Tradições Discursivas: faces e interfaces da historicidade da língua e do texto | LaborHistórico | 2018

Atendendo ao convite do Editor da Revista LaborHistórico, professor Leonardo Lennertz Marcotulio, para organizarmos um dossiê temático sobre estudos na perspectiva das Tradições Discursivas (TD), agradecemos a oportunidade de divulgar alguns trabalhos em uma área temática que vem se expandindo no âmbito dos estudos filológicos e sócio-históricos, ao relacionar a historicidade do texto e da língua. No âmbito do Projeto Nacional Para a História do Português Brasileiro (PHPB)1, coordenado pelo Professor Ataliba de Castilho, as pesquisas em TD têm contribuído consideravelmente com a sistematização de corpora e com as investigações em diferentes níveis de descrição linguística. Tal contribuição tem recebido o reconhecimento de pesquisadores, a exemplo de Mattos e Silva (2008, p. 146)2, ao considerar que “sem dúvida, a mais recente orientação nos estudos histórico-diacrônicos é a das tradições discursivas (TD)”. Dentro desta perspectiva, no cenário nacional e internacional, há várias teses e dissertações finalizadas e em andamento.

O conceito de Tradição Discursiva teve origem na Filologia Pragmática da Linguística alemã. Esse modelo de análise partiu dos três níveis proposto por Eugênio Coseriu (1987)3: o nível universal do falar em geral; o nível histórico das línguas e o nível dos textos ou discursos concretos. Posteriormente, Peter Koch (1997) 4 distinguiu dois domínios no nível histórico: as tradições discursivas e as línguas históricas. Dessa historicidade, Kabatek (2006, p. 512) entende por TD “a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de um modo particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio”. Naturalmente, como todo conceito, o de TD vem passando por reflexões, discussões, ampliações e esclarecimentos que vão se consolidando ao longo do tempo. Assim, não causa estranheza o fato de as primeiras abordagens no modelo de TD feitas em “terras brasilis”, por exemplo, apresentarem incompletudes que, certamente hoje, com as frutíferas e frequentes discussões nessa área temática, são continuamente revisitadas, ampliadas e redimensionadas.

Dentro dessa dinâmica de pensar e repensar, fazer e refazer científico, o propósito deste dossiê temático é reunir e ampliar as interações acerca de investigações sócio-históricas que envolvam a historicidade da língua (considerando os padrões linguístico-discursivos) e dos textos (considerando os padrões sócio-históricos). As pesquisas em TD enfocam uma ou mais dimensões de tradicionalidade: dos gêneros; dos discursos; dos tipos textuais; dos estilos; da língua. Neste primeiro dossiê e no segundo, que será publicado no próximo número da LaborHistórico, pretendemos evidenciar como a operacionalização do conceito de Tradição Discursiva vem sendo ampliada e como pode contribuir com as pesquisas posteriores desenvolvidas em diferentes campos dos estudos linguísticos.

As pesquisas em TD têm se revelado essenciais para os trabalhos de elaboração de corpora diacrônicos de análise linguística e para a organização de tipologias textuais. Tais estudos possibilitam o estabelecimento de diversas relações entre os domínios textual (relativo ao uso) e linguístico (relativo ao sistema), bem como estão intimamente ligados ao movimento histórico de mudança linguística e social e aos traços de continuidade e descontinuidade da natureza dos textos. Dentro dessa seara de pesquisa, agradecemos a colaboração dos autores que disponibilizaram os seus artigos para a composição deste dossiê temático.

Seis artigos compõem a primeira edição temática da LaborHistórico. São contribuições de pesquisadores da Universidade de Guadalajara (México), UFRPE, UFPB, UFERSA, UFC e UECE que desenvolvem investigações em que é possível associar a história social à história da língua e do texto.

Inaugura a seção o artigo La relación entre tradiciones discursivas y la dinámica de variedades de lengua, de Alfonso Gallegos Shibya. Neste trabalho, o autor analisa textos técnicos e jurídicos do espanhol de diferentes épocas, a fim de defender a hipótese de que as tradições discursivas podem “(i) favorecer el surgimiento de algunos elementos lingüísticos al interior de las formas de habla con las que están asociadas, pero también (ii) mantener otros elementos que fuera de esas variedades lingüísticas pueden ya no ser productivos (o no serlo en la misma medida)”.

Em sequência, Ângela Cláudia Rezende do Nascimento Rebouças, em A adjetivação como marca de tradição discursiva do editorial de O Mossoroense, apresenta resultados de sua investigação na tese de doutorado em que avalia a categoria gramatical adjetivo como marca de continuidade e descontinuidade do editorial jornalístico.

No terceiro artigo – Tradições discursivas: conceitos e métodos para a análise diacrônica de gêneros, Jorge Luis Queiroz Carvalho e Aurea Zavam discutem a gênese da noção de Tradição Discursiva (TD) como paradigma teórico e refletem sobre a polissemia do termo que pode ser encarado tanto como a) formas particulares de dizer, b) gêneros e c) características constitutivas dos gêneros.

Elizabhett Christina Cavalcante da Costa, Valéria Severina Gomes e Cláudia Roberta Tavares Silva, em Variação e Tradição: uma análise do Tu e Você na posição de sujeito em cartas de pernambucanos (1860-1989), investigam o comportamento pronominal das formas de tratamento do paradigma de 2ª pessoa na posição nominativa em 189 cartas de amor, de amigo e de família. A pesquisa aporta-se na perspectiva teórico-metodológica quantitativa (LABOV, 1972 [2008]) e na qualitativa para averiguar os fatores sociopragmáticos (CONDE SILVESTRE, 2007; BROWN; GILMAN, 1960) que motivam a variação.

Em Por uma filologia do discurso: latinidade, ethos, tradições discursivas e um exercício analítico transdisciplinar, Lucineudo Machado Irineu examina, mobilizando conceitos de latinidade, ethos e tradições discursivas, os recursos lexicais que evidenciam, linguístico e discursivamente, a expressão diacrônica do conjunto de imagens de si projetadas em editoriais do Jornal do Brasil e do Clarín (Argentina).

Por último, Roseane Batista Feitosa Nicolau, no sexto artigo intitulado Polifonia e modalização na tradição discursiva “aviso de cobrança” nos jornais do século XIX, analisa a polifonia e a modalização deôntica volitiva e de obrigatoriedade no aviso de cobrança em jornais paraibanos coletados no acervo da Casa Fundação José Américo, em João Pessoa/PB.

Além do dossiê temático, o primeiro número do volume 4 da revista LaborHistórico também conta com a seção Varia, contendo dois artigos inéditos, e com a seção Resenhas. Na primeira delas, no texto intitulado A expressão da posse na terceira pessoa em cartas escritas por homens brasileiros: uma análise diacrônica e histórica, Elaine Alves Santos Melo, Janaína Pedreira Fernandes Sousa e Luan Alves Alonso Martins investigam a expressão da posse na terceira pessoa em cartas escritas por homens brasileiros – ilustres e não ilustres – nascidos entre os séculos XIX e XX.

O intuito do artigo As estruturas clivadas do galego, de Xavier Frias Conde, que parte da ótica da Gramática Funcional Categorial, é trazer luz a um tipo de orações que ainda não foi suficientemente estudado pela Linguística Galega: as orações clivadas.

A seção Resenhas, por sua vez, traz o texto de Marcus Vinícius Pereira das Dores, cujo objetivo é apresentar de forma crítica a obra Por mãos alheias: usos da escrita na sociedade colonial, de Sílvia Maria Amâncio Rachi Vartuli, publicada em 2016.

Finalizamos a apresentação deste dossiê temático com um convite para que os leitores, por meio da leitura desses artigos, procurem conhecer mais sobre os estudos em TD e desejamos que esta leitura tenha suscitado ideias para futuras pesquisas na área de Linguística Histórica. No próximo número da LaborHistórico, daremos continuidade ao dossiê temático sobre Tradições Discursivas e contamos com a leitura, as contribuições e as oportunidades de contatos futuros e produtivos.

Notas

1 Encontra-se em fase final de edição o Volume 7 da coletânea História do Português Brasileiro intitulado Tradições Discursivas do Português Brasileiro: constituição e mudança dos gêneros discursivos, sob a coordenação geral do Professor Ataliba de Castilho e organização das professoras Maria Lúcia C. V. O. Andrade e Valéria Severina Gomes.

2 MATTOS E SILVA, Rosa Virginia. Caminhos da linguística histórica: ouvir o inaudível. São Paulo: Parábola, 2008.

3 COSERIU, Eugenio. Gramática, semântica, universales: estudios de Lingüística Funcional, Madrid, Editorial Gredos, 1987.

4 KOCH, Peter. Diskurstraditionen: zu ihrem sprachtheoretischen Status und ihrer Dynamik. In: FRANK, Barbara; HAYE, Thomas; TOPHINKE, Doris (Eds.).Gattungen mittelalterlicher Schriftlichkeit.Tubingen: Narr – ScriptOralia, 99), 1997, p. 43-79. (Tradução do original alemão elaborada por Alessandra Castilho Ferreira da Costa, UFRN).


Organizadores

Cleber Alves de Ataíde – UAST-UFRPE.

Valéria Severina Gomes – UFRPE.


Referências desta apresentação

ATAÍDE, Cleber Alves de; GOMES, Valéria Severina. Apresentação. LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.4, n.1, p. 10-12, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]

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