The Sorrows of Empire: Militarism/ Secrecy/ and the End of the Republic | Johnson Chalmers

Estão os Estados Unidos seguindo a mesma trajetória de ascendência e queda do Império Romano? Chalmers Johnson responde afirmativamente esta pergunta em seu polêmico livro The Sorrows of Empire. Segundo ele, contrariamente aos antigos impérios territoriais, a única superpotência mundial está estabelecendo um império de bases militares ao redor do mundo e está, por meio da manipulação de sua política econômica e forte influência no Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio, subjugando outras nações. Com o fim da Guerra Fria, logo após a implosão da União Soviética, os Estados Unidos passaram a ser descrito pela literatura especializada e imprensa em geral como uma “lone superpower,” “indispensable nation,” “reluctant sheriff,” e mais recentemente, após o 11 de Setembro de 2001 de “New Rome”.

O livro, resultante das discussões desenvolvidas no âmbito do American Empire Project que envolve outros autores como Noam Chomsky e Michael Klare, retrata a secular trajetória imperialista norte-americana explorando o novo militarismo que está transformando o país e convocando sua população para sustentá-lo. De acordo com Johnson, diante de um público e Congresso passivos, alguns poucos interesses privados do setor armamentista e petrolífero, via Pentágono, estão se sobrepondo ao Departamento de Estado em assuntos relativos à defesa interna e segurança internacional.

A sobreposição é preocupante uma vez que os representantes destes interesses e suas instituições não necessitam dar explicações de seus atos frente às instituições democráticas. O colapso da diplomacia, em função do crescimento do militarismo, pode levar, segundo Johnson, ao colapso do país se sua população falhar em retomar o poder e restaurar a integridade do Congresso e da democracia participativa. Na ausência de uma reviravolta radical, enumera quatro possíveis sorrows (pesares, aflições) para os Estados Unidos. Primeiro, será um estado em guerra permanente inspirando mais terrorismo que pode ocasionalmente combater. Segundo, existirá uma perda continuada de direitos constitucionais e da democracia. Terceiro, a confiança nas autoridades públicas será substituída pela propaganda e desinformação; e finalmente, o país irá à falência. Este conjunto de possíveis acontecimentos levará ao final definitivo da república norte-americana. O presidente do Japan Policy Research Institute e professor emérito na Universidade da Califórnia em San Diego, tem produzido inúmeros livros, sendo a maioria enfocados no desenvolvimento asiático. Seus trabalhos sobre a história contemporânea chinesa como Peasant Nationalism and Communist Power: The Emergence of Revolutionary China, 1937-1945 (1963) e o desenvolvimento econômico japonês durante 50 anos do século passado, considerado em MITI and the Japanese Miracle: The Growth of Industrial Policy, 1925-1975 (1982) são consulta obrigatória a todos os estudiosos da parte oriental do mundo. Recentemente seus estudos se voltaram ao exame de questões relativas à política externa norte americana escrevendo Blowback: The Costs and Consequences of American Empire (2000).O termo, “blowback”, como explicado pelo próprio autor, foi utilizado pela primeira vez em Março de 1954 em um relatório sobre a operação da CIA – Central Inteligence Agency para derrubar o governo de Mohammed Mossadegh, em 1953, no Irã. É uma metáfora utilizada para caracterizar as conseqüências não esperadas das atividades governamentais norte-americanas que não foram e não são divulgadas ao público pelos serviços de inteligência do estado. Os medos da interferência da CIA em assuntos iranianos, ao contribuir para instalar 25 anos de tirania e repressão no país, se consubstanciaram com a revolução do Ayatollah Khomeini que depôs o Xá e manteve reféns americanos em Teerã por mais de um ano. A secreta intervenção americana, naquela época, auxiliou a convencer muitas pessoas do mundo islâmico que os Estados Unidos são um inimigo implacável. O foco; do ex-professor da universidade da Califórnia, consultor da CIA e marinheiro durante a Guerra da Coréia em 1950-53; em “Blowback” é o Leste Asiático, onde após mais de 50 anos do final dos conflitos bélicos e do recente final da Guerra Fria, persiste a presença de grandes e dispendiosas bases militares americanas no centro de Seul, na Coréia do Sul e em Okinawa no Japão. Estas e outras 750 bases – além das 969 instaladas em território americano – estrategicamente espalhadas pelo mundo, principalmente as recém instaladas no Oriente Médio, são o foco central de “The Sorrows of Empire”.

Império de bases militares e de petróleo

Em The Sorrows of Empire, Chalmers Johnson expande os argumentos apresentados em Blowback ampliando o espectro das recentes políticas norte-americanas que visam maximizar o poder do país e o lucro de suas empresas no exterior. Ele chama a atenção para o crescimento das empresas militares privadas e para o colapso da diplomacia norte-americana, uma vez que o Pentágono administra 93% do orçamento de relações exteriores e o Departamento de Estado somente 7%. Segundo Johnson, entre as 35 empresas americanas mais lucrativas estão: Halliburton, Kellogg Brown and Root, Vinnell, Military Professional Resources, DynCorp, Science Applications Corporation, BDM (atualmente TRW), Armor Holdings, Cubic, DFI e International Charter. Estas e outras empresas do complexo industrial-militar não estão sujeitas ao controle do Congresso, disciplina e justiça militar ou mesmo lealdade tributária. O autor argumenta que a “guerra ao terror” empreendida pela administração de George W. Bush é um escudo protetor que permite aos militares expandir suas conexões em regiões geográficas como os Balcãs e a Ásia Central, permitindo expandir não só os serviços de inteligência como também a instalação de bases militares em pontos estratégicos do planeta. Buscando relacionar vários assuntos, Johnson procura mostrar que a “guerra ao terror” é de fato uma guerra pelo controle do petróleo. Ele mostra como o Taliban foi organizado pelos Estados Unidos em 1996 para auxiliar a empresa petrolífera Unocal a negociar a instalação de oleodutos no Afeganistão e demais da Ásia Central.

Johnson procura mostrar também como a administração de George W. Bush perseguiu seus exaliados (Saddam Hussein – fortemente financiado e apoiado pelos norte-americanos nos anos 1980 quando estava em conflito com os Iranianos, e Osama Bin Laden – treinado pela CIA para lutar contra o exército soviético durante sua ocupação do Afeganistão) uma vez que já não eram mais úteis aos interesses das grandes empresas de petróleo. Demonstra desconfiança da aproximação do presidente George W. Bush aos presidentes do Uzbekistão, Kyrgyzstão, Kazakhstão e Turkmenistão por deixarem as tropas americanas utilizarem suas bases e voar sobre seus territórios. São estes países exemplos de democracia?

Ao longo do livro, Chalmers Johnson procura evidenciar os novos papéis assumidos pelas forças-armadas norte-americanas após o final da Guerra Fria. Estes novos papéis, nem sempre bem explicados ou compreendidos têm sido os de policiamento imperial; de escutas secretas; de controle dos campos de petróleo e dos canais de distribuição; de enriquecimento do complexo militar-industrial; e, de manutenção de legionários em bases subsidiadas ao redor do mundo. Descreve também como funcionam os serviços de informação que muitas vezes para contornar a legislação doméstica monitoram suas líderes do setor público ou privado triangulando serviços de escuta e espionagem com o Canadá, Inglaterra e Austrália. Desde 11 de Setembro de 2001, política externa passou a ser o tema do dia tanto nos Estados Unidos como em todo o mundo. Alguns exemplos recentes incluem: Colossus: The Price of America’s Empire de Niall Ferguson (2004) Fear’s Empire: War, Terrorism, and Democracy de Benjamin R. Barber (2003) Incoherent Empire de Michael Mann (2003) e After the Empire: The Breakdown of the American Order de Emmanuel Todd (2003), sobre a mesma temática, ou seja, o império norte-americano. Todos deixam transparecer seus vieses político ideológicos em seus julgamentos analíticos e o resultado, normalmente, deixa a desejar em termos metodológicos e enquadramentos teóricos sustentadores dos muitos juízos realizados. Reconhecendo certas dificuldades neste sentido, Johnson afirma, no início de seu livro, que “imperialism is hard to define but easily recongnized” (p.28).Johnson sistematiza um grande volume de informações históricas interessantes, mas apresenta, além de mencioná-los, comparações fracas e pouco substanciadas sobre os extintos impérios. Todos os impérios eventualmente deixam de existir; afinal, basta chegar ao topo da dominação hegemônica, para que qualquer império comece a ruir. Nesse sentido, a argumentação de Johnson de que os encargos fiscais de expansão e manutenção de um império são os que o levam a sua própria ruína parece senso comum. Dada a grande experiência internacional do autor – que nesta obra jamais dialogou com autores ou fontes outras que não as norte-americanas – a seguinte questão poderia ter sido considerada. Quanto tempo os povos e nações subjugadas pelo Império se submeterão às suas imposições? O autor desenvolve argumentos interessantes, porém, em nenhum momento, passa do nível descritivo para se fundamentar em metodologias mais consistentes e sistemáticas. A parte mais informada do público é capaz de lembrar que embora os gastos americanos em defesa estejam crescendo de forma alarmante – ao redor de 5% do PIB, sendo superior ao gasto das 25 outras nações que mais gastam em defesa – o mesmo ainda é menor que o despendido durante a administração de Ronald Reagan. O alerta de que o complexo militar-industrial norte-americano está sendo “privatizado” também carece de fundamentação estatística comparativa. Não existem evidências, no livro, de que o emprego de civis neste setor tenha aumentado ao longo dos últimos anos.

Desde a Segunda Guerra Mundial, os americanos testemunharam o crescimento do poder presidencial, especialmente em assuntos de política externa. Depois de 11 de setembro, este poder tem levado o atual presidente, George W. Bush a não assinar tratados e convenções internacionais importantes, como por exemplo, o tribunal criminal internacional. Nesse particular, comentaristas mencionados por Johnson escreveram “A rejeição americana à constituição do tribunal é a mais enfática declaração de que os Estados Unidos não devem explicações de seus atos a ninguém….Bush quer que os Estados Unidos sirvam de investigador, policial, procurador, juiz e carrasco. Isto é um ideal imperial não uma declaração de soberania” (p 74). As atitudes imperiais americanas podem ser vistas em muitos outros fatos e eventos constantemente veiculados pela imprensa internacional e comentados por diferentes jornalistas ou cientistas políticos. Johnson menciona também um documento do Comando Espacial Americano denominado de “Visões para 2020” onde se argumenta que “a globalização da economia mundial continuará com o crescimento das diferenças entre os que têm (haves) e os que não têm (have-nots)”. E, segue dizendo que “nós temos a missão de dominar a dimensão espacial das operações militares para proteger os interesses e investimentos americanos” num crescente e perigoso mundo antiamericano (p 81).

América Latina e Brasil Em The Sorrows of Empire, Johnson, nas poucas vezes que menciona a América Latina parece concebê-la como apêndice consumado do Império. Muitas vezes parece considerar a América Latina como sendo somente a América Central e o Caribe. Neste caso, mesmo atribuindo o início do imperialismo norte-americano à guerra com a Espanha no final do Século XIX e criticando a existência, desde então, da base americana de Guantánamo, não discorre sobre as resistências cubanas ou de outros países latino americanos às recorrentes pretensões imperiais dos Estados Unidos. Para Johnson a guerra ao terrorismo é uma versão camuflada das guerras para controlar as fontes de energia do planeta. Neste particular, os recursos petrolíferos venezuelanos ou mesmo os atuais e potenciais recursos brasileiros, em sua costa carioca e interior da Amazônia não receberam a atenção do autor. O apoio norte-americano ao movimento pendular de ditaduras e democracias no continente latino-americano, onde só em 2001 treinou 15 mil militares, ou mesmo africano, não foi explorado por Johnson que procura evidenciar a intensificação das relações entre os próprios exércitos, muitas vezes distanciadas ou desconhecidas de seus mandatários.

A leitura de livros sobre a formação e atuação do império americano como os de Johnson, ou outros como Hegemony or Survival: America´s Quest for Global Dominance de Noam Chomsky (2003) e New Imperialism de David Harvey (2003) é indispensável. Neste último, o autor explora as diferenças e contradições existentes entre a “lógica do capital” e a “lógica do território” não muito bem evidenciadas no livro de Johnson. O livro de Johnson merece ser lido e debatido não só pelo público norte-americano, mas sim do mundo todo.


Resenhista

Gilmar Masiero – Professor e pesquisador na Universidade Estadual de Maringá (UEM).


Referências desta Resenha

Johnson, Chalmers. The Sorrows of Empire: Militarism, Secrecy, and the End of the Republic. New York: Metropolitan Books, 2004. Resenha de: MASIERO, Gilmar. Meridiano 47, v.6, n.59, p.17-20, jun. 2005. Acessar publicação original [DR]

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