um ensino de línguas crítico, por meio de métodos, abordagens e visão de língua centrado no aluno e em suas reais necessidades de aprendizado. E mais, que sejam atividades que favoreçam o protagonismo discente e não exercícios de repetição e somente de cunho gramatical.

Outro ponto convergente observado entre os textos é o apontamento da necessidade de uma postura ética no fazer pesquisas em Linguística Aplicada. Apontam as autoras que, ao abordar assuntos inerentes aos grupos minoritários, como indígenas e imigrantes, é preciso pensar ações que valorizem os seus modos de ser, pensar e os saberes por eles produzidos. Mas, o que de concreto questões como práticas translíngues e transdisciplinares tem de fato a ver com a sala de aula e a formação docente no ensino de línguas? É pensar na idiossincrasia de cada contexto e no saber produzido por alunos oriundos de diferentes formações sociais. Mais do que isto, é preciso que o professorado pense, atue e conceba a língua como um construto social, a qual é (a) disciplinar e fruto de um “o contexto social mais amplo – escola, trabalho, vizinhança” (SEVERO, 2009, p. 276), ou seja, não pertencente apenas aos estudos linguísticos.

Por fim, Scheifer (2013) problematiza a questão da nomenclatura da palavra disciplina, concebida por Pombo (apud SCHEIFER, 2013, p. 923) como um “ramo do saber; […] componente curricular; […] conjunto de normas ou leis que regulam uma determinada atividade ou comportamento de determinado grupo”. Neste sentido e por pensar um ensino de línguas que dialogue não somente com a língua adicional em uso, mas com a formação dos alunos em sua totalidade social, a noção de disciplina como ramo do saber toma frente perante as demais, daí a necessidade de ser algo transdisciplinar.

Por outro lado, atuar criticamente e em conjunto não é tarefa fácil, já que, nas palavras de Cavalcanti (2013, p. 215),

Uma educação linguística em sua visão ampliada não vai ser mais simples, ao contrário, vai exigir muito mais do(a) professor(a) em formação ou em serviço do que a educação de conteúdo linguístico. Demanda uma sofisticação que depende de estudo e dedicação para poder ser sensível aos alunos e a sua produção linguística.

Conforme Cavalcanti (2013, p. 225), os alunos-professores em formação possuem um olhar descritivo ante uma visão crítica acerca da linguagem, o que, segundo a autora, é uma visão “isolada do currículo” e que implica em algo desconexo e na contramão do que a LA vem construindo para um ensino de línguas de qualidade. Reforça-se aqui, uma vez mais, a necessidade do diálogo transdisciplinar do ensino de línguas para que a língua não fique presa às estruturas léxico/gramaticais, mas pertencente aos múltiplos construtos sociais.

Mas, como pensar um caminho a seguir se a própria LA transita por diferentes caminhos? É pensar no terceiro espaço pensado por Scheifer (2013). É construindo esse espaço enquanto “locus onde os saberes se desterritorializam em direção a uma nova reterritorialização” (SCHEIFER, 2013, p. 934, grifos da autora), que podemos encontrar uma solução. É dizer, já não cabe mais uma metodologia gramatical por si só, mas uma gramática como elemento integrador e um ensino de línguas adicionais com textos reais, que farão com que o aluno atue sobre eles para sua maior significação na língua.

Assim, a relevância dos textos resenhados se evidencia pois ambos propuseram uma reflexão sobre a necessidade de mudança nos cursos de formação docente e no ensino de línguas, além de problematizarem uma LA crítica e que realmente dialogue com as diferentes áreas do saber. Ademais, tecem uma discussão acerca do papel do professor na formação de alunos críticos e agentes ativos do processo de ensino/aprendizagem e refletem a necessidade de mudanças educacionais na era digital e contemporânea. Deste modo, são leituras pertinentes e necessárias para todos os envolvidos diretamente com a educação.

Sobre a escrita destes manuscritos, há que ponderarmos a alta carga conceitual que ambos artigos evocam. Se por um lado conceitos como translinguagem e desreterritorialização podem ser usuais a pesquisadores e alunos de pós-graduação nas áreas afins, de outro, podem ser termos de difícil assimilação por parte de estudantes de graduação que estejam adentrando no universo do ensino de línguas. Desta forma, muito embora houve rápida explicação destes conceitos, ainda assim pode ser que o leitor careça buscar outras fontes para melhor compreendê-los.

Outro ponto a ser destacado é que ambos artigos deixam uma lacuna em aberto. Fala-se muito das especificidades do ensino de línguas em tempos contemporâneos e do papel do professor nesta esteira. Porém, há que se ponderar que a eficácia do processo de ensino-aprendizagem de qualquer ramo do saber carece de uma soma de fatores que devem caminhar na mesma direção: políticas linguísticas e educacionais, além de condições e recursos para que o professor favoreça um ensino de línguas que atenda as demandas discentes. Assim, a brecha que fica é a necessidade de condições para que o ensino de línguas, de fato, possa transitar em diferentes espaços, dialogando com os diversos saberes. Ademais, não se pode culpabilizar o profissional docente pelas falhas da educação.

Por fim, pondera-se a relevância destes dois textos para os estudos em Linguística Aplicada, sobretudo por favorecem o aprofundamento teórico em questões de ensino de línguas e na valorização ética das minorias linguísticas, as quais são produtoras de saberes que precisam ser valorizados. Fica, portanto, a recomendação de leitura destes ricos artigos de forma a unir forças com as autoras no constante questionar do ensino de línguas e da prática docente.

Notas

2. Em linhas gerais, translinguagem é a habilidade de negociação de sentidos no processo de comunicação e a utilização de duas ou mais línguas de forma dinâmica no ensino-aprendizagem de línguas.

3. A presente citação é parte constituinte de sua própria apresentação no III Congresso Latino-Americano de Formação de Professores de Línguas, realizado na UNITAU, Taubaté-SP, em 2011.

Referências

CAVALCANTI, Marilda. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (Org.). Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola, 2013. pp. 211-226.

HÜLSENDEGER, Margarete Jesusa Varela Centeno. Compreendendo a importância de saber o que o aluno sabe. REA, nº 99, agosto de 2009, Ano IX.

SCHEIFER, Camila Lawson. Transdisciplinaridade na linguística aplicada: um processo de desreterritorialização – um movimento do terceiro espaço. RBLA, Belo Horizonte, 2013, v. 13, pp. 919-939.

SEVERO, Cristine Gorski. O estudo da linguagem em seu contexto social: um diálogo entre Bakhtin e Labov. DELTA, São Paulo, 2009, vol.25, n.2, pp. 267-283.


Resenhista

Rogério Back – Mestrando do Programa de Pós-graduação em Letras: Estudos linguísticos, da Universidade Federal do Paraná, bolsista Capes/Proex. Licenciado em Letras: Língua Espanhola e literaturas em língua espanhola (UFSC).   E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

CAVALCANTI, Marilda. Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da (Org.). São Paulo: Parábola, 2013. pp. 211-226. SCHEIFER, Camila Lawson. Transdisciplinaridade na linguística aplicada: um processo de desterritorialização – um movimento do terceiro espaço. RBLA, Belo Horizonte, 2013, v. 13, pp. 919-939. Resenha de: BACK, Rogério. Por um ensino de línguas multidisciplinar: uma resenha temática. Resenhando. Alfenas, v.3, n.3, 2021. Acessar publicação original [DR]

2 comentários

  1. Rogério Back em 27 de agosto de 2021 às 08:11

    Que bacana a iniciativa do Resenha Crítica. Grato por compartilhar meu texto e também por nos possibilitar uma experiência maravilhosa através de variados textos e discussões.

    • Itamar Freitas em 27 de agosto de 2021 às 19:01

      Olá Rogério,
      Obrigado pelo feedback.
      Não sei se você percebeu, mas seu texto não foi divulgado ainda aos inscritos no blog, via informativo, porque pertence ao mês de agosto. É por essa razão que está sem foto de autoria da obra, de capa da obra e de autoria da resenha. Se você puder colaborar, enviando sua foto, ficaremos agradecidos. Não encontramos fotos sua ou da autora na internet, ainda.
      Abração.

      Para uma eventual colaboração sobre a foto, veja as nossas orientações.
      “Retrato da autoria da resenha. Essa imagem é postada à esquerda do penúltimo parágrafo do post em formato miniatura (busto), ao lado dos dados biográficos e das referências da resenha. O formato final do retrato da autoria é de 225 x 150 pixels.”

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