Os mundos do trabalho no Brasil independente e as experiências de trabalhadoras e trabalhadores em suas diversas perspectivas: gênero, raça, classe, etnia e cultura/Ofícios de Clio/2022

Em 2022 o Brasil completou 200 anos como país independente tendo como base de sua formação social e da configuração do seu mercado de trabalho o modelo escravista. Buscando refletir sobre os rumos dos mundos do trabalho e das trabalhadoras e trabalhadores no Brasil independente, esse Dossiê buscou pesquisadoras e pesquisadores que quisessem contribuir com artigos que analisassem as pluralidades que atravessam os mundos do trabalho no Brasil, como a classe, a raça, o gênero e a cultura.

O país, após emancipar-se de Portugal, passou da adoção da mão de obra escravizada negra para a imigrante branca, constituindo de forma desigual as suas relações de trabalho pautando-se na exploração, informalidade e precariedade na Primeira República. Fato moldado posteriormente pela política trabalhista de Getúlio Vargas e a implementação de uma legislação que regulamentasse essas relações, a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.

Embora ao longo da história essa legislação tenha sido alterada de acordo com as necessidades do capital, recentemente acirraram-se os discursos neoliberais que cercam os direitos trabalhistas promovendo alterações mais aceleradas. Por outro lado, a profunda crise econômica que tem afligido o país nos últimos anos coloca novas questões diante do aumento do desemprego e da massa de trabalhadoras e trabalhadores jogados na informalidade.

Diante do exposto, as pesquisas reunidas neste Dossiê, refletem sobre as mais variadas experiências de trabalhadoras e trabalhadores nos mundos do trabalho do Brasil independente. Destacando as suas ações frente aos grupos dominantes no contexto de trabalho escravizado, livre formal ou informal, imigrante, feminino, operário e educacional.

A abertura deste dossiê discute a situação dos trabalhadores cearenses no contexto após a instauração da República brasileira. Assim, a mestranda em História, pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Taynara Raquel Rodrigues dos Anjos, no artigo “É preciso que nós artistas, como uma boa porção do povo brasileiro, lutemos contra essa subserviência(…)” A organização dos trabalhadores e o pleito de 15 de setembro de 1890 no Ceará, discute como os trabalhadores cearenses se (re)organizaram politicamente sob o novo regime. A autora conclui que o advento da república proporcionava um novo cenário político nacional, e maior expectativa de participação social e política dos trabalhadores/operários/artistas no Ceará. Para a autora, tais grupos se dividiram e formaram suas alianças para efetivarem essa representação.

A doutoranda em História Social da Cultura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Maria Fernanda Ribeiro Cunha, no artigo intitulado Em posse de liberdade: a liberalidade de terceiro em pedidos de alforria e trabalho compulsório (1870- 1890), analisa as conquistas emancipacionistas da década de 1870, atentando para os pedidos de liberdade mediante pecúlio obtido por meio de terceiro, para discutir os significados sociais envolvidos nas dívidas contraídas por trabalhadores libertos, sobretudo envolvidas na garantia de trabalho. Analisando processos judiciais, a autora entende que a lógica senhorial se reafirmava na exploração de trabalhadoras e trabalhadores escravizados, portanto, a proibição da liberalidade de terceiro na obtenção de pecúlio foi analisada como maneira de controle por parte da classe senhorial na exploração do trabalho.

Outro importante estudo sobre os trabalhadores escravizados e libertos, é o artigo Trabalhadores negros entre a escravidão e a liberdade, em que a doutoranda em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Helen da Silva Silveira, se atém a pensar os trabalhadores e as trabalhadoras negras/os na condição de escravizadas/os e livres em Santa Cruz do Sul entre os anos de 1863 e 1905, através de um livro de batismo de cativos e de uma fotografia. Assim, a autora mostra o quanto a escravidão esteve presente no interior do Rio Grande do Sul, ainda que o imaginário social ressalte pessoas de pele e cabelo claros, descendentes de imigrantes europeus. Além disso, o estudo nos ajuda a compreender que a escravidão foi um dos pilares para a constituição do trabalho no local, no século XIX. Logo, devemos estar atentos às fontes que nos auxiliem a visibilizar essas pessoas.

O mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Luis Eduardo Domingues dos Santos Souza da Silva revisa a produção historiográfica recente e algumas das contribuições que essas pesquisas têm dado no âmbito da história social do trabalho. Com o seu artigo Recuperando a fala? As contribuições das pesquisas em processos trabalhistas para a reafirmação da classe trabalhadora brasileira enquanto sujeito de sua própria história no pós-1930, o autor destaca a importância que esses estudos dão aos processos da Justiça do Trabalho, uma fonte através da qual se pode ampliar a compreensão das experiências de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros na luta por seus direitos, a partir da década de 1930.

Em um artigo teórico, denominado Possibilidades teórico-metodológicas entre raça (cor) e sindicalismo: pautas do Centro Operário de Barra Mansa-RJ como amostragens (1930), o mestrando em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thompson Clímaco Alves, discute as relações entre raça e sindicalismo a partir de algumas pautas do Centro Operário de Barra Mansa, durante a década de 1930. O autor entende que, obviamente, as relações entre raça e sindicalismo não são constituídas somente nos sindicatos, contudo, não se pode negar as questões raciais dentro desses espaços. Assim, pensando a década de 1930, e o Centro Operário de Barra Mansa, o autor conclui que há questões raciais nos sindicatos que não podem ser ignoradas. Tal fato fica evidente em assuntos como sindicalização dos trabalhadores rurais, instrução primária e assistência médica que, teoricamente, poderiam ser desvinculados de raça, mas na verdade não estão.

Ainda pensando os mundos do trabalho sob a perspectiva teórica, Victoria Junqueira, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UNB), no artigo Trabalho produtivo e reprodutivo: apontamentos feministas acerca do trabalho em O Capital (Livro I), analisa o papel das mulheres no processo de produção descrito por Karl Marx, contrastando com leituras de obras dos feminismos negro, marxista e decolonial. Assim, a autora nos auxilia a compreender que houve apagamento de raça tanto na obra marxiana como no próprio marxismo. E, por meio das leituras sobre os feminismos negros e decolonial, poderemos entender melhor esses processos de supressão das questões de raça na obra de Karl Marx.

No artigo Mundos do Trabalho infantil: Registros de uma fotógrafa imigrante, as doutorandas em História, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Maria Clara Hallal e Taiane Taborda, investigam, por meio de fotografias, como Hildegard Rosenthal – uma fotógrafa imigrante – capturou um grupo específico de habitantes/ocupantes da cidade de São Paulo em 1940: os jovens trabalhadores que exerciam suas atividades na urbe paulistana. As autoras, compreendem que, os registros da fotógrafa auxiliam a compreender os mundos do trabalho da década de 1940. Por meio dessas imagens, as doutorandas compreenderam que, a fotógrafa Hildegard Rosenthal capturou meninos/jovens trabalhadores, a maioria negros, e que muitas vezes, tinham que ingressar precocemente no mercado de trabalho, em muitos casos, informal e sem mecanismos de seguridade social. Logo, entende-se que, sob o viés de Hildegard Rosenthal, os mundos do trabalho infantil eram, na maioria, sem direitos, garantias e vulnerável, especialmente para os jovens negros.

Para concluir nosso Dossiê, a mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Clivya da Silveira Nobre, em seu artigo Professores e Trabalhadores: memórias docentes sobre o Curso de História da FAFIN/FFCL (atual UFRN), investiga de que maneira um grupo de professores aposentados do Curso de História da Faculdade de Filosofia de Natal (FAFIN), posteriormente chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), construiu representações da formação ofertada no Curso e das condições do trabalho docente, no período anterior à sua incorporação à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 1968. Portanto, por meio de entrevistas realizadas com os docentes da primeira e segunda gerações, a autora entende que os três entrevistados construíram suas próprias representações do ensino no Curso de História da FAFIN/FFCL. Igualmente, esses docentes construíram suas memórias em torno das dificuldades que passaram na época, como falta de recursos e salários baixos, mas, apesar disso, sempre se mantiveram atualizados.

Após essa breve apresentação dos estudos que compõe o número da revista Ofícios de Clio dedicado aos trabalhadores e às trabalhadoras, destacamos que as análises aqui discorridas estão concentradas nos mundos do trabalho desde o período da escravidão, incluindo trabalhadores/as escravizados/as e libertos/as até o período republicano.

Por meio de discussões teóricas, são pensados também os marcadores de raça e gênero, em pauta e necessários na atualidade. Além disso, algumas nuances dos mundos do trabalho infantil foram abordadas viabilizando novas questões e discussões sobre o tema. Por último, esse Dossiê expõe a importante contribuição da oralidade como fonte ao reconstruir representações e vivências laborais de docentes.

A pluralidade que baliza o campo da história do trabalho deixa ver a complexidade e a relevância que estas pesquisas têm para que possamos melhor compreender e questionar os rumos que os mundos do trabalho tomam nos dias atuais.

Esperamos que as leituras sejam proveitosas e frutíferas!


Organizadores

Maria Clara Lysakowski Hallal – Doutoranda em História pelo PPGH – UFPEL, com financiamento CAPES. É pesquisadora do Laboratório de Política e Imagem (LAPI UFPEL). Tem interesse em estudos sobre cultura visual, cidades, gênero e processos migratórios. E-mail para contato: [email protected]

Taiane Mendes Taborda – Doutoranda em História pelo PPGH – UFPEL e professora de Ensino Fundamental e Médio. E-mail para contato: [email protected]


Referências desta apresentação

HALLAL, Maria Clara Lysakowski; TABORDA, Taiane Mendes. Apresentação. Ofícios de Clio. Pelotas, v. 7, n. 13, p. 11- 14, jul./dez. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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