Os 130 anos da abolição | Revista Outrora | 2018

“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais.” Talvez essa frase, proferida pelo presidente eleito para conduzir o Brasil durante os próximos quatro anos, nos ajude a pensar em alguns sentidos possíveis para “o que aconteceu com os escravizados e seus descendentes após o dia 13 de maio de 1888?”. Efetivamente, essa é uma pergunta que há longos anos tem despertado a curiosidade investigativa de várias/os pesquisadoras/es pelo Brasil e mundo e consolidado o campo de estudos que, entre outros aspectos, se propõe a reposicionar os sujeitos que experimentaram a escravidão e a liberdade.

Os caminhos que negras e negros trilharam diante da composição da história do Brasil é múltiplo e complexo. Múltiplo, porque seus destinos foram os mais variados possíveis. Complexo, porque toda sorte de dificuldades atravessaram os processos e a vida desses personagens. Essa equação tem ressoado com intenso vigor em muitos estudos e, desde fins dos anos 1990, auxiliado nas explicações relativas à história dos séculos XIX e XX. Diferentemente do que uma clássica tese postula, “depois do 13 de maio, os negros foram largados à própria sorte”, verificamos que “os historiadores vêm tentando resgatar a agência social dos libertos na construção das sociedades pós-abolição, buscando perceber em que medida o evolver das sociedades que atravessaram este processo foi também moldado pelas ações dos próprios libertos” (RIOS; MATTOS, 2004, p. 191).

Assim, pensar o pós-abolição enquanto problema histórico torna-se urgente. Para refletirmos acerca de quais são os rumos dos acontecimentos depois do 13 de maio, é preciso trazer à tona uma visão muito mais ampla e dilatada no que se refere às experiências que engendraram as vidas das/dos escravizadas/dos, visto que as consequências do fim do cativeiro perduraram por muito tempo e, quiçá, perduram até hoje (FRAGA, 2018, p. 355). Para nós, isso ganha contornos mais bem delimitados e precisos ao observarmos, por exemplo, a declaração do 38º Presidente eleito de nossa República Federativa do Brasil, o capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro. Entre os 130 anos da abolição da escravidão e os 129 de Proclamação da República, nossa história se inscreve no interior desses limites.

É plausível oferecer espaços para a continuidade das investigações de pesquisadoras/es do Brasil e do mundo acerca do campo que trata do pós-abolição. Entendendo a urgência de refletirmos sobre uma nova história social da escravidão, em que as ações dos libertos passem a ser analisadas “como iniciativas que respondiam a projetos próprios, que necessariamente teriam interferido nos processos de reconfiguração de relações sociais e de poder que seguira à abolição do cativeiro” (RIOS; MATTOS, 2004, p. 26). Afinal, o escravizado havia adquirido uma família, vida cultural e social. Precisamos, então, levantar hipóteses e desenvolver possíveis respostas para questões que, à luz do conhecimento histórico, versem sobre a inserção social do negro liberto após a abolição da escravidão. Jair Bolsonaro, será mesmo que quilombolas, de fato, não serve nem para procriar?

Pensando nisso, a Revista Outrora apresenta em seu segundo número o dossiê temático Os 130 anos da abolição, que contará com seis artigos entre os quais passearemos, primeiramente, por um instigante Estudo sobre a Gatunagem em Salvador” e análise das “Disputas de raça na poesia de Aloísio Resende. Nessa linha, referindo-se às problemáticas que tratam sobre a religiosidade negra, chega a hora de observarmos “Os vínculos entre a Irmandade Nossa Senhora do Rosário e o Clube Mundo Velho em Sabará/MG” e, de um ponto de vista político, as “Relações entre liberalismo e escravismo”. Chegaremos até a escravidão nas Américas e, nessa viagem temática, as “Restrições à manumissão, sociedades abolicionistas e a African Free School de Nova Iorque” e a “Análise de charges publicadas antes e durante a Guerra de Secessão” encerram nosso dossiê.

Além deles, na seção de artigos livres, contamos com mais oito textos de estudantes de História e suas áreas de afinidade distribuídas/os em várias universidades pelo Brasil. A Moda na Grande Depressão da década de 30 aborda a questão da chamada grande depressão de 1930 pelo viés da moda, apresentando o importante papel da indústria cinematográfica hollywoodiana nesse período. Em seguida, uma interessante análise sobre os possíveis usos e ferramentas didáticas digitais e suas dificuldades para a prática docente no ensino fundamental entra em cena no artigo O carnaval carioca através de uma linha do tempo online para o ensino da história (do século XIX até os dias atuais). Do Carnaval ao futebol, apresentamos as Duas faces de Flamengo, um estudo sobre as gestões de José Padilha e Eduardo Bandeira de Mello no rubro-negro carioca. A análise de Octavio da Paz na obra O labirinto da solidão busca entender o que é a Formação da identidade mexicana. No campo dos estudos de gênero, dois trabalhos: o primeiro, verifica a presença de ‘mulheres homens’ indígenas em relatos coloniais: Como se não fossem mulheres; o segundo, por sua vez, abrange a questão das Mulheres conservadoras no pré-golpe, por meio do estudo do caso da CAMDE e do poder feminino. Contamos também um artigo que objetiva analisar a relação entre brasileiros e libaneses que imigraram para o Brasil ao longo do século XX, um instigante “Estudo sobre o Orientalismo na periferia do Ocidente”. E, finalmente, Satyricon e a Escravidão em Roma encerra nossa seção de artigos livres.

Uma resenha e um ensaio também compõem o presente número. Em uma fina análise, a resenha O negro no livro paradidático se propõe a destacar os aspectos centrais do trabalho do especialista em educação Fernando Santos de Jesus. Finalmente, o ensaio Indumentária e ficção: contribuições da Teoria do Vestuário para a Teoria Literária que se propõe, à luz das considerações de Roland Barthes, demonstrar como o vestuário dos personagens, especificamente, os de O pai Goriot de Honoré Balzac, pode contribuir para a literatura.

Como diz o samba, negro é a raiz da liberdade… Esperamos que seja uma leitura enriquecedora para todas e todos!

Boa leitura!


Organizadores

Ygor Martins

Layla Silva


Referências desta apresentação

MARTINS, Ygor; SILVA, Layla. Editorial. Revista Outrora. Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]

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