Transições políticas no Brasil / Faces de Clio / 2017

Diante do contexto de cortes de financiamento na área de educação e pesquisa que enfrentamos, pelo qual o governo federal é responsável, a Revista Faces de Clio, demonstrando resistência ao dar continuidade à divulgação da ciência, tem o prazer de publicar sua 6ª edição (jul-dez de 2017), cujo tema de dossiê é: “Transições políticas no Brasil”. A proposta é analisar diferentes regimes e sistemas de governo no que se refere ao processo de mudança entre eles. Além do fenômeno político, existe o interesse em pensar o social, refletindo sobre valores, expectativas, ideais de grupo em diferentes conjunturas, analisando suas adaptações. Por fim, convidamos a uma reflexão que relaciona a economia a esses movimentos políticos, bem como fenômenos e acontecimentos internacionais que influenciaram e contribuíram para crises e mudanças de regimes políticos.

Os textos recebidos evidenciam a riqueza de problemáticas que podem ser estudadas. O dossiê é composto por quatro artigos, cujos períodos históricos retratados vão desde a Monarquia até o Tempo Presente, perpassando pela República Oligárquica, ditaduras e democracia. São trabalhadas as tensões, rupturas e conciliações inerentes a contextos de transição política. As metodologias utilizadas para o estudo do político também são destaques nesta edição da Revista Faces de Clio: análise de discursos, de imprensa e de fotografias.

A edição conta, ainda, com seis artigos livres, cujos temas e recortes temporais são variados. É importante considerar que os autores são doutorandos, mestres e mestrandos, de diferentes instituições e estados brasileiros, contribuindo, dessa forma, para a diversidade na promoção do debate historiográfico e de áreas afins.

Principiando o dossiê temático, Andrielly Oliveira, mestre pela Universidade Federal do Mato Grosso e professora da Universidade Estadual de Mato Grosso, problematiza, em seu texto, as disputas de memórias e suas relações com o processo de superação dos eventos vividos durante a Ditadura Militar brasileira a partir da justiça de transição. Para esse estudo, a historiadora analisa discursos memorialísticos das Forças Armadas, especificamente no que diz respeito à lei de anistia, publicados na Revista do Clube Militar entre 1985 e 2010. Outro viés de análise sobre a Ditadura Militar brasileira foi realizado por Aryanny Silva, doutoranda do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Ao contrário de Oliveira, que compreende o contexto de transição da Ditadura Militar para a Democracia, o trabalho de Silva tem seu recorte temporal entre 1960 e 1980, abrangendo, portanto, as mudanças ocorridas após o golpe de 1964, que encerrou a primeira experiência democrática brasileira e iniciou a Ditadura Militar. A partir de análises de fotografias que retratam a destruição da Igreja do Bom Senhor dos Martírios, realizadas pelo fotógrafo Alcir Lacerda, Silva discute os debates do cenário político ocorridos nessa época. Seu estudo demonstra o fotógrafo como sujeito histórico e testemunha ocular, e discute a fotografia como um exercício de documentar e rememorar.

Distanciando do contexto de democracias e Ditadura Militar, os outros dois artigos que fazem parte do dossiê temático retratam o contexto que encerra a Monarquia e inaugura a República brasileira. A doutoranda Marta Fittipaldi, estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora, em seu artigo “‘Adesistas’ e ‘históricos’: as disputas discursivas no processo de legitimação dos vários projetos republicanos”, analisa os termos “adesistas” e “históricos”, utilizados pela imprensa e em pronunciamentos parlamentares, no intuito de compreender como o uso dessas denominações se inseria em concorrências políticas em torno de projetos republicanos distintos. Ademais, relaciona a atuação de Antônio da Silva Jardim às disputas retóricas que se estenderam durante o primeiro decênio da República brasileira. Encerrando o dossiê temático, o trabalho de Bruna Santos, mestranda da Universidade Federal de Sergipe, discute o papel da imprensa sergipana, em especial o Diário Oficial do Estado, na formação da opinião pública da sociedade em favor do Estado Oligárquico, contribuindo, assim, para a consolidação da oligarquia naquela unidade federativa.

Os artigos livres possuem temáticas diversas. Luiz Henrique Giacomo, doutorando em História pela Universidade de São Paulo, desenvolve, por meio de análises de peças numismáticas, um interessante trabalho sobre a preocupação de Otaviano com esses objetos, no intuito de legitimar seu poder através desses artefatos. Giacomo compreende que essas peças serviram para difundir mensagens ao povo, geralmente de cunho cívico e político.

Retornando aos estudos sobre o Brasil, Pedro Henrique Ferreira Oliveira, também doutorando, estuda a História da Psiquiatria na Casa de Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz, instituto de excelência em História das Ciências e da Saúde. Seu artigo compreende as moléstias mentais nos periódicos médicos no Brasil a partir da chegada da Corte portuguesa. Ele analisa de que modo a criação de escolas de medicina, bem como da imprensa, contribuíram para a difusão do conhecimento médico e científico e para o monopólio do tratamento e da cura de doenças da população. Encerrando o contexto da monarquia brasileira e inaugurando a República, o trabalho de Bruno Mandelli, mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, discute a representação do trabalho no início da industrialização do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, entre 1880 e 1900. A partir de análises de literaturas de viagem, Mandelli compreende que a ideologia do teuto-brasileiro defendia a superioridade do trabalho imigrante alemão em detrimento de outras etnias, buscando, assim, despertar o interesse pela emigração para o sul do Brasil.

Assim como Mandelli, Luis Francisco Abreu Alvarez (mestrando em Política Social pela Universidade Federal Fluminense) também estuda o Mundo do Trabalho, porém, sob outros vieses. Seu artigo é uma análise dos processos de precarização do trabalho no Brasil a partir de três de suas características específicas: contratação, jornada e remuneração. Seu recorte temporal contempla o período da promulgação da Constituição Federal de 1988 até o ano de 2015. Alvarez defende que as relações precárias no Brasil se institucionalizam mediante legislações específicas e contrariam as disposições gerais da Constituição e da Consolidação das Leis do Trabalho. Contudo, as leis que regem o trabalhador continuam sendo normas significativas na defesa de direitos trabalhistas e vínculos empregatícios estáveis.

Pedro Silva, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense, em seu trabalho “Construindo um novo espaço urbano no Estado Novo: a participação das empreiteiras cariocas nas obras da gestão de Henrique Dodsworth (1937-1945)” estuda a gestão do prefeito do Rio de Janeiro ‒ Henrique Dodsworth ‒ no que se refere à realização de grandes intervenções urbanísticas como projeto de solução para os problemas urbanos da capital brasileira da época. Dessa forma, estuda as empresas cariocas de construção civil ao longo do Estado Novo, analisando o valor investido no programa municipal de obras públicas em cada ano e a divisão do faturamento total entre as empresas.

Encerrando a 6ª edição, o artigo de Lívia Rezende, doutoranda pela Universidade Federal de Juiz de Fora, pautando-se na metodologia da história oral, discute de que maneira a consulta e o convívio regular com os pretos-velhos por meio da religião e da religiosidade influenciam na construção das perspectivas, valores e expectativas dos consulentes, através da reelaboração da escravidão negra no Brasil.

Nosso muito obrigado aos pesquisadores que confiaram à revista a divulgação de seus trabalhos; aos professores colaboradores, que, através de análise minuciosa, contribuíram com seus pareceres aos artigos recebidos.

Agradecemos também à equipe multidisciplinar da Revista Faces de Clio, que, com dedicação, proporcionou a concretização desta edição.

Por fim, nossos sinceros reconhecimentos à Universidade Federal de Juiz de Fora, em especial ao Programa de Pós-Graduação em História, pelo espaço de atuação na promoção da ciência.

Desejamos uma excelente leitura!

Julho de 2017

Flavia Salles Ferro

Leonardo Bassoli Ângelo


FERRO, Flavia Salles; ÂNGELO, Leonardo Bassoli. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.3, n.6, jul / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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