O México no século XX e o centenário da Constituição de 1917 | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2017

No final de janeiro de 1917, às vésperas da Revolução Russa, era aprovada a nova Constituição mexicana, resultado de uma luta revolucionária de quase uma década. Pode-se afirmar que essa legislação foi uma das mais avançadas da sua época, afiançando direitos trabalhistas e sociais que faziam frente às demandas de trabalhadores rurais e urbanos que participaram amplamente do enorme movimento de massas que entrou para a história como Revolução Mexicana. A Constituição de 1917 marcou profundamente a história do país e lançou as bases do que foi o México no século XX. Esse foi o eixo que norteou a chamada do presente dossiê da Revista Eletrônica da ANPHLAC, composto por seis artigos e uma entrevista com o historiador argentino radicado no México, Pablo Yankelevich.

Nosso objetivo foi abrir um espaço para os estudiosos das questões do México contemporâneo exporem as investigações realizadas no Brasil e no exterior. Contamos com a participação de autores brasileiros e dois artigos de autores mexicanos. Em termos de periodização, os artigos se aglutinam tanto em torno da Constituição Mexicana promulgada em 1917 e do período do México revolucionário quanto em relação aos anos imediatamente pós-revolucionários, entre as décadas de 1920 e 1940. Os temas abordados refletem as múltiplas dimensões sociais impactadas pelo processo desencadeado no México em 1910 e seus inúmeros desdobramentos, incluindo temáticas relativas à Convenção Revolucionária e à própria Constituição de 1917; os Romances da Revolução Mexicana; a atuação político-intelectual de José Vasconcelos nos anos 20; o discurso visual da revista sindical Lux nos anos 30 e o cinema mexicano nas décadas de 1930 e 1940. A organização do dossiê dispôs os artigos em ordem cronológica. Esse número conta ainda com outros 6 artigos na seção Livre e também uma resenha.

Os dois primeiros artigos do dossiê apresentam análises, à luz das celebrações do centenário da Constituição de 1917, sobre as tentativas de se institucionalizar o processo revolucionário. O primeiro trabalho, do professor mexicano Luciano Ramírez, intitulado “Convención Revolucionaria y Congreso Constituyente”, investiga as relações entre a Convenção Revolucionária, realizada na cidade de Aguascalientes em 1914, e a Assembleia Constituinte, realizada em Querétaro, entre fins de 1916 e inícios de 1917. O autor mostra como várias das propostas discutidas anteriormente na Convenção de Aguascalientes foram retomadas pela Assembleia Constituinte e, em grande medida, vieram a sentar as bases da Constituição de 1917. No segundo artigo, “Anticlericalismo, uma distinção revolucionária e masculina: os debates na Convenção Constituinte de Querétaro (1916-1917)”, Caio Pedrosa da Silva analisa o debate em torno do anticlericalismo que se expressou na Carta Magna Mexicana de 1917, com destaque para a forma como, em meio às discussões da Constituinte, foi sendo estabelecido um vínculo entre o anticlericalismo revolucionário e a masculinidade.

Um segundo núcleo de artigos debate a atuação de escritores e intelectuais no México pós-revolucionário, tais como Mariano Azuela, Martin Luis Guzman, Nellie Campobello e José Vasconcelos. Estes artigos estão relacionados a uma discussão historiográfica muito intensa a respeito do papel dos artistas-intelectuais na construção de uma identidade nacional e das discussões em torno de uma “cultura revolucionária” nos anos imediatamente posteriores ao fim dos conflitos armados, em especial na década de 1920. O primeiro artigo, de Warley Alves Gomes e Carolline Martins Andrade, “Política e cultura nos romances da Revolução Mexicana”, aborda o fenômeno chamado de “Romance da Revolução Mexicana”, praticamente um subgênero da literatura mexicana, surgido ainda durante a guerra civil com a emblemática obra de Mariano Azuela, publicada em 1915, porém somente difundida amplamente em 1925. Los de abajo foi o primeiro de uma série de romances que possuem como temática central a representação da Revolução Mexicana e os autores do referido artigo, ao refletirem a respeito da elaboração de uma nova identidade mexicana que fosse condizente com a nova conjuntura político-cultural pós-revolucionária, fazem uso, além do livro de Azuela, também das obras La Sombra del Caudillo (1929), escrita por Martin Luis Guzman, e Cartucho (1931), de Nellie Campobello.

No artigo seguinte, intitulado “A educação como missão e o ‘problema indígena’: a atuação de José Vasconcelos à frente da educação pública do México (1920-1924)”, João Gabriel da Silva Ascenso se debruça sobre a atuação de José Vasconcelos, certamente um dos mais importantes intelectuais mexicanos do começo do século XX, e em particular o seu Plano de Alfabetização, quando esteve à frente da Secretaria de Educação Pública (SEP), entre 1920 e 1924, sob o governo de Álvaro Obregón.

Um terceiro e último núcleo de artigos do presente dossiê utiliza como vetor de suas investigações as imagens. Estes trabalhos, que versam sobre a revista sindical Lux e sobre a indústria cinematográfica do país, procuram averiguar a reconstrução da identidade mexicana entre as décadas de 1930 e 1940. O artigo de Francisco Linares González, “El ímpetu desde la imagen: la construcción del discurso visual de los trabajadores en los años treinta: la combatividad de la revista LUX”, mostra como um discurso visual do tema trabalho no México, entre 1929 e 1935, tornou-se uma forma de comunicação e propaganda dos setores operários da capital. No artigo “Influência hollywoodiana e o olhar estrangeiro na consolidação da indústria cinematográfica mexicana: um cinema (trans)nacional?”, Andrea Puydinger De Fazio apresenta uma reflexão sobre o suposto nacionalismo do cinema mexicano e suas complexas relações com o Estado mexicano, por um lado, e, por outro, com as apropriações de Hollywood.

O dossiê é encerrado com uma instigante entrevista com o professor Pablo Yankelevich na qual se procurou discutir a historiografia mexicana atual, em especial aquela relacionada à Revolução Mexicana e seu impacto na América Latina, tendo em foco a celebração dos centenários da Revolução e da Constituição de 1917.

A presente edição da Revista Eletrônica da ANPHLAC se completa com cinco artigos na Seção Livre e uma resenha. O primeiro artigo “Notas sobre desigualdade e posse de escravos em Buenos Aires (1778)”, de Carlos Alberto Medeiros Lima, aborda a questão da escravidão na capital do Vice-reino do Prata no final do século XVIII. O artigo seguinte, “Hispanismo e identidade nacional nas páginas da Revista de Derecho, Historia y Letras”, de Camila Bueno Grejo, insere-se nos debates entre o hispanismo e a identidade nacional em um importante periódico dirigido pelo intelectual argentino Estanislao Zeballos. Em “Unirse desde abajo: o discurso terceiromundista da CGT de los Argentinos e os limites da ortodoxia peronista”, Karolline Pacheco Santos analisa o uso do conceito de Terceiro Mundo na publicação sindical Semanario CGT. No artigo “Los años setenta en debate: análisis del MIR chileno y la izquierda peronista en Argentina sobre la realidad latinoamericana”, Ines Nercesian indaga, a partir das revistas El Rebelde e Punto Final (Chile) e El Descamisado e Militancia (Argentina), como as esquerdas latino-americanas pensavam a transição para o socialismo nos anos 70. Em “Ferrer e Furtado: a formação econômica de um espaço comum (1959-1963)”, Bruno de Almeida Gambert analisa comparativamente as visões do passado colonial manifestadas em obras de Aldo Ferrer e Celso Furtado, marcadas pelo desenvolvimentismo de meados do século XX.

A edição é fechada com a publicação de uma resenha, assinada por Rejane Carolina Hoeveler, do livro do historiador norte-americano Joseph Tulchin “América Latina x Estados Unidos: uma relação turbulenta”.

Para encerrar, gostaríamos de agradecer a todos os envolvidos na publicação desse dossiê, em especial os pareceristas. Agradecemos imensamente ao professor Pablo Yankelevich pela entrevista. Esperamos que os leitores apreciem tanto o dossiê como os demais trabalhos.


Organizadores

Carlos Alberto Sampaio Barbosa – Professor de História da América no Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Assis. E-mail: [email protected]

Natally Vieira Dias –  Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio; DIAS, Natally Vieira. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 23, p. 1-4, jul./dez. 2017. Acessar publicação original [DR]

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