Memória e comemorações: história e historiografia nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2009

A 8ª edição da Revista Eletrônica da ANPHLAC apresenta o dossiê Memória e comemorações: história e historiografia nas Américas. Debruçar-se sobre tais questões no atual momento tem um significado especial, tendo em vista a sequência de efemérides relacionadas à História da América nos anos de 2009 e 2010. São exemplos o bicentenário das Independências, o centenário da Revolução Mexicana e o cinquentenário da Revolução Cubana.

Intelectuais, historiadores e demais profissionais da área das Ciências Humanas são convidados a participar de eventos acadêmicos, a colaborar com publicações em revistas especializadas e na imprensa, e a tomar parte de celebrações oficiais. Trata-se de uma oportunidade de se repensar, à luz das questões contemporâneas, esses momentos do passado, que guardam em comum, entre tantos aspectos, o profundo anseio por transformações, nem sempre fáceis de serem efetivadas.

Esses momentos tiveram repercussões nos campos mais diversos, atingiram distintos setores sociais, iluminaram trajetórias e movimentaram ideias. Levando-se em consideração a importância, bastante salientada no contexto atual, de compreender a América Latina em suas conexões com questões globais, podemos dizer que os processos históricos aqui analisados foram de fundamental importância não só para o continente americano, mas para o mundo.

Esta é, enfim, uma ocasião apropriada para discutirmos sobre esses processos, sobre os significados de suas comemorações e da constituição de memórias em torno deles.

Para tratar do tema das independências, abre o dossiê o artigo de Fabio Muruci dos Santos, intitulado Ricardo Rojas e a construção biográfica de um herói nacional: San Martín, “el santo de la espada”. O autor apresenta uma leitura a respeito da biografia que o intelectual argentino Ricardo Rojas produziu sobre José de San Martín, líder da emancipação na América do Sul. Nela, o líder é comparado a militares que operaram nos cenários bélicos europeu e americano. Neste sentido, Muruci detecta no texto de Rojas uma aproximação entre San Martín e George Washington, de um lado, e entre Napoleão Bonaparte e Simón Bolívar, de outro, evidenciando também os contrastes entre cada dupla de militares. O artigo aponta as razões pelas quais tais homologias e contrastes foram forjados na biografia. Não se trata de um artigo que pretende abarcar primordialmente o processo pelo qual se consumou o fim da dominação colonial, mas realiza uma reflexão sobre as relações entre história e memória da independência por meio da produção biográfica na Argentina da terceira década século XX.

A Revolução Mexicana é tratada por Jorge Eschriqui Vieira Pinto em seu artigo Andrés Molina Enríquez e a importância da reforma agrária no México no início do século XX. O autor aborda as ideias deste intelectual que se dedicou ao tema da exploração fundiária e das relações sociais no campo, no México. De acordo com sua perspectiva, Molina Enríquez foi pouco estudado, sobretudo tendo em vista a relevância de seu pensamento para a formulação do artigo 27 da Constituição de 1917, que abriu possibilidades para a realização de uma reforma agrária de amplo alcance naquele país.

No bloco dedicado à Revolução Cubana, a Revista traz dois artigos. O primeiro, de autoria de Isabel Ibarra Cabrera e Rickley L. Marques, intitula-se Representações do Mariel nos textos e charges das revistas Bohemia e Revolución y Cultura (1980). Nele, os autores tratam da temática do exílio de cubanos na década de 1980, convencionalmente denominado de fenômeno Mariel. Textos e charges de dois veículos da imprensa cubana compõem o material da análise, que é costurado com discussões sobre temas como a propaganda política do governo revolucionário, a censura e a utilização do humor nos desenhos. O segundo, Pensando a Revolução Cubana: nacionalismo, política bifurcada e exportação da Revolução, de autoria de Ricardo Antonio Souza Mendes, trata de questões conceituais e relativas à política externa. Apresenta o debate sobre o caráter da Revolução Cubana (nacionalismo ou socialismo) e a “política bifurcada” norte-americana (1958 a 1963), que fez conviver durante os primeiros anos da Revolução duas concepções discrepantes em relação à América Latina em geral, e a Cuba, em particular: uma pela qual se atribuía à pobreza a ascensão das esquerdas, e outra, mais ostensiva, segundo a qual o combate ao comunismo teria de ser empreendido frontal e agressivamente.

À seção Dossiê segue a tradução de um artigo de Vincent Bloch, publicado originalmente em 2005 na revista Problèmes d’Amérique Latine. O artigo se intitula Reflexões sobre a dissidência cubana e foi traduzido por Jaime de Almeida e Giliard da Silva Prado. Seu objetivo é analisar as discordâncias políticas que se processaram recentemente (2003) em relação ao governo de Fidel Castro, apresentar as dificuldades de expressão política por parte dos opositores e explorar a hipótese de que, apesar de dissidentes, os opositores foram formados na mesma atmosfera política e cultural do castrismo.

Três resenhas encerram o volume. Laís Olivato, em As dimensões históricas do gênero artístico retrato na consolidação da nação mexicana, comenta o livro de Inmaculada Rodríguez Moya, intitulado El retrato en México: 1781-1867. Héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación. Waldir José Rampinelli apresenta Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende (1970-1973), de Luiz Alberto Moniz Bandeira, livro que trata do governo da Unidade Popular e do golpe militar no Chile. Por fim, Patrícia Sposito Mechi, com o texto A Contribuição da Arqueologia para os estudos dos estados ditatoriais latino-americanos, expõe o livro Arqueologia da repressão e da resistência – América Latina na era das ditaduras (1960-1980), de autoria de Paulo A. Funari, Andrés Zarankin e José Albertoni Reis.

A realização deste volume contou com a colaboração de membros dos Conselhos Consultivo e Editorial, bem como dos demais integrantes da atual Direção da ANPHLAC. Teve a ajuda generosa de assessores externos e passou pela paciente revisão de Vanessa Spagnul. A todos, os mais sinceros agradecimentos e aos leitores um bom proveito!


Organizadora

Stella Maris Scatena Franco – Professora de História da América da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Guarulhos.


Referências desta apresentação

FRANCO, Stella Maris Scatena. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 8, 2009. Acessar publicação original [DR]

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