História Ambiental: configurações do humano e tessituras teórico-metodológicas | Ilsyane do Rocio Kmitta, Suzana Arakaki e Tânia Regina Zimmermann

Suzana Arakaki Imagem Dourados News História Ambiental
Suzana Arakaki | Imagem: Dourados News

A obra História ambiental: configurações do humano e tessituras teórico-metodológicas, organizada pelas historiadoras Ilsyane do Rocio Kmitta, Suzana Arakaki, Tania Regina Zimmermann, professoras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, foi publicada em 2020, pela editora Milfontes. Os oito capítulos que compõem o livro são escritos por pesquisadores de diferentes regiões do país, o que, como mencionado por Susana Cesco na apresentação da obra, indica para a descentralização das pesquisas em história ambiental, que vem se fortalecendo no Brasil. Considerando os capítulos em conjunto, permitem ao leitor que conheça importantes aspectos da área de pesquisa, bem como levantam reflexões a respeito do seu papel tanto no ensino básico quanto no superior.

Ao longo do primeiro capítulo, intitulado História ambiental: alguns desafios conceituais e políticos, os historiadores Eurípedes Antonio Funes e Kenia Sousa Rios, professores da Universidade Federal do Ceará, apresentam algumas provocações em torno da ideia de natureza como um fato dado. Para eles, as noções de natureza são historicamente construídas, sendo influenciadas pelas variadas experiências temporais. Assim, exemplificam que a concepção de natureza como um recurso a ser dominado, inclusive no campo científico, remete ao século XIX. Nesse contexto, os autores apontam que o nordeste brasileiro passa a ser concebido como uma natureza inóspita, onde a seca se torna um obstáculo para a modernização do sertão.

Para superar a visão desenvolvimentista, os autores propõem que sejam levados em conta diferentes saberes no giro ambiental realizado na história e todo o campo interdisciplinar que se debruça nos estudos sobre natureza e sociedade, permitindo que a relevância social deste campo contribua para pensar nos diversos problemas que ultrapassam os muros da universidade. Como exemplo, citam a questão da luta pela terra e da desterritorialização de comunidades diante do cenário de avanço da fronteira capitalista, como é o caso dos quilombolas do alto rio Trombetas, no estado do Pará. Os projetos de implementação de barragens, a expansão da mineração e o processo de desmatamento seguido pelo avanço das atividades agrícolas e criação de animais em larga escala são alguns dos problemas que se colocam para a manutenção da forma de vida dessa comunidade. Assim, um olhar atento para diversos atores sociais contribui para superar a visão de natureza como recurso a ser explorado.

Na sequência, Ely Bergo de Carvalho, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, no capítulo Estilo(s) de pensamento na História e na Geografia: a diversidade e unidade na disjunção entre seres humanos e natureza, analisa as implicações da separação entre seres humanos e mundo natural na abordagem de livros didáticos das disciplinas mencionadas. Mesmo com o respaldo da legislação que define a educação ambiental como temática transversal, ao pesquisar os Guias de Livros Didáticos de História e Geografia de 2014, o historiador apontou para diversos problemas na forma como esses temas são trazidos nos anos finais do ensino fundamental, principalmente na disciplina de história. Os Guias resultam da avaliação de especialistas sobre os livros aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

A pesquisa conduzida por Bergo de Carvalho indica que o problema da presença/ausência do meio ambiente e a forma como é abordado nos livros didáticos se relaciona com o fato de que o edital, que em grande medida norteia a elaboração desse material, atribui importâncias diferentes para o mundo natural nas disciplinas de História e Geografia. Assim, como os livros são escritos baseados nas determinações do edital, nas quais não aparece uma referência direta à natureza, a educação ambiental – prevista na legislação como tema transversal – não é prioridade dos livros didáticos de História. Ainda assim, de acordo com o que é posto pelas resenhas nos Guias, o autor identificou diferentes formas de abordar a natureza no material didático, que variam, para a História, entre a associação com a preservação ambiental ou com temas atuais e transversais, presença integrada com a narrativa histórica, e referências indiretas. Para a Geografia, foram identificadas as visões disjuntiva entre sociedade e meio ambiente e outra, a crítica e política.

O debate que pode ser levantado a partir da pesquisa de Ely Bergo de Carvalho sobre a incorporação da temática ambiental no ensino de História tem continuidade no capítulo seguinte, de autoria de Samira Peruchi Moretto, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul. Em História Ambiental: um estudo de caso versando ensino e pesquisa na UFFS, a historiadora apresenta as possibilidades de incorporação da disciplina no ensino superior. A constituição histórica desse campo de pesquisa remete ao fomento dos debates sobre História Ambiental nas sociedades acadêmicas que passaram a ser criadas nas décadas finais do século XX. No Brasil, Moretto reforça que desde os anos 1990 são desenvolvidas pesquisas na área de História a partir desse viés. Entretanto, a História Ambiental ainda está ausente nos cursos de graduação.

Neste sentido, o capítulo segue com algumas considerações relevantes sobre o ensino de história ambiental partindo da experiência da oferta da disciplina no Programa de Pós-Graduação em História da UFFS, no ano de 2017, e como disciplina optativa no curso de graduação em História da mesma instituição, em 2018. Tomando como base um questionário aplicado aos alunos dessa disciplina, é possível vislumbrar a relevância que a história ambiental atinge na formação de estudantes, tanto para que possam desenvolver pesquisas na área, como para pensar nas possibilidades de aplicação do conteúdo em suas próprias aulas. Da experiência analisada pela historiadora, ressalta-se também que é possível pensar não apenas a inclusão da História Ambiental como um componente curricular específico, mas também que esta pode ser incorporada na abordagem de outras disciplinas, como é o caso dos estudos de Teoria da História

O quarto capítulo, O ouro se foi, os rios e a terra empobreceram; agora é preciso buscar, foi escrito por Ilsyane do Rocio Kmitta, uma das organizadoras da obra e professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, e Eudes Fernando Leite, professor da Universidade Federal da Grande Dourados. O título do texto está contido em um trecho de um jornal, indicando que as fontes da imprensa constituem referências valiosas, tanto para o ensino quanto para a pesquisa em história ambiental, contribuindo para que seja possível vislumbrar versões variadas a respeito de um mesmo tópico.

Na notícia analisada pelos autores, se destacam aspectos da história do Mato Grosso e como se constituem os discursos sobre desenvolvimento econômico e pioneirismo no estado, mesmo que esse aspecto já tenha sido desconstruído em outras pesquisas históricas. Ao longo da notícia, são tecidas críticas aos danos do que é considerado como “agricultura primitiva”, defendendo um processo de modernização através de outros cultivos. Como aspecto que se destaca na formação desses novos mercados, os autores apontam a venda da madeira como uma forma de capital para iniciar as outras atividades. O processo de modernização, pretendido nesse momento e analisado ao longo do capítulo, teria como principal objetivo o crescimento econômico de Mato Grosso.

O livro segue com o capítulo Projetos de educação ambiental e sustentabilidade em Amambai-MS, escrito também por uma das organizadoras da obra, Tânia Regina Zimmermann, professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, em coautoria com Juliano Delai, mestre em desenvolvimento rural sustentável e de sistemas produtivos. Ao longo do texto, os autores discutem sobre o projeto “Lixo e Sustentabilidade”, realizado desde 2016, em Amambai (MS), com o objetivo de abordar a produção de resíduos urbanos e os problemas ambientais decorrentes dela. O projeto envolve três instituições de ensino, sendo duas de ensino superior e uma de ensino médio regular.

O projeto demonstra uma possibilidade de realização de uma educação ambiental, estando pautado em uma forma de conscientização que seja baseada na coletividade. Para isso, as etapas do projeto implementam diferentes práticas, iniciando pela exibição de um documentário e seguindo com a coleta de resíduos sólidos e orgânicos. A última etapa promove a aproximação entre estudantes e um catador de resíduos sólidos, momento importante para a reflexão sobre produção de resíduos e compreensão da atuação “dos catadores como agentes ambientais” (p. 123). Na avaliação dos autores, o projeto atinge uma aprendizagem significativa entre os estudantes que participam, influenciando na formação constituinte de uma nova consciência ambiental.

No capítulo seguinte, Ademir Miguel Salini, mestre em História, Miguel Mundstock Xavier de Carvalho, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, e Mirian Carbonera, professora da Unochapecó, abordam As consequências ambientais da colonização do oeste catarinense: alguns apontamentos. Por meio desse trabalho, os autores partem da abordagem da história ambiental para compreender como a composição natural da região, pertencente ao bioma da Mata Atlântica e marcada por áreas de florestas e manchas de campos, foi transformada com o processo de colonização ocorrido no século XX. Através de dados demográficos, indicam o crescimento acentuado do número de habitantes no oeste catarinense, localizados principalmente em áreas rurais. Como consequência imediata da colonização, são apresentadas questões relativas ao desmatamento, uma vez que as florestas foram derrubadas para a implementação de áreas de cultivo, sendo comercializadas, nesse período, em balsas escoadas pelo rio Uruguai.

Nos jornais da região, que anteriormente exaltavam as potencialidades dos recursos naturais, os pesquisadores encontraram matérias dos anos 1960 e 1970 que tratavam da degradação ambiental no oeste de Santa Catarina. A perda de fertilidade do solo, ocasionada pelo desmatamento e agravada pelo uso de equipamentos e técnicas agrícolas, e a contaminação dos rios estão entre os problemas ambientais apontados que se relacionam com o processo de colonização.

Uma alternativa ao modelo de produção de grandes lavouras é apresentada no sétimo capítulo da obra, O sistema agroflorestal no sítio Luciana em Dourados, MS: práticas, consciência ambiental e divulgação (2007-2018), de João Carlos de Souza, professor da Universidade Federal da Grande Dourados, que conduziu uma pesquisa de história oral com o produtor agroecológico responsável pelo sítio Luciana. Nesse local, em 2007, rodeado por propriedades monocultoras, o proprietário, que antes arrendava as terras para plantio de soja, resolveu adotar o manejo agroecológico para trabalhar na terra, motivado pelas lembranças de sua infância vivenciada em um sítio com pequenas lavouras.

Diante das condições do solo, degradado pela monocultura, passou a incorporar matéria orgânica para possibilitar a recuperação da área. A experiência agroecológica analisada no capítulo por Souza indica não apenas uma outra forma de perceber e lidar com a terra, como também a necessidade de diálogo entre diferentes saberes, considerando que os conhecimentos tradicionais desenvolvidos na prática pelo produtor agroecológico combinam o conhecimento científico com suas observações e identificações sobre o funcionamento da natureza.

A obra é encerrada com uma entrevista ao historiador Paulo Henrique Martinez, professor da Universidade Estadual Paulista, conduzida por Ilsyane Kmitta. Ao longo do texto, o historiador aborda diversos aspectos da sua formação e ligação com a história ambiental, bem como levanta reflexões diversas acerca do desenvolvimento dessa área de pesquisa. Entre as variadas questões colocadas ao longo da entrevista, alguns pontos são de interesse por possibilitarem um diálogo com aspectos também abordados ao longo de outros capítulos do livro. Nesse sentido, é possível destacar as opiniões do historiador a respeito da difusão da história ambiental em diferentes níveis de ensino, incluindo as possibilidades para a educação ambiental. Neste ponto, são mencionadas a importância da pós-graduação na renovação da abordagem do tema no sistema educacional e também a relevância de olhar para experiências alternativas de projetos que empregam outras estratégias para tratar sobre o tema do meio ambiente.


Resenhista

Michely Cristina Ribeiro – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (PPGH/UFFS). Bolsista FAPESC. E-mail: [email protected]   https://orcid.org/0000-0002-3915-677X


Referências desta Resenha

KMITTA, Ilsyane do Rocio; ARAKAKI, Suzana; ZIMMERMANN, Tânia Regina (Orgs.). História Ambiental: configurações do humano e tessituras teórico-metodológicas. Vitória: Editora Milfontes, 2020. Resenha de: RIBEIRO, Michely Cristina. História Ambiental, educação ambiental e pesquisas: possibilidades de análise. Fronteiras- Revista Catarinense de História, n.39, p. 316-321, jan./jun. 2022. Acessar publicação original [DR]

 

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