Telejornalismo em questão | Alvredo Vizeu e Edna Mello

O livro “Telejornalismo em questão” foi lançado em 2014 e é o terceiro volume da Coleção Jornalismo Audiovisual, um projeto da Rede de Pesquisadores em Telejornalismo (TELEJOR). Organizado pelos professores Alfredo Vizeu, Edna Mello, Flávio Porcello e Iluska Coutinho, contém 15 capítulos, divididos em quatro seções, de pesquisadores que se dedicam ao estudo do telejornalismo e de áreas adjacentes.

Muitos dos trabalhos tratam de temáticas contemporâneas do jornalismo brasileiro, como o texto de Ana Carolina Temer que se propõe a uma reflexão sobre os conceitos de jornalismo, telejornalismo e televisão. Ela destaca questões presentes na radiodifusão nacional, como a dependência do jornalismo de setores empresariais – cabendo, assim, ao Estado a fiscalização Ao caracterizar o jornalismo, citando as problemáticas, a dependência da audiência e os desafios, considera que o jornalismo não é um serviço público, no sentido de serviço essencial, mas sim, um serviço ao público – devido ao dever de informar de acordo com preceitos éticos e de forma imparcial, tudo o que afeta a sociedade. Entretanto, a afirmação pode ser contestada a partir da perspectiva de que a comunicação deveria ser incluída em políticas de governo como um serviço necessário, e portanto, ser considerada um serviço público, como acontece em países desenvolvidos.

Ainda sobre aspectos contemporâneos do jornalismo, merecem destaque as transformações do jornalismo enunciadas por Fabiana Siqueira e Alfredo Vizeu. Ao contrário de versões frequentes difundidas na sociedade, os autores defendem que as mídias tradicionais continuarão existindo mesmo com a popularização da internet. Para eles, a mudança acontece na participação, que se torna maior com a nova ferramenta – amenizando a posição do jornalista como sendo um produtor de notícias unilateral. Porém, deixam claro que a decisão do que entra ou não no noticiário ainda é do jornalista. A percepção demonstra que a interatividade ainda não é plena, e que os canais de comunicação com o telespectador podem aproximá-lo da produção de um programa, mas sempre de forma limitada, já que seu uso é feito de acordo com as vontades dos profissionais que estão à frente do telejornal.

As transformações no telejornalismo também são evidenciadas através dos formatos. Percebe-se, segundo Siqueira e Vizeu, um aumento do uso do vivo. Essa constatação pode ser justificada pela necessidade de tornar os telejornais mais dinâmicos e obter um diferencial em relação as informações que já estão disponíveis no ambiente virtual. Em contrapartida, o uso do audiotape estaria em processo de redução. Este formato seria vinculado ao passado devido a ligação com a notícia radiofônica – já que não fornece imagens ao espectador. O uso de celulares e câmeras portáteis contribuem para seu desuso.

O livro também apresenta uma grande contribuição para a pesquisa do telejornalismo. Temer (2014), além de tratar de categorias/gêneros e formatos, também detalha a metodologia de Análise de Conteúdo, com uma contribuição específica de seu emprego na área de telejornalismo. A passagem se mostra importante devido à necessidade de considerar as especificidades dos audiovisuais ao se empregar esse método de análise. Somase a isto, a necessidade de que os resultados alcançados através do método, também colaborem para o amadurecimento e formação de conexões com a parte teórica do jornalismo. A visão, também embasada por Fabiana Piccinin, reforça a necessidade do diálogo entre a prática e a teoria do jornalismo, principalmente diante do noticiário televisivo como detentor de característica multiplataforma (PICCININ, 2014, p.84).

É interessante notar que a discussão voltada para as especificidades do telejornalismo reforça o campo de estudo voltado para esta temática. Se o jornalismo hoje possui uma tendência para novas mídias e plataformas, autores como Carlida Emerim tentam mostrar que a cada dia se torna mais consistente a pesquisa voltada para o telejornalismo – principalmente devido a atenção dos pesquisadores a esta área ao longo dos últimos 30 anos. Uma das formas citadas por Emerim para manter esse aprofundamento da área é utilizar conceitos reconhecidos universalmente, aplicados no jornalismo televisual, como é o caso da Semiótica. A maior contribuição da professora da Universidade Federal de Santa Catarina se refere a proposta de análise inspirada na Semiótica Discursiva, cujo elemento central de estudo é o texto para desvendar os sentidos. Além de estruturar a metodologia com um passo a passo que inclui a categorização do gênero, formatos, histórico do programa, recorrência às reportagens e entrevistas como forma de ir além da análise única do texto, Emerim também traz uma percepção importante ao citar que “o método aqui proposto se organiza partindo do pressuposto de que a análise dos produtos em telejornalismo não pode ser realizada isoladamente do processo midiático que o constitui” (EMERIM, 2014, p.113). Não só para o método enfatizado, mas qualquer pesquisa abordada na área da comunicação, por envolver subjetividades e influências externas características do meio onde o veículo está inserido, deve-se considerar o processo midiático ao entorno do objeto de estudo. A perspectiva de Emerim confirma essa percepção.

A reflexão acerca do comportamento da mídia, seja ela comercial ou pública, também é desenvolvida no “Telejornalismo em Questão”. Flávio Porcello traz um olhar voltado para a cobertura das manifestações populares, com ênfase na de junho de 2013, e sua influência nas eleições de 2014. A cobertura é analisada segundo as revistas Imprensa, Carta Capital, Veja, Samuel, além de entrevistas publicadas em outros periódicos e sites, como Piauí e O Globo. Os conteúdos de grandes emissoras também são verificados – principalmente em relação a transformação do jornalismo, onde repórteres muitas vezes tiveram que lidar com a tecnologia que produzia informações antes da divulgação de seus discursos, como as imagens aéreas. A questão do poder da mídia é abordada quando mostra o papel assumido pela mídia alternativa, como é o caso da Mídia Ninja, em relação aos veículos tradicionais, como a Rede Globo, com o Jornal Nacional. Diante do fenômeno da segunda tela, percebe-se, portanto, que há uma complementariedade entre os conteúdos de diferentes mídias, que são buscados pelo próprio (tele)espectador.

Num olhar direcionado a cobertura das eleições de 2014, Porcello faz uma análise detalhada das entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional/Rede Globo com cinco candidatos à presidência (Aécio Neves, Eduardo Campos, Dilma Rousseff, Pastor Everaldo e Marina Silva). Ele mostra que apesar dos apresentadores avisarem para os telespectadores que o tempo de conversa é o mesmo entre todos os candidatos, houve diferença no tempo de fala de cada político. Aécio, por exemplo, falou em 93% do tempo disponível. Já Dilma, em 84%. Essa diferença, ocasionada pelo tamanho das perguntas dos âncoras, demonstra a importância das ferramentas de análises discutidas anteriormente, como a de conteúdo, que permitiria identificar essa questão. Posteriormente, uma análise semiótica do discurso, focada nas perguntas feitas pelos apresentados, também poderia trazer elementos acerca dos sentidos, muitos deles políticos, que estão por trás do formato empregado.

A conclusão de Porcello, que afirma que as eleições de 2014 também serviram para muitos veículos “saírem do armário” a mostrarem suas posições políticas, é uma evolução que ainda não é unanimidade. Flora das Neves, no capítulo “Telejornalismo e eleições: o retrato do governo pelos telejornais” realiza um comparativo da cobertura das eleições pelo Jornal Nacional nos anos de 2002 e de 2010. Os resultados apontam que “as notícias sobre a gestão de FHC e Lula tiveram dois pesos e duas medidas. Na cobertura da eleição de 2010 o governo Lula esteve em maior evidência e de forma negativa em reação ao governo FHC em 2002” (NEVES, 2014, p. 172). A conclusão acerca de um jornal que se define como imparcial, mostra que a imprensa brasileira ainda carece de maturidade para assumir suas preferências políticas. Divulgar a posição é um pacto com o telespectador baseado na verdade de que não há intenções implícitas na política editorial do telejornal. Apesar de alguns veículos impressos tomarem essa atitude, ainda não é comum nos meios audiovisuais.

O poder de influência é um fator que merece atenção, como relata Ariane Pereira ao realizar uma análise de como os cidadãos-telespectadores percebem a corrupção através da televisão e são “orientados” a cobrarem um posicionamento dos políticos. A pesquisa, realizada através da análise da série “Diários Secretos”2 do Grupo Rede Paranaense de Comunicação (GRPCom), demonstra que atualmente, o telejornal “coloca-se como voz da verdade e, ao enunciar essas verdades, atua como um instrumento de ação sobre o meio, sobre populações” (PEREIRA, 2013, p. 203). Entretanto, a autora destaca que esse papel de cobrança em relação a corrupção e fiscalização do Estado, não deve ser exclusivamente dos jornalistas, mas também, integrada ao dia a dia do cidadão. Por isso, defende a necessidade da interatividade e da participação dos telespectadores no meio.

A cumplicidade com a audiência é debatida com maior profundidade por Iluska Coutinho que traz uma discussão sobre o uso dos depoimentos nos telejornais, com ênfase no telejornalismo público. “Este deveria ser constituído em uma relação de alteridade com o modelo veiculado nas emissoras comerciais, especialmente no que se refere à participação e diálogo com o público” (COUTINHO, 2014, p. 187). Algumas potencialidades da TV Brasil, como a existência e funcionamento de um Conselho Curador e a oferta de quadros no telejornal noturno, como o “Outro Olhar” (Repórter Brasil), são vistas como possibilidades de tornar real o direito à comunicação. Entretanto, considera-se necessário analisar até onde esses instrumentos são de fato incorporados no dia a dia da sociedade. Apesar de oficinas realizadas em 2012 para capacitar os telespectadores a enviarem vídeos com qualidade satisfatória para o “Outro Olhar”, o fluxo de vídeos que chegam na emissora ainda é insuficiente, visto que não há frequência regular de exibição do quadro. Esta questão também pode estar vinculada a ausência do sentimento de pertencimento dos cidadãos brasileiros em relação a comunicação pública – ainda muito ausente das políticas públicas e dos planos de governo.

A terceira seção da obra se dedica a analisar o que os autores chamam de “Webtelejornalismo e multitelas”. Um tema brevemente abordado por Porcello e que ganha maior amplitude na análise de Cristiane Finger. Para a pesquisadora, com o advento da segunda tela e da convergência, a TV precisa se adequar as novas configurações tecnológicas para que não perca sua centralidade neste universo de diferentes mídias e possibilidades de geração de conteúdo. A autora faz um paralelo evidenciando as diferenças entre a televisão e a internet, como a relação entre fluxo e arquivo de informações, respectivamente. A TV Digital é apontada como uma possibilidade de diferenciação em relação ao modelo tradicional. Entretanto, assim como afirmou Siqueira e Vizeu, considera que a interação – que seria uma das maiores promessas para esta plataforma – não é plena, já que é indispensável a figura dos mediadores (até mesmo por ser uma concessão pública).

Finger acredita que mesmo diante da interatividade limitada, a TV Digital em conjunto com novos dispositivos, como os smartphones, contribuem para a formação de um telespectador mais ativo. Porém, conquistar o espectador de forma efetiva “parece ser uma tarefa ainda maior que depende de novos gêneros, formatos, mais transparentes e democráticas […]” (FINGER, 2014, p. 229). Essa conclusão pode ser exemplificada com maior fidelidade através do trabalho de Paulo Eduardo Cajazeira, que se dedicou a analisar dois telejornais que possuem páginas em uma rede social (Facebook) ativas: o Jornal Nacional (Rede Globo, Brasil) e o Edição da Manhã (SIC TV, Portugal). Cajazeira registra que há uma relação entre a audiência da internet e a da TV. Tanto que destaca que há chamadas na rede social para que os internautas assumam o papel de telespectador no horário de exibição dos programas na TV (ou que na prática assumam ambas as posições, como efeito da segunda tela). E após o programa, as discussões sobre o conteúdo exibido continuam nas redes.

Essa situação demonstra como é preciso pensar o telejornalismo numa amplitude maior, ligada as premissas da convergência e em constante diálogo com o ambiente virtual. Portanto, emerge a necessidade de compreender o conceito de webtelejornalismo. Letícia Renault diz que o webtelejornal “cumpre, na web, o papel de telejornal, por isso pode ser considerado um desdobramento no ciberespaço do telejornalismo”.

Depois de abordar os desafios do jornalismo contemporâneos nas três primeiras seções, o “Telejornalismo em questão” dedica uma última seção para compreender a história e consolidar quais seriam os desafios futuros segundo três autores: Edna Mello, Michele Negrini e Christina Musse. Através de análises de objetos de estudo, traçam-se conclusões clássicas a respeito da história e evolução do telejornalismo, como a semelhança da televisão brasileira das décadas de 60/70 com o estilo radiofônico, evidenciação de aspectos políticos, priorização das imagens, sensacionalismo, espetacularização, entre outros. A compreensão das mudanças do telejornalismo brasileiro ao longo dos anos é importante para obter um posicionamento mais claro a respeito das transformações atuais. Diante da grande incógnita sobre o futuro da televisão, em meio as novas tecnologias, aos princípios da TV Pública, segunda tela, entre tantos outros conceitos e contextos, podemos considerar que “estar aberto às muitas vozes que se querem expressar é um caminho” (MUSSE, 2014, p. 366).

Nota

2 A série “Diários Secretos” analisou os Diários Oficiais referentes da Assembleia Legislativa do Paraná e verificou-se a presença de irregularidades e atos de corrupção.


Resenhista

José Tarcísio de Oliveira Filho – Mestrando do PPGCOM-UFJF e integrante do Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais.


Referências desta Resenha

VIZEU, Alfredo; MELLO, Edna; PORCELLO, Flávio; COUTINHO, Iluska (Orgs.). Telejornalismo em questão. Coleção Jornalismo Audiovisual. Florianópolis: Insular, 2014. Resenha de: OLIVEIRA FILHO, José Tarcísio de. Telejornalismo em questão: análise, conceitos e desafios. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.4, n.2, p.185-187, jul./dez. 2015. Acessar publicação original [DR]

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