Nunca antes na diplomacia…A política externa brasileira em tempos não convencionais | Paulo Roberto de Almeida

Nunca antes um governo mereceu tanto destaque nem foram empreendidos tantos estudos acerca do seu plano de atuação e suas medidas de política externa quanto o governo do Partido dos Trabalhadores no poder central do Brasil. Tal governo, iniciado em 2003 com a posse de Luís Inácio Lula da Silva e que teve plano de continuidade com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, representou e representa uma ruptura diplomática com a linearidade de atuação do Itamaraty. O livro “Nunca antes na diplomacia … A política externa brasileira em tempos não convencionais”, do diplomata e acadêmico Paulo Roberto de Almeida, procura analisar essa transição. Como uma coletâneas de artigos, o livro traça o plano da diplomacia brasileira dando destaque de forma crítica à atuação do governo petista e à chamada era do “Nunca antes”.

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a diplomacia brasileira tem passado por mudanças. De fato, a partir de FHC o Brasil inaugura, mais fortemente, a chamada diplomacia presidencial que apresenta ininterrupção com Lula. A figura do presidente, nestes períodos, ganhou destaque e projeção no cenário internacional, mas foi o governo de Luís Inácio que administrou de forma grandiloqüente essa imagem presidencial.

O presidente em exercício desde 2003, segundo Almeida, passou a executar, intensamente, a política externa brasileira a partir de impressões pessoais e através dos quadros do Partido dos Trabalhadores. Neste sentido, as diretrizes básicas e o quadro institucional do Itamaraty foram deixados de lado.

O Brasil contou, durante mais de nove décimos de sua história diplomática, com uma ação exterior fortemente institucionalizada, previsível, formulada e executada de modo profissional, por servidores do Estado, dedicados e especializados nesse tipo de atividade e segundo linhas de ação também caracterizadas por fortes doses de continuidade e gozando do consenso de diversas forças políticas que se sucederam no poder, sem, no entanto, alterar as linhas básicas dessa diplomacia. (p.216)

O governo Lula representou uma quebra com a atuação tradicional do Itamaraty. Novas agendas foram estabelecidas e repercutiram em criticas acadêmicas. Entre elas, pode-se destacar o alinhamento do Brasil na política Sul-Sul. Almeida critica essa guinada ao Sul, que considera ter reduzido o alcance da atuação internacional do Brasil. Para ele não existe uma grande estratégia brasileira para lançar o país como sujeito no cenário internacional. Segundo o autor, uma grande estratégia visa o relacionamento com uma gama diferenciada de atores internacionais, como uma forma eficaz de atuação no cenário internacional. Não existiria, de acordo com o argumento do autor, uma lógica causal na atuação de concentrar as relações exteriores em um plano unilateral.

A diplomacia praticada por Lula, foi alcunhada, por membros do próprio governo, como “ativa” e “altiva”, e com notáveis pretensões. Contudo, quando analisada sobre o prisma dos principais objetivos aos quais se propunha a alcançar, seus planos parecem não ter alçado voo. O governo almejava uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, assim como a reformulação da Carta das Nações Unidas, um reforço e reformulação do Mercosul como um bloco integrado na América do Sul e a finalização das negociações comerciais multilaterais. Esses objetivos, entretanto, parecem não ter sido bem elaborados, o Mercosul assumiu uma postura evidentemente mais política deixando em segundo plano seu viés econômico. A busca incessante por um assento na ONU, segundo Almeida, aparenta ser uma ilusão que ocasionou desgastes desnecessários no entorno político brasileiro. Outras formulações da política brasileira apontam para o seu excessivo uso partidarista.

Tendo em vista os compromissos programáticos de política externa adotado pelo Partido dos Trabalhadores, o Brasil se aliou com países não hegemônicos de condutas duvidosas quanto aos direitos humanos – uma das principais agendas externas do Brasil, mas de viés semelhante. Além disso, contrariando uma das principais posturas da diplomacia brasileira, o presidente apoiou candidatos de clara posição esquerdista na América Latina, indo de encontro ao principio de não ingerência nos assuntos internos de outros Estados.

O Brasil tinha como objetivo, como observa Almeida, “mudar as relações de força no mundo”, a partir de uma coalizão com países não hegemônicos e de uma quebra de atuação com a política até então empregada. A política de mudança externa e de manutenção da política econômica é, assim, classificada pelo autor como exótica, devido a sua quebra de diferenciação com as políticas anteriores.

Paulo Roberto de Almeida, portanto, traz uma análise crítica da atuação dos presidentes no poder desde 2003 e a correlação dos mesmos com a reformulação da política externa brasileira e as novas linhas de ações empreendidas pelo Itamaraty. Tal análise, presente na coletânea de artigos, desenvolve uma visão em muito distinta daquela abordada pela maioria dos acadêmicos que se dedicam à análise da Política Externa Brasileira, compondo uma reflexão complexa e corajosa dos anos petistas.

Resenhista

Priscilla de Almeida Nogueira da Gama – Graduanda em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected]

Referências desta Resenha

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Nunca antes na diplomacia…A política externa brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Editora Appris, 2014. Resenha de: GAMA, Priscilla de Almeida Nogueira da. Meridiano 47, v.15, n.145, p.44-45, set./out. 2014. Acessar publicação original [DR]

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