Princípios: seu papel na filosofia e nas ciências – DUTRA; MORTARI (P)

DUTRA, L. H. de A.; MORTARI, C. A. (Eds.). Princípios: seu papel na filosofia e nas ciências. Florianópolis: Núcleo de Espistemologia e Lógica da Universidade Federal de Santa Catarina, 2000, 369p. (Coleção Rumos da Epistemologia, v. 3). Resenha de: KRAUSE, Décio. Principia, Florianópolis, v.4, n.2, 2000.

O primeiro passo para se apreciar um livro como este é. entender o seu contexto. Criado em 1996, o NEL (Núcleo de Espistemologia e Lógica, da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, www.cfh.ufsc.bri—nel), tem por finalidade integrar grupos de pesquisa em lógica, teoria do conhecimento, filosofia e história da ciência e áreas correlatas. Desde então, o NEL tem se destacado pela organização de eventos que paulatinamente vão se integrando ao cenário filosófico brasileiro, bem como pela publicação de textos de caráter filosófico e histórico que refletem atividades atuais de pesquisa nestas áreas. Em especial, destaca-se o Primeiro Simpósio Internacional da revista Principia, Revista Internacional de Epistemologia publicada pelo NEL e pela Editora da UFSC. O livro em apreço reune textos apresentados em tal Simpósio, realizado na cidade de Florianópolis, de 9 a 12 de Agosto de 1999, com apoio do CNPq, da CAPES e da própria UFSC. O livro é dividido em cinco seções, a saber: Lógica e Matemática, Lingüística e Filosofia da Linguagem, Episternologia e Filosofia da Ciência, Filosofia da Mente e Filosofia Moral e da Ação.

Na seção 1, há três artigos. No primeiro, intitulado “Cambio de problemas en el cuestión de los princípios de la ma temática” (pp. li- 29), Jorge Alberto Molina, da Universidade de Santa Cruz do Sul, defende a tese de que o desenvolvimento da filosofia da matemática seguiu o mesmo esquema que a evolução da epistemologia das ciências naturais. No contexto de seu argumento, uma breve revisão dos 328 Reviews principais resultados em lógica (clássica) moderna são retomados a fim de que se possa traçar um paralelo com temas próprios da epistemologia das ciências naturais. No segundo artigo, “Against modal realism” (pp. 31-46), Cezar A. Mortari, da UFSC, examina algumas das objeções que têm sido postas contra o realismo modal de David Lewis, concluindo que tais objeções trazem tantos (ou mais) problemas quanto a visão que pretendem criticar. No terceiro artigo, Jean- Yvez Béziau, então da Universidade Federal Fluminense (atualmente na Universidade de Stanford) comenta o status dos princípios lógicos em geral em “Y a-t-il des principies logiques?” (pp. 47-54). A existência de sistemas lógicos não clássicos (alguns deles que ele próprio ajudou a desenvolver) que derrogam princípios tidos antigamente como ‘leis fundamentais do pensamento’, principalmente os famosos princípios da não-contradição, do terceiro excluído, da identidade e da bivalência, é mencionada como argumento em favor da não existência de “leis lógicas” que não possam ser derrogadas, e destaca a predominância de uma visão “estrutural” da lógica na atualidade.

Na segunda seção, Maria Vitoria Rébori, da Universidade de São Paulo, em “The principies of identity and conrinuity in the history of linguistics” (pp. 57-67), discute algumas conexões entre lingüística e filosofia, notadamente aquelas vinculadas a alguma forma de princípio da identidade e/ou continuidade de conceitos na ciência e na filosofia; o trabalho de J. R. Firth é destacado neste contexto.

No segundo artigo, “Identidade, a priori e necessário: o que pode a semântica sem epistemologia” (pp. 69-82), Adriano N. de Brito, da Universidade Federal de Goiás, retoma a discussão envolvendo o conceito de identidade no âmbito da semântica usual e da distinção entre sentido e referência em um contexto epistemológico. No artigo seguinte, intitulado “Conseqüências lógicas, alternativas relevantes e o principio do fechamento epistêmico” (pp. 83-93), Flávio Williges, da UNISC, discute a questão do referido princípio no contexto do pensamento de E Dretske e do ceticismo. A seguir, em “Wittgenstein e o projeto de uma linguagem primária’ (pp. 95-108), João Carlos S. II da Silva, da Universidade Federal da Bahia, traz à tona a discussão entre a linguagem e a descrição do fenômeno no âmbito da filosofia de Wittgensteirt.

A seção 3 inicia com M. A. Frangiotti, da UFSC, que em “Kant Resenhas 329 e o caráter a priori do espaço” (pp. 111-41) argumenta contra a tentativa de equiparação das doutrinas de Kant e de Berkeley, indo de encontro aos que sustentam que o idealismo transcendental kantiano teria reeditado o pensamento de Berkeley, de forma que os elementos do mundo exterior nada mais seriam do que meras representações ou idéias, ainda que (como comenta o autor) possa-se de fato detectar alguma forma de similaridade entre esses dois pensadores. O artigo seguinte é “Os princípios da interioridade e da exterioridade no estudo da percepção” (pp. 143-56), de Sônia R. Morais, da LTNESP de Manha; nele, a autora desenvolve uma análise crítica dos princípios do título, restritos ao problema do conhecimento perceptual. Em “Realismo e relativismo como faces de uma mesma moeda” (pp. 157— 76), Eros M. de Carvalho, da UFMG, defende a possibilidade de se aceitar o relativismo conceituai e o realismo como não excludentes, uma vez que sejam interpretados adequadamente, o que é feito à luz da filosofia de 1-1. Putnam. Em “Versões do mundo ou mundo das versões 1” (pp. 177-90), Noeli Rarnme, da UFSC, traça algumas respostas a questões relacionadas ao que seriam ‘versões do mundo’, conceito importante na argumentação de Goodman acerca do seu pluralismo. Por sua vez, Sofia I. A. Stein, da Universidade Federal de Goiás, em seu “A epistemologia naturalizada e a negação de princípios a priori do conhecimento” (pp. 191-202), procura mostrar, a partir de textos de Quine, Strawson e Haack, o modo pelo qual uma filosofia naturalizada nega a existência de princípios a priori do conhecimento e defende que a filosofia só se desenvolve com o auxílio do conhecimento das ciências empíricas. Em “A seleção natural Darwiniana: discutindo a justificativa de um princípio” (pp. 203-21), Anna Carolina K. E Regner, da UFRGS, discute aspectos do tratamento hipotético-dedutivo à teoria da seleção natural Darwiniana.

Em “O perspectivismo na concepção Pascaliana de conhecimento” (pp. 223-30), João L. da S. Santos e Mariana C. Broens, da UNESP (Manha), tratam, como sugere o título do artigo, de aspectos epistemológicos na obra de Pascal.

A Seção 4 inicia com Renato Schaeffer, da FEUFRJ, que em “Princípios neuropsicolégicos evolucionistas do etos humano” (pp. 233— 78), parte de um modelo científico da antropologia evolucionista, que destaca servir para descrever a estrutura psicológica do crus, para en330 Reviews tão propor o que chama de um ‘programa naturalista esclarecido’ para uma antropologia filosófica especulativa. Em “Quine on the nature of mind: from behaviorism to anomalous monism” (pp. 279-312), Luiz Henrique Dutra, da UFSC, distingue entre formas forte e fraca de behaviorismo, argumentando que Quine mantém a forma fraca, dando-lhe um status heurístico, que é então alicerce para sua investigação do fenômeno mental, resultando em uma forma de ‘nanismo anômalo’ relativamente a questões metafísicas. Encenando esta seção, Roberto S. Benítez, da Universidade Michoacanam de San Nicolás de Hidalgo, no México, traz, em “Intencionalidad y persona en la fenomenología de Husserl” (pp. 313-23), alguns complementos a críticas desferidas por 2 Ricoeur a certos aspectos da fenomenologia de Husserl.

A seção final apresenta inicialmente o trabalho de Maria Cecília M. de Carvalho, da PUC-Campinas, intitulado “Anti-moralismo e anti-paternalismo no ensaio ‘On liberty’ de J. S. Mill” (pp. 327-43), no qual provê subsídios para a discussão de algumas questões relacionadas à concepção de liberdade em John Stuart Mil. Em “Intuições, princípios e teorias nas filosofias de Rawls e Hare” (pp. 345-59), Alcino E. Bonella, da Universidade Federal de Uberlândia, discute as propostas em filosofia moral de Rawls e Hare. Finalmente, Delamar J. V. Dutra, da UFSC, em “A categoria do direito na ótica do agir comunicativo: uma armadura para o sentido dos limites da linguagem” (pp. 361-69), discute a racionalidade comunicativa e seus limites, mostrando de que forma a moral comunicativa está inerentemente vinculada ao direito e à sua filosofia.

Como parece patente, o livro apresenta discussões pertinentes em uma boa variedade de assuntos, oferecendo ao leitor oportunidade de acesso a vários temas da filosofia contemporânea, sendo de grande valia para estudantes e professores de cursos de filosofia, tanto de graduação como de pós-graduação, bem Como de áreas correlatas.

Décio Krause – Departamento de Filosofia Universidade Federal de Santa Catarina

 

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