I Cognomi degli italiani: una storia lunga 1000 anni | Roberto Bizzocchi

Outro livro que fala de cognomi (sobrenomes, em italiano)? É o próprio autor – Roberto Bizzocchi, professor de História Moderna da Universidade de Pisa – que se faz esta pergunta na primeira linha de apresentação deste trabalho, uma reconstrução pontual da história da antroponímia italiana desde a Idade Média até a atualidade. De fato, sobre tal assunto, não faltam textos e contribuições valiosas, que se limitam, contudo, ao esclarecimento do significado linguístico dos vários sobrenomes, por meio de uma impostação principalmente descritiva e tipológica. Este livro, ao contrário, tem um objetivo mais ambicioso, querendo reconstruir os vários acontecimentos históricos relacionados ao nascimento e ao uso dos sobrenomes na Península Itálica. Trata-se acerca de 250 páginas divididas em 44 capítulos tematicamente circunscritos, baseados em documentos de arquivo e em um poderoso material bibliográfico.

De acordo com o título, o objeto deste estudo não é representado apenas pelos sobrenomes italianos, mas, de forma mais ampla, pelos sobrenomes dos Italianos; inclusive, portanto, os sobrenomes linguisticamente não italianos, mas que são possuídos por pessoas italianas, assim como os sobrenomes dos Italianos que no passado deixaram a Península e adquiriram outra nacionalidade. É por isso mesmo que as informações contidas neste livro têm uma relevância que ultrapassa as fronteiras da Itália, envolvendo de perto todos aqueles Países – tais como o Brasil – onde o afluxo de imigrantes italianos (e, portanto, dos seus sobrenomes) foi enorme, especialmente nos dois últimos séculos.

O problema da formação e da difusão dos sobrenomes é parte do amplo debate historiográfico sobre a construção da identidade pessoal e os mecanismos de identificação, um assunto que durante as últimas décadas – pelo menos desde o livro de Natalie Zemon Davis sobre Martin Guerre e desde as propostas metodológicas centradas por Carlo Ginzburg no paradigma indiciário – tornou-se objeto de uma crescente atenção a nível internacional, especialmente em âmbito francês e anglo-saxão; um assunto que foi também objeto de produção filosófica e literária, como demonstrado pelas reflexões de Paul Ricœur em matéria hermenêutica e pelos principais romances – para citar um caso italiano muito importante – de Luigi Pirandello.

Ao centro do livro de Bizzocchi tem-se, portanto, a história do que na Itália transformou-se no principal instrumento onomástico de identificação pessoal, pelo menos a nível formal e oficial, burocrático: o sobrenome. Trata-se de um elemento que é parte da identidade de cada indivíduo desde o nascimento e cuja presença é considerada normal, mas cujo processo de formação, difusão e estabilização desenvolveu-se de forma lenta e incerta, envolvendo vários fatores sociais, culturais e políticos.

Bizzocchi reconstrói este processo partindo de longe, ou seja, analisando o sistema baseado em três nomes das famílias da aristocracia na Roma antiga (por exemplo, Gaius Iulius Cæsar), uma raridade dentro da onomástica indo-europeia daquela época, baseada geralmente no nome único (por exemplo, Sócrates, Platão, Aristóteles, entre os Gregos). Este sistema enfraqueceu-se ao passar do tempo e reduziu-se drasticamente por causa das invasões bárbaras, sobrevivendo, contudo, naquelas regiões da Península onde o elemento linguístico-cultural latino conseguiu manter-se graças à dominação bizantina; o que ocorreu em Roma, em Nápoles e, sobretudo, em Veneza, com esta última que pode ser considerada a capital italiana da origem do sobrenome, já bastante documentado nas fontes do século IX.

A verdadeira história dos sobrenomes italianos, contudo, começou somente depois do ano Mil, quando aconteceu – de acordo com Bizzocchi – uma grande revolução antroponímica em toda a Península; desde então, a registração documentária de um segundo elemento identificativo ao lado do nome pessoal iniciou a difundir-se de maneira cada vez mais evidente, sobretudo por finalidades administrativas e institucionais. Com certeza, com respeito a este grande processo, um papel fundamental foi desempenhado pelos poderes constituídos (a Igreja e o Estado), cujas intervenções, a partir do século XVI, favoreceram a progressiva estabilização burocrática do sobrenome. Neste sentido, o exemplo mais evidente é representado pelas disposições de registração demográfica aprovadas pelo Concílio de Trento, com a produção cada vez mais difundida de documentos paroquiais tais como os livros de batismo.

As várias fontes produzidas pelas instituições eclesiásticas e estaduais são submetidas por Bizzocchi a uma crítica cuidadosa, baseada na comparação tipológica, na reconstrução dos contextos de produção e na decodificação dos vários procedimentos de identificação e cadastramento. A constante reflexão sobre as fontes é uma característica louvável deste livro, no qual o autor questiona continuamente o problema da pluralidade das variantes onomásticas utilizadas no dia a dia e da variedade das possíveis relações entre os diferentes usos e as diferentes documentações.

Em diversas ocasiões é destacado um conceito fundamental, ou seja, que as várias formas de sobrenome, as mais definidas assim como as mais embrionárias, pelo menos até as reformas políticas do século XVIII, não foram o único instrumento identificativo dos Italianos, e tampouco o principal, sobretudo entre os estratos populares da sociedade. Ainda durante a Idade Moderna, o fulcro da onomástica italiana era representado pelo nome de batismo (o prenome), o que é demonstrado por um documento muito importante, o Índice dos Livros Proibidos, publicado pela primeira vez no final do século XVI. Nesta fonte, por exemplo, um autor como Nicolau Maquiavel não se encontra na letra M do sobrenome, mas na letra N do prenome, o que não poderia acontecer nos registros e nos índices de hoje em dia.

Nesse sentido, poderia se revelar particularmente interessante uma confrontação com o mundo lusófono, onde o papel identificativo atribuído ao nome pessoal, também a nível formal, continua tendo uma importância maior que o sobrenome, como algumas pesquisas antropológicas de João de Pina-Cabral evidenciaram e como podem testemunhar – de forma muito mais grosseira – as listas telefônicas de algumas cidades brasileiras (por exemplo, Lavras, em Minas Gerais), cuja indexação, ao contrário do que ocorre presentemente na Itália, é construída por nome e não por sobrenome.

O ponto de viragem decisivo do lento processo de fixação e difusão dos sobrenomes na Itália ocorreu no século XVIII, quando o poder estadual e o eclesiástico promoveram um fortalecimento robusto das suas próprias funções burocráticas, a partir das reformas propostas no contexto do Despotismo esclarecido e de uma operação complexa de disciplinamento social. Para governar melhor, era necessário aprofundar o conhecimento dos dados estatísticos sobre a população e a distribuição da riqueza, por meio de uma massa crescente de informações. Foi o desenvolvimento daquela “governamentalidade” moderna que Michel Foucault definiu como “biopolítica”, simbolizada, pelo menos do ponto de vista do utilitarismo policial, pelo pan-óptico proposto por Jeremy Bentham.

A presença dos sobrenomes cresceu no curso do século XIX, inicialmente graças à administração napoleônica, cujas disposições encontraram uma aplicação concreta também na Itália, e em seguida graças aos vários governos da Restauração. Foi feito um uso maior das informações estatísticas e de toda uma documentação administrativa baseada na padronização de tabelas e formulários. O que nasceu, em última análise, foi o moderno registro civil, cuja documentação foi centrada nos dois elementos onomásticos do nome e do sobrenome, um modelo que começou a impor (e continua impondo) a declinação de dados pessoais imutáveis desde o nascimento e pela vida inteira. Este processo concretizouse definitivamente após a unificação nacional, quando foi criado o novo estado civil do Reino de Itália, que a partir de 1866 cristalizou as várias formas onomásticas presentes na Península: foi isso que – de acordo com Bizzocchi – constituiu o verdadeiro ato de nascimento dos sobrenomes dos Italianos.

O livro termina enfrentando as principais questões onomásticas que interessaram a Itália e seus moradores no curso do século XX. Bizzocchi reconstrói, primeiramente, a política nacionalista de italianização forçada dos sobrenomes não italianos presentes na parte Norte e Leste da Península, que por muitos séculos pertenceu ao Sacro Império Romano-Germânico. Tal política, que recebeu uma aceleração drástica durante o regime fascista, foi bastante marcada em relação aos indivíduos que tinham um sobrenome eslavo; ela teve, ao contrário, resultados muito mais brandos, por razões de oportunidade política, com aqueles que tinham um sobrenome germânico.

A análise da política de italianização dos sobrenomes estrangeiros inclui também a questão onomástica dos judeus na Itália. A esse respeito, Bizzocchi destaca dois aspectos fundamentais: a inexistência de sobrenomes tipicamente hebraicos (além de algumas exceções, tais como Coen, Levi ou Gabbai), por um lado, e a correspondência significativa – mas não exclusiva – entre sobrenomes toponímicos (originários de cidades tais como Pesaro, Modena e Recanati, por exemplo) e religiosidade judaica, do outro lado.

Outro tema fundamental da antroponímia italiana do século XX está relacionado ao fenômeno da emigração, ou seja, às vicissitudes históricas que caracterizaram o sobrenome dos Italianos que deixaram a Península e se estabeleceram em outros lugares, sobretudo nas Américas (inclusive no Brasil, onde há mais de 30 milhões de pessoas de origem italiana, segundo os cálculos do Ministério das Relações Exteriores). Muitos sobrenomes foram assim adaptados à nova realidade local, em particular do ponto de vista linguístico, tanto nos países anglófonos, quanto naqueles latinos. Nos Estados Unidos, deste ponto de vista, podem ser encontrados sobrenomes transcritos como Locashio, Shortino e Columbo, ou ainda Bacigalup e Dirienz. Algo de semelhante, mesmo se de forma menos marcante, ocorreu também em algumas partes do Brasil, onde o –e final tem uma sonoridade muito parecida com o –i, causa pela qual sobrenomes como Folli e Pessatti foram às vezes transcritos, e depois definitivamente registrados, na forma de Folle e Pessatte.

O último capítulo do livro é dedicado aos principais aspectos políticos, sociais e jurídicos da atualidade antroponímica italiana, caracterizada por dois fenômenos importantes: primeiramente, o aumento de Italianos com sobrenome não italiano, devido à imigração maciça que nas últimas décadas ocorreu em toda a Península; em segundo lugar, os problemas relacionados com a paridade de gênero e a possibilidade de dar aos filhos o sobrenome materno, isoladamente ou em conjunto com aquele paterno, pois na Itália a prática de se utilizar apenas o sobrenome do pai continua sendo majoritária, mesmo não sendo exigida de forma explícita pela lei.

Geralmente falando, o livro de Bizzocchi merece ser avaliado positivamente, tratando de uma questão particular como a história dos sobrenomes, que envolve diretamente cada família e qualquer individuo. Trata-se de um trabalho que se endereça também aos não acadêmicos e que, como já foi dito, tem todas as características para se tornar um objeto de interesse capaz de atravessar as fronteiras italianas, efetuando assim o mesmo caminho realizado por boa parte daqueles sobrenomes dos quais ele trata.


Referências

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica: curso dado no Collège de France (1978- 1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

PINA-CABRAL, João de. Les noms de famille lusophones: une lecture anthropologique. In: ADDOBBATI, Andrea; BIZZOCCHI, Roberto; SALINERO, Gregorio (orgs.). L’Italia dei cognomi: l’antroponimia italiana nel quadro mediterraneo. Pisa: Pisa University Press, 2012. p. 155-167.

PIRANDELLO, Luigi. O falecido Mattia Pascal. São Paulo: Nova Alexandria, 2007.

PIRANDELLO, Luigi. Um, nenhum e cem mil. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

RICŒUR, Paul. Tempo e narrativa: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

ZEMON DAVIS, Natalie. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


Resenhista

Matteo Giuli – Graduado em Letras pela Università di Pisa (2005). Possui diploma de doutorado em cotutela em História Moderna pela Università di Pisa e pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (2010). Também é titular de bolsa de pós-doutorado no Departamento de História da Universidade de Brasília, pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNDP) da CAPES.


Referências desta Resenha

BIZZOCCHI, Roberto. I Cognomi degli italiani: una storia lunga 1000 anni. Roma-Bari: Laterza, 2014. Resenha de: GIULI, Matteo. Tempos Históricos, v. 21, n.2, p. 569-574, 2017. Acessar publicação original [DR/JF]

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