Mercosul e Política | Marcos Aurélio Guedes de Oliveira

O cenário internacional dos últimos anos se apresentou para o Mercado Comum do Sul como palco de relevantes crises que chegam a pôr em dúvida a vida futura do bloco. Mesmo as visões de importantes nomes da academia ou da política dos países do Cone Sul tornam-se nebulosas ao olhar para o Mercosul e ao tentar perceber qual caminho tomará o bloco sul americano depois dos últimos acontecimentos.

Acompanhando as crises, é grande o número de informações e publicações que chegam aos leitores que não contemplam satisfatoriamente a essência dos problemas reais enfrentados pelo principal projeto de integração da América do Sul.

No entanto, Guedes de Oliveira, no livro aqui resenhado, vai muito além da análise dos problemas comerciais entre Brasil e Argentina que têm centralizado o foco das discussões sobre o Mercosul nos últimos tempos. Guedes de Oliveira se preocupa, em primeiro lugar, em tratar das especificidades do Mercosul, expondo muito sobriamente a sua originalidade frente a outros projetos integracionistas do globo, principalmente o NAFTA e a União Européia. Nessa mesma linha, o autor demonstra a dificuldade em se tentar olhar para o Mercosul exclusivamente sob os olhos das duas grandes correntes teóricas explicativas do processo de integração regional, a neofuncionalista e a neo-realista, elaboradas muito fortemente sob a ótica das experiências européia e norte-americana de integração.

Dividido em quatro partes principais, o livro de Guedes de Oliveira apresenta, de início, as principais teorias das relações internacionais que alicerçam as análises dos processos de integração regional no mundo pós-segunda guerra mundial. Em seguida, o autor faz uma revisão bibliográfica do que de mais importante se escreveu sobre Mercosul sob os enfoques neofuncionalista e neo-realista nos últimos anos.

Na parte central do livro, o autor apresenta as particularidades do Mercado Comum do Sul, defendendo que o bloco regional tem, sem dúvida alguma, suas características próprias e precisa, por isso mesmo, ser visto desta forma. Seriam quatro as principais características do Mercosul: 1) Convergencialismo exógeno; 2) Intergovernamentalismo; 3) Globalização regionalizada; 4) Assimetria transfederativa.

Assim, para Guedes de Oliveira, o Mercosul seria uma experiência única a qual não se aplicam as teorias hegemônicas de integração. Tendo em vista as suas especificidades, o bloco deve ser visto pelo que ele chama de “Convergencialismo Intergovernamental”, percebendo o processo de integração regional como resultante da convergência das posições de Argentina e Brasil, principais parceiros do bloco, acerca da sua inserção na atual economia global.

Ademais, o autor critica a posição dos analistas que tratam do Mercosul como o “filho mais novo” da União Européia e que vêem na experiência européia de integração um ponto ideal a ser alcançado pelo processo integracionista liderado pelo Brasil e Argentina. Guedes de Oliveira ressalta o institucionalismo mínimo e o pragmatismo máximo como características de um intergovernamentalismo pragmático que representa a forma com que as convergências de interesses entre Brasil e Argentina se arranjaram, definindo o processo de institucionalização do Mercosul.

Outro ponto que merece destaque no livro de Guedes de Oliveira é o tema da assimetria transfederativa. Mesmo assumindo, em alguns momentos, uma posição um tanto quanto extremada das suas conseqüências, o autor nos apresenta a questão da assimetria na participação e acrescimento entre as diferentes regiões dos países – membros no processo integracionista da região do Prata. Assim, uma grande área, que viria desde a Terra do Fogo, passando pelo noroeste argentino e chegando nas regiões centro-oeste, norte e nordeste do Brasil, estaria fora, ou no mínimo, na periferia do projeto Mercosul. Dentro de uma grande variedade de temas que vêm sendo tratados no caminhar do processo de integração, seria mister que se incluísse efetivamente essas regiões dentro da lógica integracionista do Mercosul para não o debilitá-lo ainda mais.

A quarta parte, que fecha o livro, adverte, novamente, sobre a inadequação das teorias funcionalistas e realistas para explicar a experiência do regionalismo no Cone Sul. Ressalta, além disso, os problemas que o Mercosul enfrenta para se firmar como um ponto estratégico para os países da região se inserirem na economia mundial e no cenário político internacional atual com mais, ou algum, peso.

Por fim, Guedes de Oliveira é um autor que ainda acredita no Mercosul. Para ele, o bloco é um desafio possível e de extrema relevância para o lugar que os países do Cone Sul poderiam ocupar na nova ordem mundial. Seu livro, “com uma boa dose de heterodoxia,” como o apresenta Tullo Vigevani, contribui em muito para o debate na área, incitando importantes questionamentos para análise do tema – assim como fazem as grandes obras.


Resenhista

Leandro Freitas Couto


Referências desta Resenha

OLIVEIRA, Marcos Aurélio Guedes de. Mercosul e Política. São Paulo: Editora LTr, 2001. Resenha de: COUTO, Leandro Freitas. Revista Brasileira de Política Internacional, v.44, n.2, 2001. Acessar publica

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