Quebra de Protocolo: a política externa do governo Lula (2003-2010) | Moisés da Silva Marques

Dentre as várias análises sobre as mudanças na política externa do Brasil notadamente iniciadas a partir da eleição e da chegada ao poder do ex-presidente Lula, em 2003, destaca-se a leitura de Moisés Marques em seu trabalho recém-publicado sob o título de Quebra de Protocolo: a política externa do governo Lula (2003-2010).

Estruturado em seis capítulos, Expectativas e primeiros movimentos, Relações Sul-Sul, Questões econômico-financeiras, Relações ao Norte, Temas contemporâneos, e Polêmicas à parte, nesse breve estudo das relações exteriores praticadas durante o período dos oito anos de governo, é situado um argumento central que teria marcado e alavancado o exercício da política externa brasileira, descrito pelo autor como o momento maquiaveliano. Segundo essa proposição, a política externa desse período deve ser considerada inicialmente a partir do fato dela ter se beneficiado de uma especial conjuntura de fatores que proporcionou um cenário favorável para sua execução.

Assim, é ressaltado como a política externa soube aliar o momento de fortuna, no qual se verificava, tanto no plano doméstico quanto no plano internacional, contextos que facilitavam seus empreendimentos, com ocasiões claras de virtù. Desse modo, sem prescindir às quebras de protocolos, que por vezes causaram polêmicas, sobretudo pelo engajamento da chamada diplomacia presidencial, na qual ficava claro o protagonismo de Lula, os alcances da política externa do período são vistos principalmente a partir de suas importantes conquistas. Apesar de imperfeições e erros flagrantes ocorridos no que diz respeito ao exercício da política externa, que foram minimizados pelas circunstâncias favoráveis, e que são também assinalados e criticados pelo autor, são destacados os avanços provenientes da escolha do multilateralismo como estratégia central do engajamento internacional brasileiro, e as relevantes e bem-sucedidas incursões pragmáticas de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, que estiveram à frente do Itamaraty.

Articulando elementos políticos, econômicos e históricos, o livro relembra as desconfianças iniciais em relação à formação do novo governo, mas que foram rapidamente substituídas por um otimismo quase generalizado após as primeiras ações adotadas pela estratégia que implementou algumas continuidades relevantes para a garantia da credibilidade externa, e, ao mesmo tempo, engajou-se em outras grandes e importantes mudanças na política externa.

Sobre essas alterações nos rumos da política externa brasileira, são situadas as decisões de privilegiar relações com países que pouco faziam parte do raio de ação ou influência do Brasil. Nesse sentido, o autor destaca a prioridade estratégica das chamadas relações sul-sul, que vão resultar em novas iniciativas para o Mercocul e nos incentivos para a criação de um novo projeto para a integração sul-americana, a Unasul. São lembradas também as incursões nos países africanos, em que foram abertas representações consulares para incentivar o intercâmbio afro-brasileiro, bem como o aumento das relações com países árabes, e ainda a produtiva criação do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um processo de integração em moldes completamente renovados, contando com a participação de países emergentes e cada vez mais influentes no cenário internacional, para tomadas de decisões conjuntas em foros políticos, diplomáticos, econômicos e comerciais.

Apesar dessa evidente preferência pelas relações sul-sul, o livro lembra também as importantes reaproximações ou rearranjos nas relações ao norte, ou seja, os ajustes da política externa brasileira em relação aos Estados Unidos, resultando em uma menor dependência ao grande parceiro, sem que se negasse a relevância de tal relação, a busca por melhores parcerias com a União Europeia, e a retomada da aproximação diplomática com o Japão.

No que diz respeito às questões econômico-financeiras, é destacada a atuação brasileira na OMC, cuja participação passou a ser de protagonismo, resultando recentemente na eleição de Roberto Azevedo para a presidência do órgão. Outra importante iniciativa é observada na conformação do G-20, que possibilitou associações com outros países no sentido de criar melhores condições de estabilidade econômica contra crises financeiras. Além disso, possibilitou participações mais firmes na Rodada Doha da OMC, levando a certa equiparação nos processos de negociação com as grandes potências.

São ainda apreciados temas como o pleito brasileiro para a organização de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, assim como temas polêmicos e mais complexos, como o caso Cessare Battisti, e a participação brasileira na Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti).

Por fim, o autor retoma a discussão sobre o momento maquiaveliano destacando a figura do ex-presidente Lula como homem de boa fortuna, que soube fazer da política externa brasileira, durante o tempo em que esteve à frente do governo, uma equação que combinou ambição, persistência e estratégia, resultando, ainda que como vários percalços, em ganhos e avanços significativos para o país.


Resenhista

João Paulo Gusmão P. Duarte – Professor de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina de São Paulo – FASM. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

MARQUES, Moisés da Silva. Quebra de Protocolo: a política externa do governo Lula (2003-2010). São Paulo: Desatino, 2013. Resenha de: DUARTE, João Paulo Gusmão P. Meridiano 47, v.15, n.143, p.45-46, maio/jun. 2014. Acessar publicação original [DR]

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