The Shock of the Global: the 1970’s in perspective | Niall Ferguson

Recentemente, os anos 1970 tem chamado a atenção de muitos estudiosos, pelo fato de ter lançado muitas das bases do nosso mundo hodierno, em especial a globalização do final do século XX. Na introdução do livro, Niall Ferguson aponta como a porcentagem de crescimento do PIB mundial vem declinando desde os anos 1970 em todas as regiões, com exceção do Extremo Oriente. Mesmo assim, não se pode caracterizar os anos 1970 como um período de crise, pois a década de 1980 também foi marcada pela crise econômica mundial. Os anos 1970 podem ser vistos mais como o início das crises que afetaram o mundo no período subsequente e não como uma década de crise aguda em si. O milagre chinês, o colapso soviético e a efervescência política no mundo islâmico, todos têm suas raízes nos anos 1970.

No Capítulo 1, Charles Maier afirma que a crise dos anos 1970 trouxe um fim e/ou modificação nas instituições estabelecidas ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), modificando axiomas políticos e econômicos que foram sustentados desde o final daquele conflito. Os anos 1970 representam a última das três crises sistêmicas do século XX, sendo que as duas precedentes provocaram guerras mundiais. No Capítulo 2, Daniel Sargent aborda a globalização e os Estados Unidos nos anos 1970. Com o primeiro choque do petróleo ficou claro para Kissinger que a interdependência econômica entre as nações tornou a rivalidade nacionalista algo suicida. Entre 1974 e 1977, Kissinger buscou formular uma resposta para o problema da interdependência, de modo diferente daquele por ele pensado nos anos 1969 e 1973, quando ele focou a sua análise na ‘‘grande diplomacia’’. Mesmo nesses anos, após o primeiro choque do petróleo, Kissinger continuou a enfatizar o Estado-Nação como o ordenador da ordem internacional e continuou resistindo à política de Direitos Humanos, como algo que poderia solapar a autonomia dos Estados-Nações.

No Capítulo 3, Odd Arne Westad aborda as transformações na China. Para o autor, a transformação da China em uma economia de mercado tem suas origens na Revolução Cultural (RC), que destruiu a economia planificada e valores culturais chineses importantes, especialmente confucianos. A aliança com os EUA e a aceitação da economia de mercado permitiu acabar com a Guerra Fria, pois contribuiu para o enfraquecimento da URSS. No Capítulo 4, Stephen Kotkin trata da crise do débito em muitos países. Os países do bloco comunista começaram no início dos anos 1970 a fazer empréstimos dos países capitalistas em moeda estrangeira, esperando poder importar tecnologias daqueles países para aumentar a produção de bens, que pudessem ser vendidos para o Ocidente, assim pagando os empréstimos. Não foi o que aconteceu, em decorrência os países comunistas tornaram-se incapazes de pagar suas dívidas. Segundo o autor, Isso haveria contribuído para o colapso do comunismo anos depois.

No Capítulo 5, Alan Taylor aborda a crise econômica e o eco da Grande Depressão nos anos 1970. Para o autor, a liberalização da economia se tornou mais intensa nos anos 1970 e a liberalização financeira, então inexistente, começou a ganhar força. A ‘‘reglobalização’’ se acelerou definitivamente nos anos 1970, mesmo com experiências como o GATT, os países participantes pouco fizeram para aumentar o grau de liberalização econômica e redução de taxas e do protecionismo como um todo entre os anos 1945-1970. Em contrapartida, entre 1970-1990, o ritmo de liberalização econômica e financeira aumentou enormemente. Ao analisar, no Capítulo 6, a América Latina nos anos 1930, Jeremy Adelman nota como havia a percepção de que economia e política estavam desalinhadas, de forma que os policymakers tinham de esforçar-se para realinhar essa relação entre capitalismo e cidadania. Umas das explicações oferecidas pelo autor de por que a América Latina sentiu tão fortemente a crise dos anos 1970 e não soube lidar com ela, é a mesma que a dos países do Leste Europeu. Essas sociedades não souberam se adaptar a mudança provocada pela globalização incipiente e tentaram responder aos novos desafios centralizando e se entrincheirando nos modelos do passado. Charles Maier denomina essas sociedades de heavy metal societies. Outra explicação aponta que a globalização e a resposta pendular dos países latino-americanos levaram a uma separação entre indústria e finanças.

No Capítulo 7, Louis Hyman escreve sobre a origem política da securitização financeira. O aperto no crédito no ano 1966 foi preocupante para muitos estadunidenses, pois isso causava uma diminuição na oferta de crédito para as hipotecas, fundamental para que os estadunidenses pudessem comprar suas casas. Como resultado, o governo promulgou uma lei de seguridade para as hipotecas. Empresas como Fannie Mae e Freddie Mac foram criadas nesse período. Aí estão as origens da bolha imobiliária que viria a explodir em 2008. No Capítulo 8, Vernie Oliveiro discorre sobre as empresas multinacionais. Os anos 1970 viram o aparecimento das multinacionais, que foram vistas com desconfiança pela população estadunidense, pois exportavam capitais e empregos para outros países. Os empresários, por sua vez, viam como uma nova oportunidade para lucrarem. No Capítulo seguinte, Lien-Hang Nguyen aborda a Guerra do Vietnã. A relação dos EUA com o Vietnã continuou complicada após assinatura do tratado de paz em 1973. O Vietnã entrou cada vez mais na órbita soviética, o que preocupava a China, que acabou por atacar o Vietnã em 1979 com aval dos EUA. A Guerra do Vietnã continuou a ser debatida nos EUA após seu fim. Presidentes como Carter e Reagan fizeram em suas campanhas referência à guerra. A vitória do Vietnã do Norte acirrou ainda mais a disputa sino-soviética, exacerbando as divisões no mundo comunista.

Jeremi Suri fala sobre Kissinger no Capítulo 10. Kissinger percebeu que a globalização poderia ser orientada em favor dos EUA. Ainda que a globalização transformasse o poder do Estado, isso não implicava a sua diminuição como ator internacional. Segundo esse ponto de vista, a globalização propiciava que novos atores tivessem um papel importante, e Kissinger se colocava como um desses atores. Kissinger defendia um mundo mais policêntrico, onde as tensões entre as duas superpotências seriam mitigadas pela diluição do poder entre algumas nações, criando assim um mundo mais estável.

No Capítulo 11, Francis Gavin escreve sobre a revolução nuclear. O dilema da paridade nuclear com a URSS foi um tema muito controverso nos EUA, pois alguns analistas acreditavam que isso era desejável, pois levaria a Détente e outros acreditavam no oposto, de que os EUA deveriam manter sua superioridade nuclear como forma de garantir a segurança de seus aliados. Alguns acreditavam mesmo que uma guerra termonuclear era passível de ser ganha pelos EUA. A globalização, entretanto, defende o autor, tornou as armas nucleares obsoletas no sentido em que países que flertaram com o desenvolvimento de armamentos nucleares, perceberam que em um mundo globalizado e integrado o relevante teria maior desenvolvimento econômico, e que a posse desses artefatos não trariam poder ao país possuidor no cenário mundial. Tese essa bastante criticável.

No próximo Capítulo, Mark Lawrence discorre sobre as relações dos EUA e o denominado mundo em desenvolvimento. Kissinger declarou, em 1969, que o eixo da História compreendia de Washington a Bonn, atravessando Moscou e Tóquio. Ele queria dizer que os outros países, em especial na América Latina e na África, eram irrelevantes no cenário internacional, pois a influência desses países era bastante limitava, pelo seu baixo grau de desenvolvimento. No Capítulo 13, Glenda Sluga trata da transformação das instituições internacionais. A autora defende que nesse período surgiu uma genuína comunidade mundial, com a proliferação de ONGs; a ONU assumiu o papel de combater o racismo no mundo, que estava ligado com a descolonização de países africanos e asiáticos.

No Capítulo 14, Michael Morgan aborda os direitos humanos. Para ele, o final dos anos 1960 viu ressurgir a questão dos Direitos Humanos, enfatizada na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Esse hiato entre esses dois momentos se deve em grande parte ao fato de os países privilegiarem a estabilidade internacional em um período de recuperação da Segunda Guerra Mundial, em que a violação de direitos humanos só seria repreendida na medida em que ameaçasse a ordem internacional e um conflito interestados. No Capítulo seguinte, Erez Manela trata da erradicação da varíola. O combate à varíola foi o primeiro verdadeiramente global, no sentido de que foi uma campanha mundial coordenada com o sentido de erradicar a doença e não mais como anteriormente onde cada país tentava erradicar a doença em seu território, sem uma articulação internacional. No Capítulo 16, J. McNeill escreve sobre o ambientalismo, pois os anos 1970 viram surgir o moderno ambientalismo como uma nova força política e cultural no mundo. Influenciando a política de diversos países, sua força só iria crescer nas décadas seguintes, com o agravamento da poluição ambiental.

No Capítulo 17, Jocelyn Olcott aborda o Ano Internacional da Mulher e o movimento feminista conheceu nos anos 1970 sua globalização, no sentido de integrar a luta de todas as mulheres do mundo, com outras questões políticas, culturais e ambientais importantes. No Capítulo subsequente, Rebecca Sheehan escreve sobre o rock. A música rock esteve ligada a um movimento de rebeldia e liberação sexual, que não deixa de estar ligado com as forças do mercado e sua capacidade de difundir o rock’n’roll ao redor do mundo. O rock estadunidense se espalhou para o mundo e muitos jovens de outros países cultuavam e ouviam músicos anglo-saxões – é inegável o reconhecimento da dominância cultural anglo-saxã nesse campo.

No Capítulo 19, Andrew Preston destaca o movimento religioso nos Estados Unidos. Os cristãos da direita estadunidense se caracterizaram por um nacionalismo universalista, que colocava os EUA na liderança e no topo entre as nações do globo e se consideravam os árbitros do mundo. Esses cristão evangélicos de direita estavam entre os nacionalistas mais fervorosos, sendo contrários a políticas como a de negociação do controle de armas com a URSS, e sendo contrários a Détente como um todo. No Capítulo 20, Ayesha Jalal discorre sobre o Islã. Segundo o autor, o nacionalismo árabe secular deu lugar a um crescente radicalismo islâmico na década de 1970, liderados pela Wahabismo saudita, muitos países do Oriente Médio viram os islamistas radicais ganharem força. O Islã globalizado sofreu fissuras no contexto da Guerra Fria, fissuras essas que não acabaram com o fim da Guerra Fria, deixando não apenas as divisões entre religiões, mas entre uma mesma comunidade religiosa.

No último Capítulo, Matthew Connelly escreve sobre o fim dos anos 1970 e o crescimento do interesse popular futurologia e planejamento estratégico. Outra tendência dos anos 1970 foi a queda da natalidade, o crescimento do número de divórcios e o adiamento do casamento. No epílogo, Thomas Borstelmann conclui dizendo que nos anos 1970 houve mais igualitarismo e inclusão, ao mesmo tempo em que houve mais desregulamentação do mercado e individualismo. Assim, segundo essa perspectiva ainda que tenha havido mais igualdade nos direitos civis, a disparidade econômica apenas cresceu ao longo da década, seguindo essa tendência nos anos subsequentes. O mundo se tornou mais igual e menos igual ao mesmo tempo.

Portanto, The Shock of the Global é o estado da arte no que se refere à História Internacional, proporcionando ao leitor uma visão abrangente daquela década. Contribuindo na compreensão de eventos subsequentes e nos problemas e dilemas enfrentados atualmente. A cooperação de diversos especialistas na compilação dá robustez à obra e enseja oportunidades de novos estudos sobre aquele período, que ainda começa a ser estudado.


Resenhista

Edson José Perosa Junior – Mestrando em História Comparada (PPGHC) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/RJ. Brasil. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

FERGUSON, Niall et al. The Shock of the Global: the 1970’s in perspective. Cambridge: The Belknap Press, 2010. Resenha de: PEROSA JUNIOR, Edson José. Os anos 70 em perspectiva. Diálogos. Maringá, v.16, n.2, 813-819, mai./ago. 2012. Acessar publicação original [DR]

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