Patrimônio e Resiliência: perspectivas frente às mudanças climáticas | PerCursos | 2021

Em 06 de Agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) finalizou a primeira parte do Sexto Relatório de Avaliação (AR) sobre as Mudanças Climáticas na contemporaneidade e as perspectivas de nosso futuro. Chamado de “A base das ciências Físicas”, o relatório teve baixa visibilidade midiática no Brasil, mas entre alguns setores sociais tem despertado discussões motivadas pelas conclusões e prognósticos aterradores. O relatório aponta que a emergência climática é um “fato”, ou seja, que é um ponto de convergência entre pesquisas e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e vindos de variadas instituições e nacionalidades. Esse “fato” atesta que estamos muito próximos de um ponto sem retorno – tipping points – no que diz respeito aos danos causados pelas mudanças climáticas sobre a vida e os complexos (e delicados) sistemas que a envolvem no planeta Terra. Em outras palavras, não há retorno dos severos e permanentes danos ao clima do planeta com efeitos em todos os aspectos da vida na terra, incluindo os elementos socioculturais.

Diante desse cenário, o Comitê de Mudanças Climáticas e Patrimônio do ICOMOSBR, juntamente com a Revista PerCursos, em seu 22º volume, apresenta o dossiê “Patrimônio e Resiliência: perspectivas frente às mudanças climáticas” como forma de colaborar no debate sobre o estado da arte, os efeitos, as causas, as consequências e as possibilidades da preservação do patrimônio cultural, das diversas categorias, frente às mudanças climáticas.

O primeiro artigo do Dossiê nos aponta a dimensão da temática ao abordar “algumas questões teóricas relacionadas às políticas de patrimônio em tempos de emergência climática e à pluralidade de significados e valores que perpassam essas políticas” (LOWANDE; CORRÊA, 2021). Apresentado pelo Dr. Walter Francisco Figueiredo Lowande e pela graduada Jaíne Diniz Corrêa, ambos da UNIFAL-MG, o artigo traz o tombamento da Ponte das Amoras, que liga os municípios de Alfenas e Campos Gerais sobre o trecho alagado do rio Sapucaí, pela Usina Hidrelétrica de Furnas.

A Dra. Natália Biscaglia Pereira (UFFS) e os acadêmicos Pâmela Pasini (UFFS) e Eduardo Müller Bittencourt (UDESC) apresentam uma visão ampla do tema com o artigo “Impacto das mudanças climáticas no contexto do patrimônio cultural de cidades europeias e brasileiras: breve panorama de estudos sobre o tema entre 2000 e 2020” com especial foco para a conservação e restauro, objetivando

uma revisão narrativa da literatura de artigos científicos e bibliografia de referência sobre o tema do impacto das mudanças climáticas no âmbito patrimonial, comparando criticamente o caso brasileiro com o contexto internacional, sobretudo europeu. (PEREIRA et al., 2021)

A preocupação com a acessibilidade é o foco do artigo “Comunicação visual acessível das mudanças climáticas e seus impactos sobre o patrimônio cultural arqueológico”, que visou “mapear como a estratégia proposta pelo Programa Climate Visuals, desenvolvido e elaborado pela Climate Research, pode ser adaptada ao contexto brasileiro, promovendo o acesso ao seu conteúdo também a pessoas com deficiência visual” (TIZUKA; RIBEIRO, 2021). Segundo as autoras, a Doutoranda Michelle Mayumi Tizuka e a Msc. Aline dos Santos Ribeiro,

essa é uma primeira abordagem para nortear os próximos passos de construção de um material digital que realize uma comunicação visual não apenas atraente, mas também acessível, das mudanças climáticas e seus impactos sobre o Patrimônio Cultural Arqueológico. (TIZUKA; RIBEIRO, 2021)

O cenário sobre o patrimônio mundial diante dos efeitos das mudanças climáticas foi tratado pela Dra. Sílvia Helena Zanirato (USP) no seu artigo “O patrimônio mundial em território brasileiro: vulnerabilidades à conservação em um cenário de mudanças climáticas”. O artigo buscou

considerar os riscos colocados ao patrimônio mundial em solo brasileiro decorrentes da variabilidade climática. Com esse propósito foram referidos os efeitos esperados pelas variabilidades climáticas nos diferentes biomas que ocorrem no país e as vulnerabilidades que já se colocam aos bens culturais e naturais no país. As vulnerabilidades atuais tendem a se agravar considerando os cenários futuros, o que leva a pensar nos desafios de controlar essas vulnerabilidades que envolvem não apenas fatores climáticos, como decisões de ordem social, técnica e política a serem enfrentadas. No contexto de mudanças climáticas cada vez mais acentuadas, há a necessidade urgente de identificar estratégias de adaptação bem-sucedidas. A urgência do apelo à ação não é um exagero. (ZANIRATO, 2021)

O patrimônio urbano é objeto do artigo “Urbanismo regenerativo e patrimônio: caminhos para uma abordagem da resiliência urbana sensível ao lugar”, através do aprofundamento do conceito de urbanismos regenerativo, apresentado pela Dra. Carina Folena Cardoso Paes (UFG) como “fundamentos para a construção de um processo reflexivo na tomada de decisão em ações de renovação urbana com objetivos de resiliência aos impactos promovidos pelas mudanças climáticas” (PAES, 2021). O artigo é proposto como um exercício de reflexão que se relaciona com questão de identidade, preexistência, paisagem, entre outras.

A contribuição internacional do dossiê fica a cargo do artigo “La necesidad de resiliencia en las ciudades frente el reto del cambio climático”, da Doutoranda Isabela Beatriz Rufato Machado, da Universidade de Salamanca – Espanha, que trata a questão do urbanismo resiliente como relevante quando dos riscos de desastres como parte dos desafios das mudanças climáticas. Sendo parte de uma perspectiva normativa, o artigo debate como

a resiliencia urbana se establece como una solución parcial frente al riesgo de desastre, proponiendo también una mayor concientización sobre las potenciales consecuencia derivadas del cambio climático, exponiendo datos preocupantes de los índices de cambios globales en la temperatura, aumento del nivel del mar, deshielo, etc. (MACHADO, 2021)

A perspectiva rupestre é apresentada pelo artigo “As representações faunísticas na arte rupestre do Parque Nacional da Serra da Capivara como indicadores de mudanças climáticas e resiliência”, submetido pelas Dras. Luana Campos (UEG) e Cristiane de Andrade Buco (IPHAN), no qual é proposta “uma metodologia de abordagem dupla, pautada na análise por fragmentação e por intersecção, como forma de compreender a complexidade das relações clima/patrimônio na região do Parque Nacional Serra da Capivara” (CAMPOS; BUCO, 2021), com especial foco nas informações possíveis de serem aferidas através de sítios rupestres do parque.

Por outra perspectiva, a relação entre as mudanças climáticas, o patrimônio alimentar e a agrobiodiversidade é tratada no artigo apresentado pelas Dras. Cristina Fachini e Aline Viera de Carvalho, ambas da UNICAMP e pelo Dr. Rafael Moreno Rojas, da Universidade de Andalucía – Espanha. Com o título “Mudanças climáticas, patrimônio alimentar e agrobiodiversidade: aprendizados para resiliência”, o artigo visa “apresentar como a cultura alimentar de diferentes grupos sociais aporta aprendizados para resiliência em relação às mudanças climáticas” (FACHINI et al., 2021), fazendo um estado da arte da questão como forma de abordar os processos de adaptações diante das mudanças climáticas.

Ocupando-se das relações entre cultura e meio ambiente, o artigo “Cultura, natureza, materialidade e imaterialidade: inter-relações nas políticas patrimoniais”, de autoria da Msc. Monica Marlise Wiggers, não trata especificamente das mudanças climáticas, mas busca “como instigar os gestores públicos e pesquisadores a incorporarem as condições sociais e ambientais nas discussões” (WIGGERS, 2021) sobre os instrumentos legais, em meio a um cenário em que

Observa-se, atualmente, uma intensa transformação de todas as ordens e escalas nas mais diversas paisagens: áreas de florestas são convertidas em campos, áreas de campos nativos em florestas plantadas, e ambos dão lugares a cidades, as quais também se transformam de maneira extremamente dinâmica. Estas alterações são drásticas, exigindo que os instrumentos voltados à proteção do Patrimônio Cultural se adaptem a esse cenário. (WIGGERS, 2021)

Por fim, cabe salientar que os impactos causados pelos efeitos das mudanças climáticas sobre o patrimônio cultural estabelecem uma estreita relação com o conceito de resiliência, em seus diferentes sentidos, pois resiliência enquanto verbo de resistência frente às mais distintas ameaças, pode caracterizar tanto os resultados do patrimônio enquanto produto de diferentes alternâncias climáticas/ambientais ao longo do tempo, quanto a sobrevivência desse aos efeitos danosos dos eventos extremos, característico desses períodos de mudanças no regimento atmosférico. Por outra perspectiva, o patrimônio, como materialização de memórias construídas, atua com estoicismo para o grupo representado por ele. O tema é urgente e sua discussão traz a lucidez científica necessária para pensarmos em nossas escolhas e nossa construção de um presente e um futuro possível.

Boa Leitura,


Organizadores

Luana Cristina da Silva Campos – Comitê sobre Mudanças Climáticas do ICOMOS-BR http://orcid.org/0000-0001-5985-1756

Aline Vieira de Carvalho – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP https://orcid.org/0000-0001-7380-5940


Referências desta apresentação

CAMPOS, Luana Cristina da Silva; CARVALHO, Aline Vieira de. Apresentação. PerCursos. Florianópolis, v. 22, n. 49, p. 05 – 09, maio/ago. 2021. Acessar publicação original [DR]

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