Sítio Roberto Burle Marx | Cláudia Storino e Vera Beatriz Siqueira

Maria do Carmo Nabuco, amiga e membro do primeiro Conselho Consultivo instituído por Roberto Burle Marx como corpo auxiliar da gestão de seu Sítio na Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro, resumiu numa frase o significado da doação daquele acervo ao Governo Federal do Brasil: “Roberto, você não tem consciência do tamanho da sua generosidade!”

O então Sítio Santo Antônio da Bica, agora Sítio Roberto Burle Marx, foi doado em 1985 ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, à época vinculado ao Ministério da Cultura (1), com tudo que nele se continha! E é aí que cresce de importância a publicação da qual faremos, nas linhas seguintes, uma breve descrição.

Somente as coleções botânicas, desenvolvidas com permanente dedicação e entusiasmo por Burle Marx durante quase cinco décadas, já representariam um acervo imensurável! E, por força da maior notoriedade como paisagista, este acervo predomina no conhecimento geral sobre os outros doados que, entretanto, não são menos importantes: pinturas autorais, pinturas de outros artistas, coleções de cristais nórdicos, de cristais antigos, de imaginária barroca, de arte popular em cerâmica, em madeira, bem como, mas também não menos importantes, os edifícios – e todos os seus detalhes – e instalações que abrigam tais tesouros. Complementam este expressivo acervo uma biblioteca com cerca de 2.000 volumes relacionados com arte, paisagismo e botânica e todos os móveis que guarneciam a residência e o ateliê do paisagista. Assim, além do patrimônio material, representado pelo imóvel, coleções, construções e toda a infraestrutura, Burle Marx doou um patrimônio imaterial, no qual estão registrados, pelo conjunto, seu modo de vida, seus princípios e estudos científicos relacionados com botânica aplicada a paisagismo, suas intensas atividades sociais, suas invenções culinárias, em suma, os valores intelectuais e humanos que compunham o universo do artista.

Sítio Roberto Burle Marx é uma publicação que materializa todas as informações deste formidável acervo num elegante volume, ilustrado principalmente com as excelentes imagens do fotógrafo Oscar Liberal, com mais algumas de outras fontes. Todos os capítulos foram escritos por especialistas nas respectivas áreas. A começar por Andrey Rosenthal Schlee, que descreve todo o processo de tombamento institucional, incluindo informações sobre o tombamento pelo estado do Rio de Janeiro (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac) e pelo Iphan, antecedido por detalhadas informações biográficas sobre Burle Marx e sua família.

Na seção seguinte, Cláudia Storino, atual diretora do Sítio, nos dá uma ampla visão do histórico institucional, desde os primeiros momentos em que se deu a aquisição, passando pelo longo e difícil processo de doação, até a atualidade. Com efeito, para poder efetuar a doação, havia que indenizar seu sócio, Guilherme Siegfried que, juntamente com Roberto, comprou e construiu o Sítio até o ponto em que este se encontrava em 1984. Para tanto, Burle Marx se desfez de todas as propriedades que possuía, máquinas, veículos, tudo em favor de seu irmão, à guisa de indenização. Como paralelamente doou o Sítio, ficou praticamente sem qualquer patrimônio.

Os textos revelam e registram a construção do Sítio em todos os seus aspectos artísticos e científicos, razão do que foi afirmado acima, a respeito da prevalência das coleções botânicas, não sendo do conhecimento geral o muito além para onde se estende a significância da doação.

Depois de uma breve descrição das construções mais significativas, segue-se o texto da arquiteta Yanara Haas, ex-funcionária da Instituição, em que são descritas as obras de cantaria que, como colecionador que era, Roberto Burle Marx recolheu sistematicamente nas demolições dos antigos casarões da cidade do Rio de Janeiro, incluindo com ênfase, o edifício do ateliê do artista, cuja fachada foi transplantada da zona portuária do Rio de Janeiro e remontada depois de mais de dez anos em que as pedras amontoadas aguardaram seu posicionamento final. Assim foi recomposta uma fachada em granito com mais de 20 metros de extensão.

Segue-se, no capítulo escrito pela historiadora Vera Beatriz Siqueira, um registro analítico das peças que compõem as coleções museológicas, começando pelas obras do próprio Roberto Burle Marx, que servem como fio condutor para uma detalhada e bem consubstanciada descrição da sua trajetória artística, incluindo os fatos históricos que determinaram suas tendências nas várias formas de expressão artística que escolheu para manifestar seu gênio. Uma segunda parte comenta as coleções de objetos e obras de arte amealhadas pelo artista, que também significam, quase heuristicamente, uma leitura de suas inclinações manifestadas através de seus objetos de interesse e coisas pessoais.

O último capítulo diz respeito às coleções botânicas. Aqui é feita uma descrição pormenorizada dos processos de trabalho do Burle Marx paisagista, desde a coleta de plantas em seus ambientes naturais, passando por sua aclimatação e estudo comportamental sob cultivo e multiplicação, até seu uso nos projetos de paisagismo. Descreve também a evolução do paisagista em relação às suas preocupações com conservação ambiental, seu contato permanente com botânicos, geógrafos, agrônomos e qualquer profissional que pudesse trazer um aporte científico às suas posições públicas como denunciante do processo de devastação ambiental que, com maior ou menor intensidade, assolou – e ainda assola – o país durante a segunda metade do século 20.

Após uma estonteante sucessão de belíssimas imagens em página inteira, a maioria do mencionado fotógrafo Oscar Liberal, cuja contribuição é um dos pontos altos da publicação, segue-se uma seção com uma linha do tempo ilustrada dos principais projetos de Roberto Burle Marx, desenvolvidos ao longo de sua carreira. Encerram a obra mais quatro páginas, uma espécie de “calçada da fama” de todos os que trabalham atualmente no Sítio e dos que, em algum momento, também emprestaram sua contribuição.

Casa de Roberto Burle Marx, sala de música, Sítio Santo Antônio da Bica, atualmente Sítio Roberto Burle Marx
Foto Oscar Liberal

Nota

1Atualmente, após a extinção do Ministério da Cultura – MinC, o Iphan vincula-se ao Ministério do Turismo.


Resenhista

José Tabacow – Arquiteto (UFRJ, 1968), especialista em Ecologia e Recursos Naturais (UFES, 1991) e doutor em Geografia (UFRJ, 2002). Foi professor de paisagismo de graduação e pós-graduação em diversos cursos de arquitetura e urbanismo, atualmente é sócio-diretor de José Tabacow Arquitetura da Paisagem e Consultoria Ambiental. Foi consultor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Em 2017, recebeu do Iphan a Medalha Mário de Andrade.


Referências desta Resenha

STORINO, Cláudia; SIQUEIRA, Vera Beatriz (Orgs.). Sítio Roberto Burle Marx. São Paulo/Rio de Janeiro: Intermuseus; Sítio Roberto Burle Marx, 2020. Resenha de: TABACOW, José. A generosidade de Roberto Burle Marx. Resenha Online. São Paulo, n. 229, jan. 2021. Acessar publicação original [DR]

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