Mundo 3.0: como alcançar a prosperidade global | Pankaj Ghemawat

Pankaj Ghemawat é um prodígio indiano que concluiu seu doutorado na Harvard Business School aos 22 anos de idade e se tornou o mais novo professor em tempo integral que essa instituição já teve2. Ele publicou Mundo 3.0: como alcançar a prosperidade global pela Harvard Business Press Books em 2011, e a editora Bookman, de Porto Alegre (RS), lançou-o no Brasil no ano seguinte.

Mundo 3.0 derivou de um premiado artigo3 em que o autor critica O Mundo é Plano, de Thomas Friedman. A revista The Economist4, que costuma mencionar as ideias de Ghemawat, considera equilibrado e convincente o contraponto que ele faz à eufórica obra de Friedman.

Para Friedman, “Mundo 1.0”, “Mundo 2.0” e “Mundo 3.0” denotam fases da globalização marcadas pelas grandes navegações, pela Revolução Industrial e pela rede mundial de computadores. Para o autor, a última e atual fase tornou o mundo “minúsculo”, onde indivíduos – não mais Estados nem empresas – constituem os agentes dinâmicos da globalização, competindo e colaborando globalmente5.

A perspectiva de Ghemawat remete ao início da história humana, há mais ou menos 200 mil anos, até 3000 a.C., época em que existiam aproximadamente 1 milhão de entidades políticas independentes, a maioria constituída por uma tribo ou mesmo por uma grande família. Nesse contexto, “o círculo de confiança que definia o limite entre “nós” e “eles” não se estendia muito nessas sociedades” (p. 6). Essa é a referência do Mundo 0.0, o tipo ideal que descreve o período, segundo Ghemawat.

A escala das interações entre pessoas passou da local para a nacional no Mundo 1.0, quando se formaram menos de 200 entidades políticas independentes entre 3000 a.C. e 2000 d.C. Com o surgimento de Estados, “as fronteiras nacionais tornaram-se cruciais no Mundo 1.0, estabelecendo uma separação rigorosa entre o âmbito doméstico e o internacional” (p. 7). O Mundo 1.0 remete a círculos de confiança que envolvem milhões de indivíduos, afirmando “diferenças e identidades culturais sólidas” (p. 222) e fronteiras entre o nacional (território, cultura, economia, etc.) e o estrangeiro.

Perto do ano 2000, muitos, a exemplo de Friedman, passaram a crer que o mundo é plano, uma “aldeia global” que tende à homogeneização cultural. Ghemawat considera essas ideias exageradas e associa-as ao seu conceito de Mundo 2.0, que implica um mercado globalmente integrado e desregulamentado. Os tipos ideais de Mundo 1.0 – pouco integrado e muito regulamentado – e de Mundo 0.0 – nem integrado nem regulamentado – tampouco correspondem à realidade atual.

Para Ghemawat, o conceito de Mundo 3.0 descreve melhor este mundo, que não é tão globalizado quanto muita gente acha (p. 63). Qual é a proporção do que é internacional em relação ao total de fluxos de pessoas, de informações e de dinheiro? “Os imigrantes de primeira geração representam apenas 3% da população mundial […], é possível estimar que cerca de 90% da população mundial nunca sairão do país em que nasceram” (p. 27). Do total de minutos de chamadas telefônicas, apenas 2% são internacionais; o tráfego da Internet que atravessa fronteiras nacionais se aproxima de 18%; apenas cerca de 9% do total de investimentos fixos (em formação bruta de capital fixo) é internacional; das ações na bolsa de valores, cerca de 20% pertencem a investidores estrangeiros (p. 25-29). Toronto comercializa muitas vezes mais com Vancouver do que com Seattle, embora a distância seja a mesma, e as tarifas sejam mínimas.

O mundo é, portanto, semiglobalizado, e seu mercado é regulamentado e parcialmente integrado. Ghemawat propõe mais integração e melhor regulamentação, para diminuir as distâncias reais e imaginadas entre indivíduos e, assim, gerar crescimento econômico, respeito às diferenças culturais e paz. O Mundo 3.0 trata-se de uma síntese entre os que querem reforçar fronteiras nacionais e os que desejam abri-las às interações globais.

O autor ressalta soluções para o medo de estrangeiros e para falhas de mercado, sem que se fechem fronteiras. Ao pensar em abrir-se à cultura estrangeira, é preciso fazer uma análise de custos e benefícios, considerando que interações culturais favorecem a inovação nas artes e nas ciências, por exemplo (p. 227). Os Mundos 0.0 e 1.0 “representam uma abordagem “nós contra eles” que ignora completamente o bem-estar dos estrangeiros”, já o Mundo 2.0 ignora essa diferença identitária (p. 17). Entre o cosmopolitismo do Mundo 2.0, o nacionalismo do Mundo 1.0 e o comunitarismo do Mundo 0.0, existe o “cosmopolitismo enraizado” do Mundo 3.0, “que sugere que conexões profundas com certas pessoas e locais são necessárias para cultivarmos nossa capacidade individual de viver uma vida cosmopolita” (p. 312). Ghemawat argumenta que a educação, o turismo e a migração podem ampliar conhecimentos que superem preconceitos e o medo de estrangeiros.

Além disso, Ghemawat sugere que se avaliem melhor os benefícios da abertura econômica. Além do aumento dos excedentes dos consumidores e dos produtores e da diminuição dos custos de produção, o comércio internacional aumenta a variedade e a qualidade das mercadorias e acirra a concorrência, por exemplo. As importações e os investimentos estrangeiros diretos ajudam a gerar e a difundir tecnologias e conhecimento.

Embora os argumentos de Ghemawat sejam mais consistentes que os de Friedman, também podem ser contestados. Por exemplo, a categoria “Mundo 1.0” é apresentada como um tipo ideal que descreve um período excessivamente longo e complexo. Mas um conceito que enquadra cinco milênios acaba perdendo sua essência.

Ressalta-se que o próprio autor superestima a globalização. Os dados percentuais que se referem a fluxos transfronteiriços de pessoas, de bens e de ideias incluem tanto os fluxos intra-regionais quanto os globais. Mas a globalização refere-se ao alcance interregional ou intercontinental. Assim, considerando-se apenas transações globais, aqueles números seriam bem menores.

Ghemawat convida o leitor a explorar os indicadores que atestam os verdadeiros níveis de globalização e a pensar nos benefícios do aumento da convivência humana. Deveriam aceitá-lo os estudiosos da globalização e de temas como a economia mundial, as ameaças à diversidade cultural e os desafios ao Estado-nação.

Notas

2 GHEMAWAT, Pankaj. “About Professor Ghemawat”. Disponível em: http://www.ghemawat.com Acesso em: 03/04/2013.

3 GHEMAWAT, Pankaj. “Why the World Isn’t Flat”. Foreign Policy, mar/abril, 2007.

4 THE ECONOMIST. “Schumpeter. The case against globaloney. At last, some sense on globalization”. 20 abr. 2011. Disponível em: http://www.economist.com/node/18584204 Acesso em: 03/04/2013.

5 FRIEDMAN, Thomas. The World is Flat: A Brief History of the Twenty-First Century. 3a ed. Nova York: Picador, 2007.


Resenhista

Diego Trindade d’Ávila Magalhães – Professor de Relações Internacionais no Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter e Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

GHEMAWAT, Pankaj. Mundo 3.0: como alcançar a prosperidade global. Porto Alegre: Bookman, 2012. Resenha de: MAGALHÃES, Diego Trindade d’Ávila. Meridiano 47, v.14, n.136, p.41-42, mar./abr. 2013. Acessar publicação original [DR]

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