O Brasil tem jeito? | A. Ituassu

O título é sedutor. A proposta parece progressista. Entre os textos organizados estão autores como Luiz Gonzaga Belluzzo e Wanderley Guilherme dos Santos. Um transeunte ingênuo na livraria poderia até dizer que a presença de Miriam Leitão, Merval Pereira e Gustavo Franco forneceriam certa pluralidade à proposta dos autores. Se estiver com pressa, e não olhar a orelha do livro que “pretende servir de base para o cidadão nos pleitos que virão”, acaba até levando-o para casa. Confesso a minha desatenção.

Ao começar a folhear o livro em casa, dando-me conta do engodo, tentei me conformar com o argumento de que “afinal, trata-se de uma amostra do pensamento da intelligentsia brasileira”. Pesquisa de campo. No final, a sensação de estar diante de um “museu de grandes novidades” persistiu em uma obra que nada acrescenta ao atual debate sobre a conjuntura brasileira, e, no que visa a propor, comete erros e simplificações grosseiras.

Um primeiro exemplo delas aparece na página 06, logo na introdução dos organizadores, a título de premissa: “Experimentadas todas as forças políticas relevantes originadas depois do regime militar instaurado em 1964, o Brasil sabe que hoje não há milagres a promover para que avancemos”. Frente à opção mais modesta de admitir que o eleitorado brasileiro caminhou para a esquerda de 1985 a 2002, sem atingir a extrema-esquerda – que permanece força política ainda não experimentada -, os organizadores preferem ignorar várias forças e fenômenos políticos relevantes no período. Há o caso do PRONA e de Enéas Carneiro, e há o caso das candidaturas à presidência do comunicador Silvio Santos. Ora, se o PRN de Fernando Collor de Mello é levado a sério no exercício dos analistas como “força política relevante”, por que os dois fenômenos supracitados não o seriam? A pressa em tentar preservar uma parcela da direita com alguma significância conjuntural nas eleições de 2006 talvez tenha conduzido os organizadores a tal barbeiragem, bastante recorrente no jornalismo oficialesco do país. Mais à frente, outro exemplo, este mais estrutural: “fica claro que não se trata de escolher entre Estado e Mercado” (página 10). Por trás novamente de uma tentativa de resgatar a derrota empírica sofrida pelo discurso liberalóide nas duas décadas perdidas (1980 e 1990), e premidos pelo crescimento e desenvolvimento econômicos observados até então no primeiro governo Lula (2003 – 2006), os organizadores mostram sua plumagem política, enfim. Daí se entende, até o desejo de oferecer uma perspectiva que buscasse evitar a desmoralização absoluta dos preceitos neoliberais sob a forma de uma sobrevivência em “frente ampla”. Bem, a crise mundial deflagrada no segundo semestre de 2008 parece ter inviabilizado mesmo essa tentativa. Estado e Mercado são forças opostas, porque o equilíbrio de mercado dificilmente é, via de regra, o desejado pela sociedade. Sem uma “força” que interaja em sentido oposto, o caminho do equilíbrio de mercado é, inexoravelmente, a crise. Daí a propriedade e o sucesso histórico das políticas de desenvolvimento da Era Vargas, tão detestada pelos organizadores.

O que se segue pelo livro são as opiniões de sempre dos participantes. Miriam Leitão, Gustavo Franco e Merval Pereira não apresentam nada de original em suas intervenções no livro. Para eles, o conjunto de políticas empreendidas pelo lado vitorioso politicamente nas duas décadas perdidas foi um sucesso. O doutor Pangloss não faria melhor. O contraponto de Wanderley Guilherme dos Santos e Luiz Gonzaga Belluzzo serve para trazer o conjunto da obra um pouco mais à realidade que caracteriza as duas “décadas perdidas” como “perdidas”, mas também não oferece novidades ao debate. Até porque ele já foi dado em outros fóruns, em outras obras, em outras discussões. Malha-se um ferro já frio.

Fabiano Santos é um caso à parte na obra. Seu papel é basicamente o de apresentar PT e PSDB como forças polarizadoras distintas e hegemônicas no cenário político nacional. Muito conveniente às eleições de 2006, mas o articulista esquece que a nossa história está repleta, desde a independência, de “terceiras vias”. Assim, o argumento de Fabiano Santos não tem sustentação histórica.

Em suma, o livro não oferece nada de novo nem melhor ao debate já estabelecido sobre o assunto, em sua parte relevante. Na parte mais criativa, comete equívocos de composição, o que o torna irrelevante.


Resenhista

Luiz Eduardo Simões de Souza – Doutor em História Econômica – NEPHE – USP e UNIVALE (MG).


Referências desta Resenha

ITUASSU, A.; ALMEIDA, R. (Orgs.). O Brasil tem jeito? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Resenha de: SOUZA, Luiz Eduardo Simões de. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 06, n. 17, p. 138-140, junho, 2009. Acessar publicação original [DR]

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