Otro siglo perdido. Las politicas de desarollo em América Latina (1930 – 2005) | V. L. Urquidi

A crescente especialização acadêmica trouxe aspectos positivos e negativos para o campo da História Econômica. Entre os primeiros, destaca-se a melhor compreensão de processos históricos específicos, mediante análises estruturadas sobre dados empíricos sólidos. Entre os segundos, cita-se o perigo da perda da visão do todo. Muitos desses estudos, excessivamente verticalizados, não demonstram capacidade de articulação entre a parte por eles analisada e complexo tecido da história. O resultado é a terrível sensação de um quebra-cabeça, no qual apenas um dos seus inúmeros pedaços se encontra em nossas mãos. Como o resto se esvaiu, torna-se impossível saber qual seria a imagem formada pelo jogo completo.

A história da economia latino-americana no século XX é um dos inúmeros exemplos desses quebra-cabeças cujas peças ainda estão dispersas. Não há dúvida de que os estudiosos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), entre os quais Raúl Prebisch e Celso Furtado, realizaram obras primorosas sobre o tema entre as décadas de 1940 e 1960, porém não apresentaram – exatamente devido à amplitude dos seus trabalhos – um embasamento empírico suficientemente forte que permitisse a solidificação das suas teses junto ao mundo acadêmico. Ao longo dos anos 1970 e 1980, porém, vários estudos específicos apareceram a fim de cobrirem tal lacuna. Comprovou-se, mediante contraponto com as análises empíricas da evolução das economias brasileira, venezuelana, argentina, chilena, mexicana, entre outras, o quanto vários aspectos da teoria cepalina se encaixavam nos modelos de desenvolvimento apresentados por tais países. Mesmo assim, ainda escasseava um trabalho de peso que reunisse todas as peças do quebra-cabeça da economia latino-americana nos Novecentos. É exatamente essa lacuna que a obra de Victor L. Urquidi, Otro siglo perdido – Las politicas de desarrollo em América Latina, 1930 – 2005 (“Outro século perdido – As políticas de desenvolvimento na América Latina, 1930-2005”), publicado pela editora Fondo de Cultura Econômica em 2005, visava preencher.

De fato, ao se observar a trajetória da vida acadêmica e profissional do autor, poder-se-ia pensar na possibilidade dessa difícil tarefa ser alcançada. Victor Urquidi nasceu na França em 1919, mas, devido ao trabalho diplomático de seu pai, se mudou cedo para a América Latina. Sua formação primária ocorreu em diferentes países do continente: Colômbia, El Salvador, Uruguai e México. Em 1940, após ter completado o ensino secundário na Espanha, formou-se em Economia na Universidade de Londres. Em razão da guerra, voltou para a América Latina e começou a trabalhar no Banco del México. Ali, ao entrar em contato com pessoas do meio público, especialmente da Secretaria da Fazenda Federal, teve a oportunidade de participar de importantes encontros internacionais do período bélico, tais como a Conferência Interamericana sobre Cooperação Financeira e Controle dos Bens Inimigos (1942) e, atuando como secretário técnico da delegação mexicana, da Conferência de Bretton Woods (1944). Ainda no Banco del México, ele conheceu Raúl Prebisch – que, após ter sido demitido do Banco Central da Argentina em 1943, vinculou-se, entre outras, a esta instituição. Urquidi passou, dessa maneira, a manter contato com estudiosos que, futuramente, formariam o corpus da CEPAL. Depois de 1945, vinculou-se em definitivo à Secretaria da Fazenda Mexicana e, no final daquele ano, tornou-se membro do corpo técnico do Banco Mundial nos Estados Unidos. Lá, foi encarregado de estudar minuciosamente as potencialidades das economias brasileira e venezuelana em termos de “desenvolvimento sustentável”. Ele próprio admitiu a posteriori que essa experiência lhe permitiu um acúmulo de dados empíricos impressionante sobre tais países. Em 1951, Prebisch o convidou para ser diretor dos estudos da Oficina Regional da CEPAL no México. A partir daí, mergulhou mais a fundo na vida acadêmica. Em 1966, tornou-se presidente do Colégio de México, uma das mais prestigiosas instituições de ensino nacionais. Por vinte anos, dedicou-se à pesquisa e, em especial, ao projeto de coletar todos os dados possíveis sobre as economias dos países latino-americanos a fim de fazer um trabalho único acerca da evolução das políticas de desenvolvimento no continente ao longo do século XX. Em 1987, voltou para os Estados Unidos como membro do ILAS (Instituto de Estudios Latinoamericanos). Ao mesmo tempo em que lecionou em vários cursos de pós-graduação do país, tal como no de Economia da Universidade de Texas, continuou sua monumental pesquisa. Em 2004, após concluí-la, faleceu. No ano seguinte, a editora Fondo de Cultura publicou-a.

O resultado, por incrível que pareça, foi decepcionante. O que se percebe ao longo das quase seiscentas páginas do livro é, de fato, uma pesquisa empírica de fôlego, porém de baixo caráter analítico. O leitor se vê obrigado a encarar parágrafos e mais parágrafos de puras e áridas citações numéricas sem as posteriores – e fundamentais – dissecações interpretativas. Falta, em vários momentos da obra, a apresentação da cereja do bolo, ou seja, aquilo que amarra e dá sentido para todas as elucidações empíricas feitas pelo autor. Não que estas não sejam importantes – muito pelo contrário, são essenciais -, mas se tornam pedantes, cansativas e pouco esclarecedoras diante da escassez analítica.

Nos poucos momentos da obra em que Urquidi demonstra preocupação em explicar o monumental empírico coletado, não se vê, da mesma forma, grande coisa. Ao analisar, por exemplo, os pífios índices de crescimento agregado da América Latina entre as décadas de 1980 e 1990, o autor apresenta como um dos seus fatores, entre outros aspectos, a questão do suposto protecionismo excessivo concedido aos setores fabris locais. Conforme o autor, isso tornou as indústrias latino-americanas “obsoletas” perante suas congêneres internacionais e, com isso, despreparadas para suportar a brusca abertura econômica ocorrida no continente no período. Segundo ele, uma das possíveis saídas para esse imbróglio era a de uma gradual retirada dos suportes estatais para esses ramos, mediante prática de uma “política sólida” de crescentes inversões em áreas vinculadas à ciência, tecnologia e educação. Todavia, não se comenta, nem por um instante, a questão da dependência tecnológica dos países periféricos diante dos centrais, os lobbys das grandes corporações a fim de manterem intactos seus privilégios em termos de patentes e – muito menos – as dificuldades financeiras estruturais das nações latino-americanas no que tange ao financiamento dessas políticas. Da mesma maneira, quando Urquidi se propõe a discutir o sério problema da dívida externa na América Latina, observa-se o mesmo problema: um amontoado de dados e superficiais bases analíticas.

Para os estudiosos do tema, portanto, a aquisição da obra é válida devido à vasta pesquisa empreendida pelo autor. Aqueles, todavia, que procuram reunir as peças do quebra-cabeça, só há uma coisa a dizer: estamos, infelizmente, diante de um “otro libro perdido”


Resenhista

Felipe Pereira Loureiro – Mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP).


Referências desta Resenha

URQUIDI, V. L. Otro siglo perdido. Las politicas de desarollo em América Latina (1930 – 2005). México: FCE, 2005. Resenha de: LOUREIRO, Felipe Pereira. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 04, n. 07, p. 119-121, junho, 2007. Acessar publicação original [DR]

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