Republicanismo Inglês: Uma Teoria da Liberdade | Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros

No dia 31 de dezembro de 1958 Isaiah Berlin, em uma aula inaugural na Universidade de Oxford, retomaria de forma contundente as duas conceitualizações de Benjamin Constant sobre liberdade, a saber: a liberdade negativa e positiva. A primeira, tendo Thomas Hobbes como ídolo maior, se referiria à liberdade como ausência de restrição, em que o agente, mesmo podendo sofrer forças externas de persuasão, poderia agir sem coação. Já a segunda emanaria de Aristóteles e contagiaria filósofos como Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau e Hegel. Nela, a liberdade seria a capacidade de determinar a própria ação, sem ser influenciado por forças externas. Os dois conceitos, conclui Berlin, seriam indispensáveis para a modernidade.

A essa interpretação, publicada imediatamente como panfleto pela Clarendon Press e como livro onze anos depois na coletânea Four Essays on Liberty, Quentin Skinner rebateu os argumentos de Berlin com o seu livro-panfleto Liberdade Antes do Liberalismo (1998), em que resgatava um terceiro conceito de liberdade, este muito caro à tradição republicana, a liberdade neorromana. Para Se utilizar da própria metodologia de Skinner, o livro de Alberto Barros vem justamente em direção a essa contenta, atacando as pretensões liberais de Isaiah Berlin e corroborando com o republicanismo de Philip Pettit e Quentin Skinner.

Se esse veio, por vezes subterrâneo, aponta o sentido da obra, um outro aponta a sua origem. Os recentes estudos sobre o republicanismo seiscentista inglês, encabeçados por John Pocock e Sarah Barber são convidados frequentemente para o diálogo sem que os instigadores do estudo sobre o republicanismo, como Hans Baron, Eugenio Garin, Zera Fink e Hannah Arendt sejam esquecidos.

É justamente com um elogio a Zera Fink e Caroline Robbins que Alberto Barros inicia seu texto, creditando às duas o ineditismo de se reunir figuras aparentemente dispersas como James Harrington, John Milton, Marchamont Nedham e Algernon Sidney numa mesma análise, atribuindo a eles características de um pensamento comum, o republicanismo.

Mesmo elogiando as precursoras, Alberto Barros amplia e remodela a análise do que teria sido o surgimento do republicanismo em solo inglês. Primeiramente o autor destaca fases diferentes desse republicanismo, sendo a inicial creditada aos humanistas que, como Thomas Starkey, usaram de suas ideias não para contestar a coroa, mas para a reformulação de algumas instituições. O período de fortalecimento da linguagem viria com as disputas entre Parlamento e realeza, em que os limites de cada um eram debatidos por vezes com ideias recorrentes na tradição republicana, como a de um regime misto. Dessa tensão que se espraiava do direito de criar impostos a uma reformulação das instituições religiosas, estoura a guerra civil e que, em sua iminência e em seu desenrolar revitalizaram outros debates caros ao republicanismo, como o direito de resistência. Esse solo fértil para o nascimento do ideário republicano e que também era perpassado por outros debates, como o da soberania, é tema do seu primeiro capítulo e o insere nos debates historiográficos a serem percorridos ao longo do texto.

Nos três capítulos consecutivos nos são apresentados três participantes políticos do período: John Milton, Marchamont Nedham e James Harrington, associando a cada um deles um entendimento de liberdade a uma compreensão de república. Poeta, panfletário e secretário de línguas estrangeiras da Free Commonwealth, John Milton não embasava seu republicanismo em uma raivosa oposição à monarquia, mas sim à tirania. Para tanto, ele teria concebido a liberdade em três aspectos: a liberdade religiosa, a doméstica e a civil, que se ligariam por meio de seu republicanismo e de seu puritanismo, requerindo do cidadão uma liberdade que o afastasse dos vícios para uma dedicação sábia e racional a uma república instaurada nas leis. O polêmico Marchamont Nedham que, apesar de mudar de lado conforme a situação, contribuíra para o debate divulgando um republicanismo maquiaveliano, associando a liberdade individual à liberdade do Estado: só seria possível ser livre em um Estado livre, republicano. Dos três, o mais próximo de ser um filósofo político, James Harrington teoriza sobre o equilíbrio necessário em um Estado, em que a estrutura agrária teria de se sintonizar à estrutura política: numa república uma configuração popular das terras teria de se aliar a um Estado com alternância entre magistrados, uma abrangência larga de votantes e uma separação entre o legislativo e o judiciário. A liberdade só poderia ser cultivada nessa estrutura política, que limitava o interesse privado dos homens ao mesmo passo que garantia a atuação da cidadania.

No quinto e último capítulo Alberto Barros confronta os personagens ao fracasso da república, o que fez com que cada um deles reformulasse as próprias ideias, fazendo com que John Milton, por exemplo, assumisse seu republicanismo na sua forma mais cristalina. Concomitantemente Barros compara os três autores, levando-o a formular um conceito comum de liberdade, a liberdade como não dominação. Ser livre não seria ausência de coação, tão pouco seria uma autonomia internamente cultivada, ser livre seria não estar sujeito a uma vontade arbitrária, seria cortar os laços de dependência entre governantes e governados. Para o cultivo de tal liberdade a república seria o solo mais fértil, pois nela nenhum poder externo ao cidadão o controlaria, mas sim ele mesmo, subjugado às leis. Na Turquia, ironiza Harrington ao criticar Hobbes, um homem não seria livre por não sofrer interferência de outrem, mas sim permanente escravo das vontades de seu soberano. A teoria da liberdade republicana se manifestaria, portanto, na relação entre indivíduos e não na sua solidão. Para um indivíduo ser livre não bastaria compreendê-lo frente a instituições abstratas ou a sua própria consciência, mas sim em relação aos indivíduos que ele compartilha a vivência.

O longo percurso da sua tese de livre-docência também crava sua unicidade no debate historiográfico acerca do republicanismo. A difundida tese de John G. A. Pocock de momentos maquiavelianos, em que o humanismo cívico se expressaria em alguns momentos da história moderna, teria suas imprecisões segundo Barros. Apesar da linguagem maquiaveliana estar presente nos escritos de Harrington, Milton e Nedham, as conceitualizações se divergiriam. O republicanismo inglês não seria, portanto, o desembarcar do humanismo cívico na ilha, mas sim a produção de uma teoria própria da liberdade. Partindo de Pocock Barros acaba por distancia-lo, rejeitando um momento maquiaveliano seiscentista inglês e afirmando uma matriz própria, influenciada pelo republicanismo italiano e clássico mas também confrontando-o com a tradição constitucional inglesa.

O livro de Alberto Barros tem, portanto, essa dupla contribuição: a de debater com produções recentes e clássicas da historiografia, num esforço de ineditismo sobre a presença do ideário republicano na Inglaterra revolucionária e o de engajar-se contra as conceitualizações liberais de Isaih Berlin, tomando partido, assim como Quentin Skinner, de um programa político republicano, fundado em uma outra concepção de liberdade, a da liberdade como ausência de dominação.


Resenhista

Pedro Henrique Barbosa Montandon de Araújo – Mestrando em História Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

BARROS, Alberto Ribeiro Gonçalves de. Republicanismo Inglês: Uma Teoria da Liberdade. São Paulo: Discurso Editorial, 2015. Resenha de: ARAÚJO, Pedro Henrique Barbosa Montandon de. Temporalidades. Belo Horizonte, v.8, n.2, p.519-521, maio/ago. 2016. Acessar publicação original [DR].

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