Rising powers/shrinking planet: the new geopolitics of energy | Michael Klare

A constituição da vida internacional, em seus aspectos primordiais como habitação, produção de alimentos, manutenção do funcionamento da economia e o estabelecimento dos fluxos de transporte e comunicação, depende dos insumos energéticos como sua força motriz. A nova sociedade da informação e a tradicional política de poder das Grandes Potências, com seu aparato industrial-militarista, tornaram-se reféns dos recursos energéticos. Como conseqüência, a ordem internacional neste século 21 vem adquirindo um perfil peculiar, com duas características: o encolhimento do planeta e a ascensão de novos poderes. A conexão entre estes dois fenômenos é atribuída por Michael T. Klare ao papel da energia como pivô nos assuntos internacionais da atualidade.

Diretor do Five College Program in Peace and World Security Studies at Hampshire College in Amherst, Michael T. Klare tem se destacado nos estudos sobre o papel do petróleo na política internacional, política externa energética e guerras por recurso, com uma abordagem marcadamente estratégica e geopolítica. Assim, a principal contribuição desse novo livro é aprofundar o debate e atualizar as discussões sobre a problemática energética mundial. Apresenta uma visão de mundo condizente com os anseios e preocupações da sociedade global, com o crescimento da demanda energética por nações de grande porte como China, Índia e Brasil e evidencia a provável escassez de recursos vitais como petróleo, gás e minérios em geral. Busca, em suma, intensificar o debate sobre o papel das potências e de empresas nacionais e multinacionais na conformação de uma ordem energética internacional.

Em termos de fontes, o autor trabalha com dados recentes, retirados de instituições dedicadas a monitorar o setor energético de países e regiões do mundo, como empresas multinacionais (BP), organizações internacionais (AIE, AIEA, OPEP), agências governamentais (USDoE) e organizações não-governamentais. Do ponto de vista metodológico, Michael T. Klare faz análises de conjunturas e criação de cenários a partir do acompanhamento da mídia corrente, utilizando-se de premissas geopolíticas, pressupostos teóricos e conceitos realistas, respaldados em contextualizações históricas.

Para tanto, o autor divide a obra em nove capítulos que tratam de maneira geral da nova geopolítica da energia nas relações internacionais. No primeiro capítulo, Altered states, um processo de exaustão da matriz energética de combustíveis fósseis, já bem encaminhado, faz com que a era do petróleo fácil (easy oil) seja paulatinamente substituída pela era do petróleo difícil (tough oil), na qual a extração torna-se crescentemente mais difícil e onerosa. Um dos resultados é uma luta feroz entre novos consumidores de energia dependentes de fontes tradicionais.

O segundo capítulo, Seeking more, finding less, aborda a corrida por recursos entre países, baseada na percepção de que os estoques de commodities energéticas estão encolhendo. Nesse sentido, a disponibilidade global de petróleo está se aproximando de seu cume e tende a cair: o mundo está enfrentando uma ampliação da fenda entre oferta e demanda e as dúvidas persistem quanto à panacéia do gás natural como substituto energético. Além disso, carvão, urânio e outros minerais estão na alça de mira das Grandes Potências e a insaciável sede de recursos coloca à prova sua finitude. Da mesma forma, Klare ressalta os impactos da mudança climática sobre a segurança energética sistêmica. As alterações climáticas passam a afetar tanto regiões fornecedoras de energia quanto produtoras de alimentos, o que deve gerar gastos energéticos excessivos e desnecessários com novas formas de extração de recursos e até a assistência a refugiados ambientais.

No terceiro capítulo, o autor coloca em evidência o que denomina de desafio “Chindia”. A modernização chinesa com a instalação de um moderno parque industrial na região de Shangai e a atuação das estatais chinesas por recursos energéticos, a emergência da Índia e o medo da colaboração entre os dois vizinhos marcam a face do novo perfil da ordem internacional dos dias atuais. O autor não deixa de abordar a contra-ofensiva ao desafio Chindia no setor energético mundial, mostrando o posicionamento de países como Japão e Estados Unidos que procuram formar alianças com outras nações para garantir o acesso aos recursos energéticos necessários a suas sociedades.

Os capítulos quatro e cinco delimitam a Ásia Central como espaço de disputas energéticas mundiais, com ênfase diferenciada no papel da Rússia nesse contexto. No quarto capítulo, An energy Juggernaut, Klare aponta para o reerguimento russo como uma superpotência energética e exalta o papel do líder Putin na renacionalização do setor no país, na criação da maior empresa gaseífera, GASPROM, e na utilização da energia como uma arma política. O destino russo definitivamente passou por uma reviravolta, “o reverso da sorte no piscar de um olhar histórico” (p. 88).

No quinto, Draining the Caspian, reflete o grande jogo energético pelas intricadas redes de prospecção, produção, transporte e comercialização de gás e petróleo da Ásia Central (Bacia do Mar Caspio) e que coloca em rota de colisão russos, de volta ao tabuleiro energético mundial; norte-americanos, em expansão na região após o 11 de setembro de 2001; e chineses, em sua estratégia de avanço para o oeste. Por fora correm outros competidores, principalmente europeus, japoneses e iranianos, tornando a região extremamente vulnerável. Logo, os problemas internos locais se juntam à possibilidade que “potências externas principais tomarão lados opostos em disputas locais ou regionais para proteger seus investimentos” (p. 144).

The global assault on Africa’s vital resources, sexto capítulo da obra de Michael Klare, evidencia o processo de expansão dos frontes da contenda energética para o continente africano em três momentos: a ameaça chinesa encontra-se com a invasão americana em um espaço de predominância histórica européia. No fim, a visão trágica do autor apresenta o futuro da África como um continente de buracos vazios e conflitos interstícios pois “quando guerras relacionadas a recursos e insurgências irrompem, como freqüentemente acontece, é a população civil que sofre” (p. 176).

No capítulo sete, encroaching on an “American Lake”, o autor apresenta a posição defensiva assumida pelos EUA no Oriente Médio em relação à luta por depósitos energéticos. As incursões indianas, chinesas e russas – por meio de parcerias público-privadas ou atuações diretas das empresas governamentais desses países – passam a afetar o domínio norte-americano nas terras do médio Oriente. Klare explica que o Golfo Pérsico foi transformado em um “lago estadunidense”, a partir da década de 1970, quando os interesses energéticos associados a esta região transformam-se em interesse vital, perpassando governos e sendo acoplado à política exterior norte-americana como um desígnio histórico.

O oitavo capítulo explora os movimentos através da fronteira entre conflito armado e a possibilidade de embate entre Grandes Potências. Neste cenário, Klare aponta para a conexão entre transferência de armas e a busca por energia, o recrudescimento do uso da chamada gunboat diplomacy (recurso à ameaça do uso da força), a formação de protoblocos na Ásia e a aliança Japão-EUA. Todos estes elementos podem levar a um cenário de insustentabilidade ou combustão infernal. O último capítulo de Rising powers shrinking planet se desdobra em um conjunto de possibilidades apresentadas ao leitor para se evitar uma catástrofe, proveniente do dilema energético em que se encontra o sistema internacional. Uma ordem energética revisitada passaria por uma transição: da competição para a colaboração entre China e EUA, pelo desenvolvimento de alternativas para o petróleo, por um novo paradigma industrial, pelo desenvolvimento de um uso ecologicamente correto do carvão e por outras parcerias colaborativas entre Grandes Potências.

O tom alarmista das análises de Klare sobrecarrega seu livro de um pessimismo intrínseco à visão realista das Relações Internacionais. Ainda que o autor amplie as discussões sobre as questões ambientais, em comparação com suas obras anteriores, continua limitado em sua correlação entre as esferas energética e ambiental: não aprofunda os dados sobre os impactos ao meio-ambiente, na corrida por recursos, e não explica como a securitização energética está transbordando para uma securitização ambiental. Ademais, a excessiva confiança na abordagem geopolítica e a descaracterização da complexidade analítica do campo das Relações Internacionais colocam em xeque a linha argumentativa da obra em dois eixos: a) não permitem identificar a riqueza compreendida na formação de arranjos como regimes internacionais, complexos e comunidades de segurança; b) simplificam o estudo em termos de duas variáveis (escassez de recursos e conflito internacional) e desconsideram, por exemplo, a construção de medos e ameaças como parte do jogo internacional de poder.

Finalmente, o livro agrega conhecimento ao delimitar um sistema conceitual de explicação sobre a problemática energética, torna-se referência para as análises sobre energia e segurança nas Relações Internacionais. Além disso, subsidia o melhor entendimento da realidade sul-americana que também se vê envolta em seu próprio dilema energético.


Resenhista

Thiago Gehre Galvão – Professor de História das Relações Internacionais do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima – UFRR e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

KLARE, Michael T. Rising powers, shrinking planet: the new geopolitics of energy. New York: Metropolitan Books; Henry Holt and Company; LLC, 2008. Resenha de: GALVÃO, Thiago Gehre. Meridiano 47, v.10, n.109, p.37-39, ago. 2009. Acessar publicação original [DR]

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